“Humilhação de generais vira rotina sob Bolsonaro”, por Josias de Souza

*Por Josias de Souza — Deve doer nos integrantes da ala militar do governo a percepção de que fazem o papel de generais desastrados, numa peça confusa, em que o protagonista é um capitão destrambelhado e o epílogo é o centrão. Aos pouquinhos, os generais vão se tornando asteriscos humilhantes de um governo em que imaginavam ser os mais importantes. Jair Bolsonaro humilha-os e permite que sejam humilhados. Resignados, os generais humilham-se a si mesmos.

O paraquedista Eduardo Pazuello assumiu a pasta da Saúde depois que Bolsonaro fritou o ortopedista Henrique Mandetta e tostou o oncologista Nelson Teich. Agora, carbonizado pelo chefe na guerra da vacina, o general tornou-se uma porção de cinzas. E conformou-se com o seu novo estado: “Um manda e outro obedece.”

Luiz Eduardo Ramos trocou o prestigioso Comando Militar do Sudeste pelo posto de comandante de uma escrivaninha no Planalto. Assumiu a Secretaria de Governo da Presidência. A vaga era ocupada pelo também general Carlos Alberto dos Santos Cruz, dissolvido nos primeiros seis meses do governo num caldeirão em que se misturavam ataques de um filósofo autoproclamado, Olavo de Carvalho, e de um filho aloprado, Carlos Bolsonaro.

O general-soldado afirmou que não vê problema em ser “atropelado” pelo chefe.

Menos de 24 horas depois da calcinação do amigo Pazuello, Ramos caiu numa fritura sui generis. Quem manuseia o cabo da frigideira não é o presidente, mas o colega civil Ricardo Salles, titular da pasta do Meio Ambiente. Membro do bloco ideológico-apocalíptico do governo, Salles plugou-se às redes sociais para grudar em Ramos a hashtag #mariafofoca. Não se ouviu um pio do general. Tampouco o presidente se manifestou em público.

Relações administrativas são regidas por uma combinação lógica de fatores. Se um ministro executa movimentos que não coincidem com a tática do chefe, ele é mandado embora. Se o presidente desfaz o que estava combinado, aí é o ministro quem pede para sair. Quando um Pazuello prefere bater continência para a humilhação a elevar a própria estatura, reduz o pé-direito do ministério.

Quando um ministro vai às redes sociais para desmoralizar um colega e nada acontece, desmoraliza-se o governo. Se a desmoralização ocorre no Meio Ambiente, esculhamba-se o ambiente inteiro. O fogo não arde apenas na Amazônia e no Pantanal. Há incêndio também nos gabinetes de Brasília. Estabeleceu-se nesse setor um duplo comando que não tem o menor risco de dar certo.

Bolsonaro impôs a Ricardo Salles uma convivência compulsória com o vice-presidente Hamilton Mourão, convertido em coordenador do Conselho Nacional da Amazônia. Subordinado a Salles, o Ibama suspendeu o combate às queimadas sob a alegação de que o Tesouro Nacional não liberou as verbas. Incumbido de melhorar a imagem ambiental do Brasil, o general Mourão abespinhou-se por não ter sido avisado. Entrou em campo para abrir o cofre.

Os ministros militares: Fernando Azevedo, eLuiz Eduardo Ramos; o vice-presidente Hamilton Mourão  e o ministro civil, Ricardo Salles. (Da esq. para dir.).

Os generais do Planalto tomaram as dores de Mourão. Salles enxergou as digitais de Luiz Eduardo Ramos numa nota publicada no Globo. Despejou sua insatisfação nas redes sociais: “Tenho enorme respeito pela instituição militar. Como em qualquer lugar, infelizmente, há sempre uma maçã podre a contaminar os demais. Fonte de fofoca, intriga, de conspiração e da discórdia, o problema é a banana de pijama.”

Decorridos alguns minutos, Salles decidiu dar nome à banana. Apagou a primeira mensagem e postou algo mais incisivo: “@Min-LuizRamos não estiquei a corda com ninguém. Tenho enorme respeito e apreço pela instituição militar. Atuo da forma que entendo correto (sic). Chega dessa postura de #mariafofoca.”

O general Santos Cruz, antecessor de Ramos na coordenação política do Planalto, fez uma avaliação ácida logo que foi expurgado do governo. Definiu o governo Bolsonaro como “um show de besteiras”, que “tira o foco daquilo que é importante.” Nesta sexta-feira, Santos Cruz levou à vitrine do Twitter um ensinamento para os colegas que continuam no governo.

“Hierarquia e disciplina, na vida militar e civil, são princípios nobres”, anotou o ex-ministro. “Não significam subserviência e nem podem ser resumidos a uma coisa ‘simples assim, como um manda e o outro obedece’… como mandar varrer a entrada do quartel.”

O acúmulo de humilhações simplifica a vida dos militares do governo. Para demonstrar alguma altivez, basta que os generais continuem agachados. O “festival de besteiras” logo evoluirá para o estágio da balbúrdia. Se é que já não evoluiu.

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*Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na “Folha de S.Paulo” (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro “A História Real” (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de “Os Papéis Secretos do Exército”.

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