Bahia é estado que mais vende carros por consórcio; entenda como funciona
A Bahia lidera o ranking nacional como estado que mais teve participação nas negociações para vendas de carros por consórcio no mercado interno. O potencial de participação fechou o ano de 2021 na casa dos 55,5%.
Além dos carros leves, as motocicletas também estão em alta no segmento. No ano passado, a Bahia respondeu por 10,6% das negociações para vendas de motos, ultrapassando inclusive São Paulo, que ficou com 10,3%. Os dados são da Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios (Abac).
A consultora revendedora ConsorcioCred é uma das empresas que tiveram grande crescimento no ramo dos consórcios no último ano. De 2020 para 2021, a companhia teve aumento de 18% no número de vendas (de 142 para 172 cartas) e de 30% no faturamento (de R$ 1,1 milhão para R$ 1,5 milhão).
“Atribuímos isso aos recentes aumentos da taxa básica de juros, a Selic, o que vem tornando o consórcio mais competitivo”, aponta o assistente de marketing Paulo Modesto.
Segundo ele, o setor de vendas que mais cresceu na empresa foi justamente o de automóveis. “O outro setor que sempre compete com esse é o imobiliário. Mas, no Brasil, agora ele está com preços elevados, então isso alavanca o de automóveis”, acrescenta Modesto.
Gerente comercial da Retirauto Veículos, Eduardo Pontes trabalha com o Consórcio Chevrolet e afirma que 60% dos veículos procurados são novos e o restante (40%), seminovos. “As pessoas não conseguem mais arcar com financiamentos e começam a se planejar para optar por um consórcio. Os de motos são bem vendidos por se tratar de um meio de transporte muito utilizado e com valor de parcela bem acessível. Mas os carros também são bem procurados e, inclusive, ainda têm espaço para crescerem mais”, diz o gerente comercial.
Os dados apontam um crescimento geral do setor de consórcios tanto na Bahia quanto no Brasil, como um todo. As vendas de novas cotas no estado cresceram 8,6% de 2020 para 2021. Nas contemplações, o aumento é ainda maior: 19,6%.
Segundo a Abac, o sistema de consórcios viu sua participação na economia brasileira dobrar em 20 anos. Saltou de 1,9% do PIB, em 2002, quando os ativos administrados somavam R$ 29 bilhões, para 3,9%, em 2021, com R$ 281 bilhões.
No ano passado, o setor de consórcios, no geral, atingiu 8,4 milhões de participantes, o mais alto registrado em quase seis décadas de história, representando um crescimento de 14,6% em relação ao ano anterior. Além disso, foi alcançada a marca de R$ 202,34 bilhões de créditos comercializados.
“O aumento da demanda por consórcios é a busca por contrair um bem a um custo menor. A taxa de juros vem crescendo e para buscar um financiamento o custo fica muito alto. Por isso, o consórcio é uma alternativa”, aponta o economista e educador financeiro Edísio Freire.
A servidora pública federal Perla Ferreira, 44 anos, foi uma das consorciadas da ConsorcioCred. Ela comprou um apartamento na planta em 2007 e, para isso, primeiro fez um consórcio com uma outra empresa. “Comprei a carta de crédito, fiz uns lances e consegui a contemplação em cerca de 4 meses”, conta. Porém, em 2012, quando o apartamento seria entregue, ela resolveu trocar por um maior. Para isso, teve que optar por um financiamento, que não deu certo.
“Um dia, colocando tudo na ponta do lápis na hora de fazer o Imposto de Renda, vi que eu já tinha pago quase R$ 200 mil e meu saldo devedor tinha diminuído R$ 20 mil. Aí eu falei: ‘Preciso fazer alguma coisa’. Foi aí que pensei no consórcio novamente, dessa vez com a ConsorcioCred”, diz. Como agora Perla não queria e não tinha como esperar, comprou uma carta contemplada. “Mesmo assim, valeu mais a pena do que o financiamento. Mesmo que eu esperasse, valia. No financiamento, eu ia levar 35 anos pagando e com juros enormes. No consórcio, a cota mais longa que eu tinha era de 12 anos e só com atualização do crédito, sem juros”, acrescenta.
Mudança de perfil
O sistema de consórcios, criado através de uma lei de 2008, ganha mais espaço a cada ano. Ele chegou à marca inédita de 200 mil participantes em 2021. “Isso tem a ver com o momento econômico das pessoas, as transformações pelas quais estamos passando. Hoje, as pessoas não necessariamente planejam comprar um carro ou um apartamento, não tem mais aquilo de comprar e possuir. A maioria pensa em investir naquilo que a gente chama de experiências e serviços, coisas como uma viagem, cirurgia, intercâmbio, festa”, diz Cristina Famano, sócia-fundadora e CEO da empresa de consórcio Eutbem.
A Eutbem é uma empresa totalmente digital e voltada para mulheres. Segundo Cristina, elas representam apenas 35% das cotas ativas dos consórcios e a criação da empresa, em 2021, veio para mudar esse cenário. “A gente vê na prática que, mesmo o consórcio sendo para homens e mulheres, a gente tem quase 50% dos lares chefiados por mulheres, mas, no mundo dos consórcios, elas correspondem a menos de um terço. Por trás disso existe toda uma questão histórica, só falta dar espaço e incentivar essas mulheres”, diz a CEO.
A comerciante Rosália Castiglioni, 62, é uma das clientes da Eutbem em busca de consórcio de serviço. Ela comprou em janeiro deste ano duas cartas de crédito para reforma da casa e cirurgia plástica. O valor total é de R$ 15 mil, que serão divididos em 40 parcelas. “Já fiz consórcio de veículos, de casa; é um caminho já familiar para mim que conheci pesquisando as possibilidades. No consórcio, eu tenho mais abertura. Eu tinha comprado duas cartas, mas uma precisei congelar porque as parcelas ficaram apertadas. Em outra modalidade você não consegue isso”, comenta.
O que é e como funciona um consórcio?
Os consórcios, que surgiram na década de 1960 no Brasil, são investimentos econômicos e patrimoniais que possibilitam realizações pessoais, familiares, profissionais ou empresariais. É uma modalidade de compra colaborativa. É como se a cada parcela o consorciado participasse de uma “vaquinha” supervisionada pelo Banco Central para financiar os sonhos dos contemplados da vez, escolhidos por sorteio ou lance. E assim acontece mensalmente, até o fim do grupo e até que todos tenham a sua oportunidade de realizar.
Pode-se dizer que o consórcio é uma espécie de autofinanciamento. O consorciado (aquele que compra o consórcio) escolhe o valor do bem que deseja alcançar e a quantidade de mensalidades que deseja pagar, de acordo com as alternativas oferecidas pela administradora responsável por fazer a gestão do grupo de pessoas participantes.
Neste modelo, a contemplação pode acontecer de duas formas: por meio de sorteios onde todos do grupo têm as mesmas chances, ou por meio de uma oferta de lance, que é um valor a mais que cada consorciado pode oferecer. Após ser contemplado, o consorciado passa por uma análise de crédito e, se for aprovado, pode utilizar a carta de compra para adquirir o bem que desejar.
Cristina Famano explica na prática: “Se a pessoa quer fazer um intercâmbio que custa R$ 20 mil, mas não tem esse dinheiro e não está a fim de pegar empréstimo e enfrentar juros, ela começa um consórcio. Ela pode pagar esses R$ 20 mil em 40 meses, por exemplo. Aí todo mês ela vai pagar R$ 500 e, de repente, vai ser sorteada no grupo. Se ela começa com a ideia de fazer um intercâmbio e depois muda de ideia, pode também”, coloca.
Vale ressaltar que o crédito é corrigido a cada ano com base no IPCA, ou seja, quem sai no começo leva os R$ 20 mil, mas quem só é sorteado depois tem a garantia de correção e não sai na desvantagem.
Nem tudo são flores
O economista e educador financeiro Edísio Freire alerta que, quem quer fazer um consórcio, precisa saber e poder esperar.
“A desvantagem é que a pessoa não tem acesso ao bem de forma imediata, apenas quando for contemplado. É preciso ter cuidado com isso. Quem vai adquirir um consórcio tem que ter condições e se planejar para esperar”, avisa.
Outros dois fatores precisam ser levados em consideração, segundo o economista: “Primeiro, não se comprometa com uma parcela mensal que você não pode pagar. Segundo, lembre que, quando houver a contemplação, você passará por uma análise de crédito, então é preciso planejamento”.
O que esperar do segmento em 2022?
A economia brasileira vem enfrentando dificuldades para deslanchar. Entre as razões estão a inflação crescente, taxa de juros ascendente, escassez de insumos, pequena reação na redução do desemprego e influência do dólar – que pressiona diretamente os preços finais de energia, combustíveis e, por consequência, os alimentos. Na contramão, o sistema de consórcios tem anotado evolução mês após mês.
“O consórcio se adequa a qualquer momento econômico do país. Quando o mercado está aquecido, com muitas compras, as pessoas procuram o consórcio por ser uma modalidade que facilita a compra. E quando a economia vai mal, a liberação de crédito fica ruim e as taxas de juros ficam muito altas. Quem precisa adquirir um bem busca o consórcio e o empresário prefere também ir para o capital especulativo através do consórcio do que o capital ativo para não descapitalizar”, destaca Helton Queiroz, diretor da administradora de consórcio Embracon Salvador.
Queiroz diz que, na Embracon, as vendas cresceram de 2020 para 2021 e, este ano, continuam de vento em popa. “O mercado está realmente muito aquecido, tanto que estamos precisando contratar mais funcionários. A gente até abriu um novo espaço com uma parte da nossa equipe para testar e ver se abrimos uma nova filial. A meta é chegar a três filiais até o final do ano”, antecipa.
Ao projetar os negócios para este ano, o presidente da Abac, Paulo Roberto Rossi, comenta que “em 2022, ano em que o consórcio completa 60 anos, poderemos, apesar das turbulências de um ano eleitoral, repetir o bom desempenho alcançado em 2021”.
Rossi acredita que, apesar das projeções para 2022 indicarem recuo nos índices inflacionários, ainda assim haverá patamares relativamente altos de inflação, o que mantém o consumidor mais cauteloso ao adquirir bens e serviços.
”Acreditamos que a nova postura do consumidor, mais consciente das responsabilidades inerentes às boas práticas da educação financeira e do planejamento das finanças pessoais, tem procurado investir parte de sua renda de forma mais conservadora, ao assumir novos compromissos financeiros”, conclui Rossi.