do Espaço Literário Marcel Proust
O eterno fascismo: bases estruturantes e antídotos
por Carlos Russo Jr.
Umberto Eco surpreende-nos ao dizer que aspectos fascistas podem ser encontrados desde a Grécia Antiga. Que no decorrer da História da humanidade, quer sob a forma imperialista ou nacional, trajando roupagem militar ou civil, o fascismo nos ronda permanentemente. Também conclama ser nosso dever, enquanto homens livres, de desmascarar o fascismo e apontar sempre o dedo em riste para cada uma de suas formas, em qualquer lugar onde apelos fascistas surjam à luz do dia. E, nesse sentido, a liberdade e liberação transformam-se em tarefas diuturnas, das quais não poderemos descurar sob a pena do avanço da barbárie.
Eco avança na análise dos diversos formatos e manifestações fascistas que, de tão antigas, criaram seus próprios arquétipos, impregnando-se nas mais diferentes estruturas sociais. Lista-nos quatorze arquétipos fascistas:
1. O culto da tradição como uma das bases do fascismo: O tradicionalismo, ainda mais velho que o fascismo, possui como paradigma que todas as mensagens originais contêm pelo menos um germe de sabedoria, um quê de alguma “verdade” dita primitiva. Com isso ele visa claramente estabelecer uma impossibilidade para avanços no saber! A verdade já foi anunciada de uma vez por todas e somente nos restaria continuar a interpretar sua obscura mensagem.
De todo modo, ao cultuar a tradição o fascismo o realiza de uma maneira sincrética. Apanha conceitos de doutrinas e ideologias diferentes, municiando-se da artificialidade dessa reunião de doutrinas mesmo que teoricamente incongruentes entre si. Logo, é inerente ao fascismo tolerar contradições que são intrínsecas a cada momento histórico em que ele se apresenta.
2. O tradicionalismo como recusa da modernidade: Se por um lado os fascistas adoram a tecnologia, por outro, o seu elogio da modernidade não passa de coisificação, dado que são adoradores de máquinas, não de ideias. No século XX, a recusa do modernismo camuflou-se com a condenação do modo de vida capitalista (Mussolini, na Itália). Acontece que esta condenação era tão somente uma roupagem, urdida em conjunto com os grandes capitalistas, já que se tratava de afastar o “fantasma” do comunismo.
O fascista do século XXI opõe-se até mesmo ao iluminismo e à idade da razão, vistos como pontos de partida para a “depravação” moderna. Por este caminho, o arquétipo fascista esteia-se no irracionalismo.
3. Culto da ação pela ação: Trata-se de um fruto necessário do irracionalismo. A ação torna-se bela em si e deve ser realizada sem qualquer reflexão. O fascismo de ontem, de hoje e de sempre odeia “a cultura”, dado ser ela em si uma atitude de crítica. A suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi e será um sintoma do fascismo.
4. O banimento da crítica: Na medida em que o espírito crítico opera distinções e distinguir é sinal da modernidade, para o fascismo a crítica é sempre lida como desacordo ou traição, não importa o partido político em que o viés fascista se manifeste.
5. A diversidade: Quando o fascismo cresce, ele busca o consenso desfrutando, exacerbando o natural medo da diferença. Logo, é essência do mesmo a xenofobia, a piores demonstrações de racismo, a fobia pelos excluídos sociais.
6. O eterno fascismo provém da frustração individual ou social. Característica dos fascismos na história tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por crises econômicas, pela humilhação política, pela falta de representatividade de seus agentes (os políticos), assustadas pela pressão de grupos sociais inferiores. E essa ampla classe média consisti e consistirá na maioria do auditório fascista.
7. Para aqueles que se sentem privados de qualquer identidade social, o fascismo lhes diz que seu único privilégio é o mais comum de todos: terem nascido em um mesmo País. Esta é precisamente a origem do “nacionalismo”. O fascismo carrega o viés de que os únicos agentes que podem conferir autenticidade ao “nacional” serão os inimigos da nacionalidade, sejam eles internos ou externos. Daí a obsessão pelo complô, pelo golpe, pelas invasões de outros países, pelas guerras.
Para levar os “nacionalistas” aos extremos, os defensores do fascismo precisam se sentir sitiados e o modo mais rasteiro e facilmente sentido são novamente, a xenofobia e o racismo.
8. Se os adeptos do fascismo sentirem-se humilhados pela riqueza ostensiva ou pela força do inimigo, a doutrina do “faccio” leva-o a supor que pode vencê-lo. É por isso que, os regimes fascistas se fortalecem com a visão de que os inimigos, quer os internos, quer os externos, sejam ao mesmo tempo, fortes e fracos demais.
9. Para o eterno fascismo não há luta pela vida, mas, sim, vida pela luta. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo, a vida uma guerra permanente.
10. O elitismo é típico de qualquer ideologia reacionária. No curso da história, todo elitismo aristocrático ou militarista implicou em desprezo pelos fracos. O fascismo prega um “elitismo tipo popular”. Logo, todos os cidadãos pertencem ao melhor dos povos, os membros dos partidos, são os melhores cidadãos. E todo cidadão deve pertencer ao partido do líder.
Embora o líder fascista saiba que seu poder não foi obtido por delegação mas conquistado pela pressão, por fraude e pela força, ele sabe igualmente que sua força se baseia na debilidade das massas populares, tão fracas que têm necessidade e merecem um dominador.
Por isso, ao se organizar o fascismo cria estruturas em que um líder despreza seus subordinados, do mesmo modo em que cada subordinado é desprezado pelo chefe. Isto reforça o “elitismo de massa.”
11. Cada membro de uma organização fascista é educado para tornar-se um “mito”, um “herói”, um ser exemplar. No fascismo de sempre, o heroísmo é norma, na justa medida em que este culto se liga a outro: o da morte! O fascista espera, impacientemente, sua própria morte e enquanto esta não chega ele assassina e estimula o assassinato “banal” de outros mortais.
12. Como tanto a guerra permanente quanto o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o fascista deriva a sua vontade de poder para jogos sexuais. Aí estão as origem do machismo, da intolerância para com os homossexuais, a base de uma “cultura” de estupro e instrumentalização dos seres imediatamente inferiores ao macho: a mulher.
13. O populismo qualitativo: No populismo qualitativo, os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos e o “povo” é concebido como uma entidade de personalidade monolítica, que somente expressa uma vontade comum a qual tem em seu líder o único intérprete.
E os cidadãos, tendo perdido o poder de delegar não agem mais, sendo chamados exclusivamente para assumirem o papel de “povo de massa”. O populismo qualitativo hoje é disseminado pela mídia e pelas redes sociais, locais onde a resposta e a participação de um grupo selecionado de manipuladores podem ser apresentadas e aceitas como “a voz do povo”.
O fascismo, em virtude de seu “populismo qualitativo” opõe-se aos “pútridos partidos parlamentares”. Por isso, cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade democrática, pode-se sentir nele o cheiro do fascismo.
14. A utilização de uma linguagem empobrecida: O fascismo fala sempre uma nova língua, língua onde o léxico é pobre, a sintaxe elementar, tudo é simplificado e “popular”, um excelente instrumento voltado a limitar o surgimento de qualquer tipo de raciocínio complexo ou crítico.
Antídotos antifascistas:
Listar alguns antídotos contra o eterno fascismo não é difícil. Torná-los prática política, educacional, constitutiva de uma sociedade, estas são as questões cruciais.
Um desses contravenenos, talvez o mais importante, seria o pensamento crítico, a reflexão sobre o próprio pensar, a formatação de um pensamento modesto e, finalmente, a popularização do pensar filosófico, por si só questionador.
Buscar a razão sempre, dado que o problema da irreflexão é que aqueles que se conduzem por códigos e regras são os primeiros a aderir e a obedecer, o caso da maior parte de forças militares, paramilitares e policiais. Aquele que não pensa por si mesmo possui um eu que não fundou raízes, é um ninguém. São seres humanos que se recusam a serem pessoas.
No entender de Jaspers, ser ninguém é pior que ser mau; esse ser ninguém se revela inadequado para o relacionamento com os outros, porque os bons e os maus são, no mínimo, pessoas. É isto que faz da banalidade do mal, do fascismo, o pior dos males: espalha-se rapidamente sem necessidade de qualquer ideologia, ou apesar de qualquer que seja o viés ideológico.
Finalmente, resta-nos A REVOLTA. Voltaremos a ela na próxima postagem.