Nobel de Química: o que são pontos quânticos, cuja descoberta rendeu prêmio em 2023
Os pontos quânticos são os menores componentes da nanotecnologia, extremamente minúsculos, medindo apenas alguns milionésimos de milímetro.
São estruturas artificiais criadas em laboratório a partir de materiais semicondutores, também conhecidos como nanocristais. Seu tamanho é tão pequeno que suas qualidades são determinadas por fenômenos de natureza quântica.
Eles possuem propriedades ópticas e eletrônicas únicas, incluindo a capacidade de transportar elétrons e emitir luzes coloridas diferentes quando estimulados por luz ou eletricidade. Os menores são azuis e os maiores são amarelos e vermelhos.
A sua descoberta e produção foram reconhecidas com o Prêmio Nobel de Química de 2023, que homenageou Moungi Bawendi, Louis Brus e Alexei Ekimov pelo seu trabalho nesta área.
As propriedades peculiares destes nanocristais revolucionaram produtos comerciais, como telas de televisão ou lâmpadas de LED.
Eles também são utilizados em inúmeras disciplinas científicas, como física, química ou medicina, onde começam a ser utilizados em tratamentos experimentais contra o câncer.
Estas minúsculas estruturas “são capazes de confinar elétrons em regiões de tamanhos minúsculos, milhares de vezes menores que a espessura de um fio de cabelo humano”, explica David Sánchez, investigador do Instituto de Física Interdisciplinar e Sistemas Complexos (IFISC-CSIC-UIB), com sede em Palma de Maiorca, na Espanha.
Na natureza, os elétrons estão confinados dentro dos átomos, mas manipulá-los é difícil e caro.
“Graças aos pontos quânticos, os elétrons podem ser aprisionados para que seu estudo seja muito mais fácil. Por isso, os pontos quânticos são chamados de ‘átomos artificiais'”, diz Sánchez, citado pelo Science Media Center Spain (SMC).
Como foram descobertos
Os físicos sabiam há muito tempo que, em teoria, as nanopartículas poderiam ter efeitos quânticos dependentes do tamanho, mas era quase impossível esculpir partículas tão pequenas, por isso poucos pensavam que este conhecimento pudesse ter aplicações práticas.
Em 1937, o físico Herbert Fröhlich já havia previsto que as nanopartículas não se comportariam como outras partículas.
Dessa forma, ele explorou as consequências teóricas da famosa Equação de Schrödinger, que indica que quando as partículas se tornam extremamente pequenas, há menos espaço para os elétrons do material, então eles se comprimem.
Frölich concluiu que o resultado disso seria uma mudança drástica nas propriedades do material.
Isso é conhecido como “efeito quântico”.
Colocar isso em prática, porém, não foi fácil porque, para demonstrar os efeitos quânticos, foi necessário criar uma estrutura um milhão de vezes menor que a cabeça de um alfinete.
“Durante muito tempo ninguém acreditou que partículas tão pequenas pudessem ser criadas”, mas os vencedores deste ano fizeram exatamente isso, afirmou a Real Academia Sueca de Ciências ao anunciar o prêmio.
O físico soviético Alexei I. Ekimov foi o primeiro a observar pontos quânticos em cristais, em 1981.
Ele trabalhou com vidro tingido com cloreto de cobre e submetido a diferentes temperaturas, que produziam minúsculos cristais em seu interior.
Ekimov percebeu que a absorção de luz do cristal era afetada pelo tamanho dos nanocristais que se formavam.
Os maiores absorveram luz da mesma forma que o cloreto de cobre normalmente faz. No entanto, quanto menores eram as partículas, mais azul era a luz absorvida.
O físico, que trabalha na empresa americana Nanocrystals Technology, soube então que estava observando um efeito quântico dependente do tamanho.
Anos mais tarde, o químico americano Louis E. Brus, da Universidade de Columbia, conseguiu provar que esses efeitos quânticos dependentes do tamanho também eram observados em partículas que flutuam livremente num líquido.
Brus estava trabalhando com nanopartículas de sulfeto de cádmio quando observou que as partículas maiores absorviam luz no mesmo comprimento de onda que o sulfeto de cádmio normalmente faz, mas que quanto menores essas partículas eram, mais a absorção mudava para o azul.
Para compreender a magnitude destas descobertas, a Academia Sueca de Ciências sugere imaginar que a tabela periódica ganhou subitamente uma terceira dimensão.
“As propriedades de um elemento não são afetadas apenas pelo número de camadas eletrônicas e por quantos elétrons estão na camada mais externa, mas, no nível nano, o tamanho também é importante. Um químico que quisesse desenvolver um novo material teria então outro fator com que brincar, o que naturalmente estimulou a imaginação dos pesquisadores!”, escreveu a instituição em comunicado sobre a premiação.
O trabalho de Ekimov e Brus foi concluído em 1993 pelo químico francês Moungi Bawendi.
Até então, os métodos utilizados para fabricar as nanopartículas produziam resultados de qualidade imprevisível. Mas naquele ano, a equipe de Bawendi no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) conseguiu injetar as diferentes substâncias que formariam os nanocristais em um solvente de aquecimento.
Quando o solvente ficou saturado, os minúsculos cristais começaram a se formar simultaneamente.
A equipe conseguiu criar nanocristais de tamanho específico variando a temperatura da solução, conseguindo cristais “quase perfeitos”, conforme destaca a Academia Sueca.
Várias aplicações
Desta forma, os pontos quânticos têm uma infinidade de aplicações práticas, tanto no presente quanto no futuro.
“Os pesquisadores acreditam que no futuro poderão contribuir para a eletrônica flexível, (para criar) sensores minúsculos, células solares mais finas e comunicação quântica encriptada, por isso apenas começamos a explorar o potencial destas partículas minúsculas”, afirmou a Real Academia Sueca.
“Os pontos quânticos proporcionam assim um grande benefício à humanidade”, acrescentou a instituição que atribui o Prêmio Nobel.
Hoje eles moldaram produtos comerciais que muitas pessoas têm em casa.
“Podem ser utilizados na preparação de painéis solares, em sistemas de iluminação e telas de televisão baseados na tecnologia QLED e, claro, na biomedicina, pois permitem obter imagens a nível intracelular que podem ser muito úteis no diagnóstico e na tratamento de doenças como o câncer”, afirma María José Ruedas Llama, professora do Departamento de Físico-Química da Faculdade de Farmácia da Universidade de Granada, citada pela SMC.
O prêmio também “reforça a ideia de que não existem aplicações tecnológicas sem investigação fundamental”, afirmou Emilio Palomares, diretor do Instituto Catalão de Investigação Química (ICiQ), citado pela mesma rede.