Os últimos dias de Jimi Hendrix, 50 anos após a sua ainda misteriosa morte

Aquele que é considerado o maior guitarrista do rock faleceu em 18 de setembro de 1970, num quarto de hotel, sob circunstâncias confusas. A reconstrução dos fatos indica que ainda restam pontas soltas

Jimi Hendrix posa na cama de um quarto do hotel Drake, em Nova York, em 1968.
Jimi Hendrix posa na cama de um quarto do hotel Drake, em Nova York, em 1968.ROZ KELLY / GETTY IMAGES

CARLOS MARCOS

No ultimo show que fez na vida, Jimi Hendrix foi vaiado. Aconteceu em 6 de setembro de 1970, 12 dias antes de sua morte, em um festival chamado Peace and Love, na ilha de Fehmarn, na Alemanha. O evento estava cheio de membros da mais violenta gangue de motociclistas, os Hells’ Angels. Choveu muito, e o público fez fogueiras para combater o frio. O fato é que ninguém ali tinha muito ânimo para defender o lema do festival: paz e amor. À hora prevista para Hendrix subir ao palco, um vendaval o impediu. O show não pôde acontecer. Os Hells’ Angels não levaram na esportiva. Ouviram-se alguns tiros. A apresentação foi remarcada para o dia seguinte, às 12h. Quando Hendrix pisou no palco, começaram as vaias: pessoas trêmulas de frio, irritadas com o atraso, motoqueiros com vontade de continuar suas manifestações. “Vai pra casa”, ouviu-se. O músico se aproximou do microfone: “Paz, de todos os modos, paz”. As vozes de desaprovação continuaram. “Se forem vaiar, pelo menos que seja afinado”, disparou com ironia o guitarrista, que então iniciou uma furiosa versão de Killing Floor, tema do blueseiro Howlin’ Wolf.

Os protestos diminuíram, dando lugar a um dilúvio. Hendrix levava pequenos choques quando se aproximava do microfone. Tudo era desagradável e violento. Acabou o show com uma boa interpretação de Voodoo Child. Quando foi embora, os motoqueiros subiram no palco e botaram para quebrar. “Não foi feliz na etapa final da sua vida”, conta por telefone, de Londres, o escritor Harry Shapiro, certamente a pessoa que mais longe chegou na investigação sobre a morte do mito, refletida no livro Jimi Hendrix: Electric Gypsy. “Todo mundo queria um pedaço de Jimi Hendrix: gravadoras, empresários, groupies, imprensa… Estava sempre na primeira linha. E isso é extremamente nocivo para qualquer um, ainda mais se for uma pessoa tão criativa como ele. As pessoas não queriam escutar novas canções. Queriam sempre as mesmas, que ele tocasse com os dentes, que quebrasse a guitarra… Jimi estava cansado e muito frustrado de tudo isso”, afirma Shapiro.

Em um ano e meio (de maio de 1967 a outubro de 1968), Jimi Hendrix editou seus únicos três discos de estúdio (Are You ExperiencedAxis: Bold as Love e Electric Ladyland, este último um álbum duplo). Foram trabalhos que mudaram o rock para sempre. Diz Shapiro: “Ele está no mais alto da história do rock. A guitarra elétrica e o blues nunca mais foram os mesmos depois de Hendrix. Ele mudou tudo o que os brancos sabiam da guitarra. Até a chegada dele, a eletricidade só servia para fazer a guitarra tocar mais alto. Com ele a eletricidade passou a ser parte da música”. Charles R. Cross, outro estudioso da vida do músico, autor de Jimi Hendrix – A Biografia, acrescenta, de Seattle: “Dá-se toda a importância à sua faceta como guitarrista, mas era muito mais: cantor, compositor, líder de banda… Sua música tinha profundidade e vida além dos sucessos radiofônicos”.

Jimi Hendrix, Eric Burdon e Noel Redding no camarim do Olympia em Paris em 1968.
Jimi Hendrix, Eric Burdon e Noel Redding no camarim do Olympia em Paris em 1968.JAMES ANDANSON / SYGMA VIA GETTY IMAGES

Durante os últimos 50 anos, foram cogitadas até quatro versões sobre a causa da morte prematura, aos 27 anos, daquele que para a maioria dos especialistas é o melhor guitarrista de rock da história: o suicídio por causa de uma vida infeliz; assassinado por seu empresário, o viscoso Michael Jeffery, para que recebesse o seguro e acuado por dívidas com a máfia; instigada pela CIA, em uma época de revoltas raciais (Hendrix era um negro adorado pelos brancos); e, a oficial, asfixiado por seu vômito, após misturar soníferos com álcool.

Hendrix morreu num quarto subterrâneo de um nada glamouroso hotel londrino, o Samarkand. A mulher que estava com ele se chamava Monika Dannemann, uma alemã de família rica, patinadora aposentada por causa de uma lesão. Eles haviam se conhecido no ano anterior e se visto apenas meia dúzia de vezes. Dannemann foi vê-lo em Londres e ficaram no hotel dela.

Segundo o depoimento da patinadora, em 17 de setembro passaram o dia juntos, ouvindo música e lendo. À noite, Hendrix lhe pediu que o levasse a um endereço. Ela perguntou com quem se encontraria, mas o músico não disse. Depois, passou para apanhá-lo. Hendrix disse que estava cansado e que precisava dormir, e perguntou se ela tinha algum comprimido. Ela lhe deu alguns de um tipo muito potente (Vesparax) e o advertiu para tomar só metade. Adormeceram. Dannemann se levantou às 10h20 do dia 18, viu que ele dormia e saiu par comprar cigarros. Voltou meia hora depois.

O músico continuava aparentemente adormecido, como o tinha deixado, mas com uma diferença: havia um fio de vômito saindo de sua boca. “Vi a pulsação e parecia normal. Mas fiquei nervosa, porque vi a cartela de comprimidos e faltavam nove. Liguei para o Eric Burdon [amigo de Hendrix] e me disse que me tranquilizasse, que esperasse, e que se não melhorasse que chamasse o médico. Mas acabei discutindo com ele e chamei a ambulância”, declarou. Uma equipe de médicos tentou reanimar o artista, sem sucesso. Causa oficial: asfixia provocado por seu próprio vômito depois de uma intoxicação por comprimidos e álcool.

Entre dezenas de pessoas que Shapiro entrevistou para reconstruir os fatos em seu livro Electric Gipsy, uma delas foi Monika Dannemann. “Contou-me basicamente a versão oficial, que ela assumiu dias depois da morte. O problema é que cada vez que falava com os jornalistas mudava alguns detalhes, mínimos, mas que eram importantes”. Telefonou com suficiente rapidez para a ambulância? Ficou nervosa e não foi capaz de fazer a ligação até que já era tarde demais? Entrou em contato com um amigo para recolher todas as drogas que havia no quarto, evitando que a polícia as encontrasse? Esses minutos teriam sido vitais para poder salvar a vida do músico?

Hendrix se apresenta em Hamburgo, Alemanha, em 1967.
Hendrix se apresenta em Hamburgo, Alemanha, em 1967.ULLSTEIN BILD / ULLSTEIN BILD VIA GETTY IMAGES

“É difícil acreditar no testemunho de Dannemann porque ele contém algumas fantasias. Ela se apresentava como o grande amor da vida de Hendrix, e está claro que não é verdade. O relacionamento deles foi curto. Sim, é possível que tenha sido negligente e demorado muito para chamar a ambulância”, aponta Charles R. Cross. E acrescenta: “Se você mistura drogas, álcool e soníferos, o resultado é letal. Jimi já tinha combinado os três em várias ocasiões. Não acredito que fosse um suicida nem um personagem depressivo, mas sim imprudente. O que aconteceu é que a fama, o dinheiro e o sucesso não lhe proporcionaram o que ele imaginava. As drogas, especialmente sua experimentação com a heroína, não ajudaram. Mas inclusive no âmbito das drogas, Jimi nunca deixou que nada se tornasse mais importante que a música. Minha conclusão é que a morte foi uma overdose acidental que aconteceu, provavelmente, porque ele desconhecia a potência dos soníferos de fabricação alemã”.

Shapiro fez uma longa entrevista em 2010 com James Tappy Wright, um rosto conhecido na cena roqueira dos anos sessenta. Wright foi roadie (técnico e pessoal de apoio nas turnês) para estrelas como Elvis Presley, The Animals, Tina Turner… e Jimi Hendrix. Ele contou a Shapiro que o empresário de Hendrix, Michael Jeffery, tinha lhe confessado que provocara a morte do guitarrista. A razão: estava sob intensa pressão da máfia para que lhe devolvesse um dinheiro emprestado, e sabia que poderia receber parte da apólice do seguro que o músico assinara com a Warner.

A relação entre artista e representante estava apodrecida em 1970. As dívidas não cessavam. O orçamento para a construção do estúdio do músico em Nova York, o Electric Lady, disparou; um contrato assinado no começo da carreira do músico os sangrava economicamente, e o excessivo ritmo de vida que os dois levavam exigia ganhos opulentos e contínuos. A única maneira de fazer frente àquele mar de dólares era que Hendrix saísse em turnê de forma quase constante, sem descanso. Mas o músico queria parar com aquela frenética vida na estrada, trancar-se no estúdio recém-estreado e experimentar. Tinha uma colaboração pendente com Miles Davis. As últimas entrevistas que concedeu não eram tranquilizadoras sobre seu estado mental. “Agora vejo milagres todos os dias. Costumava notá-los uma ou duas vezes por semana, mas alguns são tão radicais que se os tivesse contado a uma pessoa, a esta altura já teriam me trancafiado”, disse à Melody Maker dias antes de morrer.

Eric Burdon é outro dos personagens centrais dos últimos dias de Hendrix. Embora aquele show de 6 de setembro em Fehmarn, na Alemanha, tenha sido o último de Hendrix, houve uma última presença do músico sobre um palco. Burdon estava tocando no londrino Ronnie Scott’s Jazz Club, apresentando seu projeto de funk psicodélico War, depois de deixar o The Animals. O britânico convidou Hendrix para tocar, e este se apresentou em 15 de setembro “tão chapado” (conforme recordou Burdon depois) que não conseguiu subir ao palco. Mas o fez no dia seguinte, em 16 de setembro, 48 horas antes de falecer. Participou de três canções, basicamente tocando guitarra.

O músico com Kathy Etchingham, em Londres, em janeiro de 1969.
O músico com Kathy Etchingham, em Londres, em janeiro de 1969.MIRRORPIX / GETTY IMAGES

Burdon é a pessoa a quem Dannemann telefona ao suspeitar, na manhã de 18 de setembro, que havia algo de errado com Hendrix. Burdon, hoje com 79 anos, deu várias versões do que aconteceu naquela noite. A mais surpreendente foi a que ofereceu dois dias depois da morte do músico. Deu uma entrevista afirmando que tinha sido um suicídio e inclusive que existia um bilhete. Phillip Norman, autor de livros sobre rock, tentou entrar em contato com Burdon para seu recente Wild Thing: The Short, Spellbinding Life of Jimi Hendrix, mas o vocalista britânico se recusou, alegando que em breve contaria sua versão.

Monika Dannemann posa com quadro de Jimi Hendrix em 1995, um ano antes de morrir.
Monika Dannemann posa com quadro de Jimi Hendrix em 1995, um ano antes de morrer.JOHN VAN HASSELT – CORBIS / SYGMA VIA GETTY IMAGES

Uns 20 álbuns de Hendrix foram lançados desde aquele fatídico 18 de setembro de 1970. Nem depois de morto ele teve descanso. Kathy Etchingham, a namorada mais oficial que o músico teve na vida, decidiu investigar o caso no começo da década de noventa, e seu trabalho com um detetive levou a polícia a reabrir o caso. A conclusão do detetive foi que a atitude de Dannemann foi negligente. A polícia, entretanto, voltou a encerrar a investigação sem tomar medidas.

“Acredito que ela lhe deu os comprimidos, ele vomitou e morreu, e ela entrou em pânico”, conta Etchingham a Mick Wall no livro Two Riders Were Approaching: The Life & Death of Jimi Hendrix. Dannemann, a quem o tempo parou naquele dia de 1970, viveu mais 25 anos recordando sua relação com Hendrix e insultando Etchingham por questionar sua versão daquela noite. Etchingham a levou a julgamento para que deixasse de dizer nas entrevistas que era uma mentirosa. Em 1996, um juiz condenou economicamente Dannemann por difamação e por continuar acusando Etchingham de calúnia. Dois dias depois da condenação, Dannemann se fechou na garagem da sua casa, ligou sua Mercedes e inalou monóxido de carbono até morrer. Tinha 50 anos. Cerca de 70 pessoas foram ao seu funeral. A grande maioria, fãs de Jimi Hendrix.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *