Opinião: O maior inimigo do Líbano é seu governo

Elite governante corrupta nunca esteve interessada no país, mas apenas no próprio lucro. Investigação internacional deve esclarecer quem são os responsáveis pela explosão em Beirute, afirma a jornalista Diana Hodali.

    
Libanon | Gewaltige Explosion in Beirut (AFP via Getty Images)

O Líbano já passou por muita coisa: guerra, crises, catástrofes. Mas o que aconteceu na terça-feira (04/08) no porto de Beirute supera tudo o que os libaneses poderiam imaginar. A explosão deixou boa parte da cidade em ruínas, desalojou 300 mil pessoas e tirou delas a esperança de um país melhor. Uma esperança que era compartilhada sobretudo pelos jovens.

Apesar de tudo o que país já vivera até então, ninguém podia imaginar até que ponto a incompetência do governo libanês pode ser fatal e até onde vai o fracasso do Estado.

Desde então prosseguem as buscas por desaparecidos, muitas pessoas reviram elas mesmas os escombros nas suas ruas – tudo na ausência de um Estado que não merece esse nome. Nenhum pedido de desculpas por parte da elite política corrupta, ninguém renunciou até agora. Em vez disso, eles elogiam a resistência dos libaneses.

Pelo jeito ninguém se sente responsável pelo armazenamento, durante seis anos, do altamente explosivo nitrato de amônio no porto de Beirute, e isso em galpões deteriorados, próximos da população, no meio da cidade. Em vez disso, prenderam alguns funcionários do porto.

Como é comum nessa cidade do Mar Mediterrâneo, quando alguma coisa dá errado, ninguém é culpado.

Mas, por mais voltas que se dê, o fato é que essa explosão violenta é resultado da corrupção mesquinha de sucessivos governos libaneses. Ao longo de anos, políticos de todas as bancadas saquearam o país e o levaram à ruína.

Mesmo políticos adversários apoiaram uns aos outros nesse sistema corrupto com o propósito de enriquecer. Quando se tratava do próprio bem-estar, eles sempre estavam de acordo.

Essa catástrofe é o exemplo mais recente e mais terrível de que um governo depois do outro simplesmente ignorou sua tarefa mais básica de cuidar das necessidades e do bem-estar da população.

Há anos que falta luz por horas todos os dias – por quê? Porque a assim chamada máfia dos geradores – empresários ricos que ou estão eles mesmos na política ou têm ligações próximas com políticos – lucram quando a população repentinamente precisa comprar mais energia elétrica.

Ou as montanhas de lixo: há anos que se acumulam enormes lixões nas proximidades do aeroporto, nas praias há plástico por todos os lados, resíduos químicos não são corretamente tratados e oferecem riscos para a população. A isso soma-se o comércio, já há décadas, com lixo importado ilegalmente e que não é corretamente eliminado.

Quando, em outubro de 2019, os piores incêndios florestais em décadas se alastraram, o governo não tinha nenhum avião disponível para apagar as chamas: esqueceram de fazer a manutenção e de reabastecê-los. Dizer o que disso?

A crise econômica, a depreciação da moeda? Todos esses problemas foram criados domesticamente. Pois, no fim das contas, a elite governante nunca esteve interessada no país, mas apenas no próprio lucro às custas da população. E nunca um único deles teve que temer consequências.

Além de uma guerra civil, muitos libaneses tiveram que vivenciar, por anos, uma ocupação síria, duas guerras com Israel, várias crises econômicas, um enorme desemprego e atentados políticos. Desde outubro que manifestantes exigem a renúncia da classe política corrupta. “Todos, mas realmente todos” devem renunciar, exigem.

Em várias regiões do país, quem continua no poder são os mesmos senhores da guerra que conduziram a guerra civil, ao final selaram a paz, desde então enriquecem e insuflam os conflitos entre as confissões religiosas.

O trauma dos libaneses é profundo. “Se não são os nossos corpos que morreram, então são os nossos corações”, escrevem muitos deles nas redes sociais. Quantas vezes um povo pode reconstruir seu país?

Enquanto o problema não for atacado na raiz, enquanto os mesmo senhores da guerra continuarem nos cargos, o risco de que o Líbano venha a passar de novo por uma situação tão ruim vai continuar.

Com certeza ainda não se sabe tudo sobre a catástrofe de terça-feira passada. Mas uma coisa deveria estar clara: aqueles que permitiram que uma quantidade enorme de material altamente explosivo ficasse durante anos armazenada no porto não podem agora ser os que vão esclarecer como isso se deu.

Isso deve ser o trabalho de uma investigação internacional, que deve expor toda a cadeia de responsabilidades. Este é o momento em que a impunidade deve finalmente acabar no Líbano. Este é o momento da justiça.

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