Milícias de diferentes regiões fazem alianças na cadeia para aumentar seus domínios

Revista feita na Penitenciária Bandeira Stampa
Revista feita na Penitenciária Bandeira Stampa
Rafael Soares

Investigações da Polícia Civil revelam que milicianos de diferentes partes do estado fazem acordos dentro da Penitenciária Bandeira Stampa para ampliar seus domínios. No presídio, que faz parte do Complexo de Gericinó, convivem detentos acusados de integrar milícias das zonas Norte e Oeste do Rio, da Baixada Fluminense, de São Gonçalo e de Maricá, na Região Metropolitana. Mensagens encontradas em celulares de criminosos e escutas telefônicas mostram que já partiram, da unidade, ordens para o início de cobrança de taxas em diversos locais e até para chacinas.

Uma das tramas descobertas pela polícia foi a de Anderson Cabral Pereira, o Sassa, chefe da milícia do Porto Novo, em São Gonçalo, para dominar Maricá entre 2017 e 2018. De acordo com uma denúncia do Ministério Público enviada à Justiça em setembro de 2018, escutas revelaram que Sassa cooptou um colega de cela em Bangu para tentar estender seus domínios.

À época, Luiz Carlos Pereira de Melo, o R6, que compartilhava cela com Sassa, estava prestes a sair da cadeia. Acusado de ser chefe da milícia de Maricá, o sargento PM Wainer Teixeira, estava preso acusado de receber propina de traficantes na Unidade Prisional da PM. Sassa viu uma chance de preencher o vácuo de poder.

Detentp dorme em cima de celular no Bandeira Stampa
Detentp dorme em cima de celular no Bandeira Stampa

Após sair da cadeia, R6 chegou a ir para Maricá, mas o plano de Sassa deu errado: Wainer foi beneficiado com a prisão domiciliar e voltou ao município, impedindo o rival de entrar em seus domínios.

A investigação também descobriu que o miliciano ordenou, de dentro do Bandeira Stampa, duas chacinas entre maio e julho em São Gonçalo, em que seis pessoas morreram e mais de dez ficaram feridas em áreas dominadas por bandos rivais. Na primeira delas, quando homens saíram de um carro e atiraram em direção a 50 pessoas que confraternizavam num bar ao lado de um campo, Sassa mandou outros detentos que estavam na mesma galeria do presídio assistirem às reportagens na televisão, porque ele havia ordenado o ataque.

Inspetores integram esquema

Para manter contato com o exterior, milicianos também contam com a cumplicidade de agentes penitenciários. A Polícia Civil interceptou uma ligação telefônica entre Anderson Pereira, o Sassa, e um servidor. Na conversa, o criminoso explica que quer transferir um preso da Cadeia Pública Patrícia Acioli, em São Gonçalo, para o Bandeira Stampa. O servidor, chamado de “Tiquinho” pelo miliciano, respondeu que “a transferência custaria R$ 3 mil”.

Celulares apreendidos no Bandeira Stampa em abril do ano passado
Celulares apreendidos no Bandeira Stampa em abril do ano passado Foto: Divulgação

Outro inquérito, que terminou com a prisão de três agentes penitenciários em julho de 2018, revela que alguns servidores que trabalhavam no Bandeira Stampa também eram integrantes da milícia. O agente Adalberto Braz Correa Júnior, um dos presos, é acusado de ser o responsável pela extorsão de comerciantes na região central de Campo Grande. Já os inspetores Leandro César Pires Gonçalves e Émerson dos Santos Lopes são apontados como os responsáveis pela entrada de drogas, armas, anabolizantes e cigarros contrabandeados na unidade que abriga milicianos.

Ao longo da investigação, mensagens encontradas em três celulares dentro de uma cela do presídio revelaram que os paramilitares presos recebem informações sobre a ação de bandos rivais nas áreas que controlam e determinam contra-ataques. Numa das mensagens, o preso ordena ao interlocutor que retire uma boca de fumo instalada em Campo Grande e execute os responsáveis. Os milicianos sequer escondem os aparelhos: uma foto que faz parte do inquérito mostra um integrante do grupo dormindo em sua cama dentro de uma cela com um celular conectado ao carregador na tomada ao lado.

‘Franquias’ na Baixada

Para o promotor Luiz Antônio Ayres, que investiga a atuação da milícia na Zona Oeste, grupos paramilitares “aprenderam” a conviver harmonicamente nos presídios. Segundo ele, o estado precisa estar atento às alianças entre quadrilhas que antes eram rivais.

Sassa, acusado de ser chefe da milícia do Porto Novo
Sassa, acusado de ser chefe da milícia do Porto Novo

— Antes, as milícias entravam em guerra por territórios. Agora, elas passaram a fechar acordos dentro da cadeia. E isso é facilitado pela convivência entre chefes de grupos no mesmo presídio. No Bandeira Stampa, há integrantes de escalões mais baixos e também líderes. É preciso identificá-los e separá-los — afirmou Ayres.

Para o promotor, a expansão da milícia na Baixada Fluminense foi facilitada pelo contato entre milicianos dentro da cadeia.

— Na Baixada, a expansão se dá em forma de franquia, com apoio logístico da maior milícia da Zona Oeste. A convivência na cadeia facilita isso — avalia Ayres.

Questionada sobre planos para separar milicianos de bandos diferentes no sistema prisional, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) afirmou que “poderá fazer uma série de divisões setoriais, em diversas organizações criminosas, após a conclusão do projeto do Presídio Vertical”.Em 2019, 281 celulares foram apreendidos no Bandeira Stampa.

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