Prefeito de Guarulhos afastou ouvidor que investigava denúncia de estupro que envolvia seu pai

Antonio Manuel Costa, pai de Guti (PSD), é acusado de ter sedado e estuprado uma empregada doméstica, que engravidou e teve uma filha que alega ser fruto do abuso sexual; ouvidor que recebeu a denúncia teria sido afastado após levar o caso ao prefeito

Por Ivan Longo
email sharing button

 

O ex-delegado da Polícia Federal, Antonio Manuel Costa, pai do prefeito de Guarulhos e candidato à reeleição, Guti (PSD), vem sendo acusado de estupro. A vítima, que preferiu não ser identificada por conta das ameaças que diz receber, registrou boletim de ocorrência contra o pai do prefeito no último dia 11 de novembro.

Segundo a ocorrência, registrada na 1ª Delegacia de Defesa da Mulher de Guarulhos, a vítima é uma empregada doméstica que foi contratada para trabalhar na casa de Costa em setembro do ano passado. O estupro teria acontecido naquele mês e, pouco tempo depois, a vítima descobriu que estava grávida. Ela desconfia que a filha, hoje com 4 meses, seja fruto do abuso sexual.

A mulher relata que vem sendo ameaçada pela família de Costa desde então e que por isso decidiu, à época, procurar a ouvidoria da Prefeitura de Guarulhos, para que o próprio prefeito, filho do suposto abusador, a auxiliasse com o caso. O ouvidor que recebeu a denúncia teria alegado à vítima que foi afastado do cargo após repassar o caso a Guti, e que tanto ele quanto ela corriam risco de vida e que, portanto, não poderia mais ajudá-la.
Após essa tentativa de denunciar o caso na prefeitura, a empregada doméstica recorreu à polícia.

O suposto estupro

A contratação da vítima teria sido feita por Denise Matias, esposa do ex-delegado, e a mulher teria imputado à empregada doméstica a tarefa de limpar a casa e cozinhar, além de medicar Costa que, segundo a esposa, seria debilitado e, por conta das medicações, teria dificuldades de locomoção. A vítima, no entanto, teria se recusado a exercer esta última tarefa por não se julgar apta.

Indicada para o novo trabalho por uma vizinha que também trabalhava na casa da família, identificada como Hilda, a vítima passou os primeiros dias do novo trabalho “aprendendo” as tarefas com a colega, que depois foi trabalhar em outra casa do casal.

À polícia, a mulher informou que, quando a vizinha deixou de trabalhar na casa, passava a maior parte do tempo somente com Costa, já que a esposa trabalhava fora. Com o passar dos dias, o ex-delegado, segundo a vítima, passou a apresentar comportamento estranho, como desligar a internet da casa e manusear munição de armas de fogo na sala. Além disso, Costa teria, por mais de uma vez, perguntado se a mulher precisava de dinheiro – ela conta que, em um desses episódios, chegou a jogar notas de dinheiro para ela.

Foi então que, no dia 23 de setembro de 2019, Costa teria aparecido nu na cozinha, somente com uma toalha pendurada e segurando outra toalha na mão.

“Depois dessa nova tentativa de dar dinheiro para declarante, Antônio Costa saiu da cozinha. Momentos depois Antônio Costa voltou para a cozinha, por volta das 14h, talvez um pouco mais, mas dessa vez estava nu, enrolado em uma toalha de banho, com uma outra toalha em uma de suas mãos. Que demorou para perceber o retorno de Antônio Costa pois estava abaixada colocando frutas na geladeira. Que quando virou para trás viu Antônio Costa apenas de tolha e com outra toalha enrolada em umas das mãos. Que Antônio Costa já estava em cima da declarante com a toalha que estava em sua mão, na direção de seu rosto, tampando sua boca. Que chegou a tentar empurrar Antônio Costa para tirá-lo de cima várias vezes. Mas que foi perdendo a consciência”, diz um trecho do boletim de ocorrência.

A trabalhadora doméstica conta que acordou horas depois com a calça que vestia enrolada na região de sua cintura e que sua calcinha também estava enrolada. Ela saiu imediatamente do local, temendo ver Antonio novamente.

Já em casa, atordoada com o que tinha acontecido, a vítima relata que percebeu a presença de sêmen em suas partes íntimas quando foi tomar banho. Denise, a esposa do ex-delegado, teria entrado em contato pouco tempo depois para questionar o porquê a mulher havia deixado a casa sem arrumá-la e a doméstica, então, resolveu contar sobre o abuso, ao que a esposa de Costa teria a chamado de “louca”.

À época, a mulher teria decidido procurar a polícia, mas foi desaconselhada pela colega que a havia indicado, Hilda, já que a família seria “poderosa” na cidade. À Fórum, a vítima informou que passou a receber ameaças de Denise e da família de Costa através de Hilda, e que a esposa do ex-delegado teria, inclusive, mandado perguntar à vítima se ela gostava do próprio irmão.

“Desse momento em diante passou a receber mensagens através de Hilda principalmente, vindas da família Costa. Que Hilda chegou a lhe dizer que se a declarante abrisse a boca era ‘caixão e vela preta’. Que Denise tinha puxado o nome de todos os familiares da declarante e chegou a perguntar se a declarante gostava do próprio irmão”, diz outro trecho da ocorrência registrada na polícia.

Mais ameaças com a gravidez

Pouco tempo após o suposto estupro, em meio às ameaças que vinha recebendo e que eram repassadas através de sua colega Hilda, a vítima constatou que estava grávida e afirma que já sabia que aquilo era fruto do abuso sexual que teria sofrido. A certeza, segundo ela, veio quando a filha nasceu, já que a menina, hoje com 4 meses, é branca e de olhos claros, enquanto seu marido é negro.

“Ao olhar para a criança percebi que não tinha os traços do meu esposo, meu esposo é negro. E minha filha é branca, tem os olhos bem claros. E quando eu trabalhei lá [na casa de Costa] nós [ela e o marido] não estávamos tendo relação sexual. Então, eu tinha certeza, mas não tinha certeza absoluta. A criança nasceu no tempo exato da data do ocorrido”, relatou a vítima à Fórum.

Enquanto ainda estava grávida, a vítima contou à reportagem que dois episódios ocorridos com uma outra filha sua, de 17 anos, a fizeram perceber que ela e seus familiares corriam risco de vida.

Em um deles, no início deste ano, a filha da doméstica teria sido assaltada em uma situação estranha, em que os bandidos roubaram seu celular e a agrediram. O celular que a filha usava e que foi roubado, no entanto, seria da mãe, e nele constariam as ligações e mensagens de Denise e Hilda que davam conta das ameaças para que ela não denunciasse Costa.

Em outro, também no início do ano, um homem e uma mulher não identificados teriam perseguido a filha da doméstica até a porta de seu apartamento, ao que a adolescente gritou por ajuda, os vizinhos teriam aparecido e a dupla fugido.

“Depois que isso aconteceu fiquei ciente que era um recado deles [da família de Costa]”, disse à reportagem.

Ouvidoria

Foi após a intensificação dessas ameaças, envolvendo supostamente sua filha adolescente, que a mulher resolveu levar o caso ao prefeito Guti, filho de Costa. O intuito dela era fazer com que o prefeito tomasse ciência do que seu pai teria feito e também que as ameaças contra ela cessassem.

Para isso, ela entrou em contato com a prefeitura através de um e-mail da Ouvidoria. Prints de mensagens anexadas ao Boletim de Ocorrência mostram que o ouvidor identificado como Miguel Jefferson se colocou à disposição para ajudá-la e que disse que levaria o caso até o prefeito. A mulher relatou à Fórum que passou meses em contato com o ouvidor até que, recentemente, ele disse que foi afastado do cargo por conta da denúncia e que ele mesmo estaria correndo risco de vida.

“Não pude mais interferir na solução da sua denúncia. Quando denunciou eu era ouvidor do município, mas perdi o cargo logo em seguida ao interferir junto ao prefeito”, diz uma das mensagens supostamente enviadas à mulher pelo ouvidor via Whatsapp. “Eu também corro risco. Até de morte”, teria dito o ouvidor em outro trecho das mensagens.

Exame e investigações

Após esses fatos, no dia 11 deste mês a vítima resolveu ir à polícia e registrou boletim de ocorrência. Após a denúncia, ela conseguiu junto à Justiça uma medida protetiva que impede Costa de se aproximar dela, já que teme pela sua vida e pela vida de seus familiares. A mulher, inclusive, mudou de cidade temendo represálias.

A Delegacia de Defesa da Mulher também já requisitou coleta de material genético para comprovar que a filha de 4 meses da doméstica é fruto do suposto abuso sexual do pai do prefeito de Guarulhos, e agora ela aguarda os trâmites legais para poder fazer os exames.

“Quero que saia esse exame para provar. Agora quero que ele [Antonio Costa] seja preso, que pague pelo que fez”, desabafou a mulher à Fórum.
Segundo a defesa da vítima, a Polícia Civil provavelmente coletará depoimento de Costa, bem como de sua esposa e de Hilda, colega que indicou a vítima para o trabalho, após os resultados dos exames.

Outro lado

Fórum tentou contato com Antonio Manuel Costa via WhatsApp para que ele desse sua versão dos fatos, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.

A reportagem também tentou contato com o prefeito Guti, via WhatsApp, questionando se ele sabia da denúncia e se, de fato, afastou o ouvidor após a acusação da doméstica contra seu pai. O mesmo questionamento foi feito por e-mail à assessoria de imprensa da prefeitura de Guarulhos. O espaço segue em aberto para essas manifestações.

Fonte: Revista Fórum

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *