Vovó curava a caxumba dos netos com barro

No sertão que vivi de secas inclementes entre a década de 70 a 80, a caxumba, infecção viral aguda e contagiosa, era conhecida como papeira. Até descobrirem a vacina, detinha poder tão contagioso quanto a Covid dos dias sombrios da atualidade. Atingia as glândulas parótidas, que produzem a saliva, ou as submandibulares e sublinguais, próximas ao ouvido.

De alta morbidade e baixa letalidade, surgia sob a forma endêmica ou surtos, comum em crianças no período escolar e em adolescentes, mas também atingia adultos em qualquer idade. De evolução benigna, requeria cuidados especiais, pois em alguns raros casos apresentavam complicações resultando em internações e até mesmo em morte.

Após a vacina de prevenção ter sido inventada e incorporada ao calendário dos postos de saúde, o número de casos reduziu drasticamente. Sua causa era viral e a transmissão ocorria por via aérea, por meio da disseminação de gotículas, ou por contato direto com saliva de pessoas infectadas.

O período de incubação até o aparecimento dos sintomas durava entre 12 a 25 dias, sendo, em média, 16 a 18 dias. Já o período de transmissibilidade da doença variava entre 6 e 7 dias antes das manifestações clínicas, até 9 dias após o surgimento dos sintomas. O vírus da caxumba era encontrado na urina até 14 dias após o início da doença.

Uma vez infectada e curada da caxumba, a pessoa passa a ter imunidade permanente contra o vírus. Essa proteção vitalícia também é garantida pela vacinação, que é a melhor e principal forma de prevenção. Seus sintomas eram o aumento das glândulas salivares, acompanhado de febre.  Dava inchaço e dor nas glândulas salivares, febre, dor de cabeça, fadiga e fraqueza, além da perda do apetite, porque doía muito para mastigar e engolir a comida. O tratamento era a base apenas de repouso e medicamentos para dor.

Para nós, no entanto essa doença comum na minha infância era curada de forma diferente por minha vó Mariinha, mãe do meu pai Gastão Cerquinha. Quase todos meus irmãos tiveram papeira, inclusive eu. Mas como falei acima, vovó era a santa milagreira. Com certeza baixava nela o espírito e a sabedoria dos índios que já habitavam regiões próximas a Afogados da Ingazeira, porque nos curava com porções de barro batido e usado na construção de casas e alpendres.

Quem lembrou desse detalhe e me contou ontem foi minha prima Gorete, filha de tio Coió, irmão do meu pai. Ela é mãe da pentatleta Yane Marques e recorda os tempos em que ficou deitada numa cama com papeira.

“Vovó pegava o barro usado nas construções e encobria nosso pescoço em toda a sua extensão. Ainda lembro da sensação horrorosa e das dificuldades para remover. Era ruim, mas curava, curou todo mundo lá de casa”, atesta Gorete. Segundo ela, vovó Mariinha gostava tanto de viajar que dizia que se morresse viajando morreria feliz.

“Ouvi muito ela dizer isso ao se despedir para mais uma viagem de passeio a São Paulo, Rio ou Recife, para curtir seus filhos que moravam distantes”, relembra minha prima, que conviveu muito com vovó numa extensão da casa de tio Coió. Como a vida parece tocada pelas incríveis predestinações, vovó acabou chamada à eternidade num acidente de carro em Cabrobó, procedente de São Paulo com o filho Vicente, o Tio Cheiroso, no volante de um fusquinha que atropelou um animal na pista. Meu tio escapou e ainda a socorreu, mas ela já chegou morta ao hospital devido ao forte trauma craniano e pela idade avançada: mais de 90 anos.

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