Os dois Duque de Caxias

Os dois Duque de Caxias

Antonio Carlos Prado

A história tem lá as suas ironias. Uma delas, a marcar a nossa ziguezagueante trajetória republicana, é o fato de o patrono do Exército nacional ter sido escolhido em 1962 com o apoio das três Armas e aplausos do então presidente João Goulart – justamente o governante que os militares iriam golpear dois anos depois por considerá-lo um empedernido comunista. E quando Goulart caiu, Caxias balançou…

Está-se falando de Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias. E por qual razão fala-se dele? Simples: é a figura histórica que o presidente eleito Jair Bolsonaro mais respeita, e nem poderia ser diferente, sendo também ele um militar. É o ídolo de Bolsonaro, e isso ficou claro em seu pronunciamento da vitória: “Não sou Caxias, mas sigo o exemplo desse grande herói brasileiro”. A rigor, todos nós aprendemos, desde cedo, que Duque de Caxias foi o “grande herói” no comando das tropas brasileiras, argentinas e uruguaias na Guerra do Paraguai (1864-1870) – imortalizado no quadro “Batalha do Avaí”, sessenta metros quadrados de tela pintada em Florença por Pedro Américo. Também a Caxias se atribui a frase “sigam-me os que forem brasileiros”, que teria sido proferida na quase suicida batalha sobre o rio Itororó.

Voltemos à ironia da história, porque lá veio ela, novamente cambaia, quando os militares deram o golpe de 1964. Com João Goulart na Presidência da República, a esquerda, que o apoiava, gostava de Caxias (por extensão e adesão), já que o presidente também o admirava. Deposto Goulart, intelectuais de esquerda, agora ideologicamente perseguidos, mudaram de opinão e passaram a ver em Caxias um genocida: alguém que, diante de adversários famélicos, esfarrapados e sem munição, ordenou no final da guerra o massacre de todos eles.

“Nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio”, dizia Heráclito em sua dialética, a mostrar que as águas correm, a mostrar que a vida corre, a mostrar que um fato pode inspirar diferentes visões, em diversas épocas – tudo depende do ângulo de quem olha. Cristovão Colombo não poupou indígenas ao chegar à América, e assim também agiram alguns jesuítas quando estiveram por aqui. Mas essa era a cultura daqueles tempos, a cultura própria do colonizador, e olhar o passado, com lentes ideológicas da esquerda dos dias de hoje, não é a melhor forma de fazer da história uma ciência, como de fato (weberianamente) ela deve ser. Quanto a Caxias, dele o povo gosta. E prova disso é que transformou o seu título nobiliárquico em sinônimo informal de rigoroso cumprimento de deveres.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *