Evento em Salvador debate redução da vazão de Sobradinho

Especialistas rebatem que redução pode comprometer a biodiversidade do Rio; não reduzir pode significar comprometimento na geração de energia

Alexandro Mota

A decisão sobre a redução da vazão do Rio São Francisco no trecho de Sobradinho, na Bahia, para favorecimento do setor elétrico, prevista para a próxima semana, foi o centro das discussões da plenária semestral do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Realizado nesta quarta-feira (9), no Hotel Catussaba, em Salvador, o evento invadiu a noite do primeiro dia de programação, que termina nesta quinta-feira (10).

Já em análise pela Agência Nacional de Águas (Ana), a proposta sugere a redução da vazão do Rio São Francisco dos atuais 900 metros cúbicos por segundo (m³/s) para 800 m³/s nos reservatórios de Sobradinho (na Bahia) e Xingó (no estado de Alagoas). Fora da situação de crise, a vazão ecológica mínima de Sobradinho é de 1.300 m³/s. A redução na vazão pode contribuir para um menor comprometimento na geração de energia. Na última semana, Sobradinho atingiu o nível mais baixo de sua história, com apenas 1,1% de volume útil, devido a seca.  Uma reunião no dia 15 deste mês deve decidir a manutenção dos atuais 900 m³/s ou mudança dele.

POPULAÇÃO SENTE A DECISÃO
Lideranças de comunidades ribeirinhas que estiveram no evento conversaram com o CORREIO esclarecendo que por trás dessas decisões não estão apenas números e discussões técnicas.  A redução da vazão do rio pode provocar a diminuição da biodiversidade e comprometer o uso da água até mesmo para o consumo em algumas cidades.

Na região de Bom Jesus da Lapa, lideranças percebem êxodo após o desabastecimento de rios afluentes do São Francisco. “A comunidade do Médio São Francisco ainda tem o rio como subsistência, o desmatamento, o uso descontrolado por grandes empresas de agricultura irrigada e a redução da vazão tem feito com que a água seque em alguns municípios e algumas nascentes sejam comprometidas”, afirma Claudio Pereira, presidente da Associação Quilombola da Lagoa das Piranhas.

Ações que poderiam ser emergenciais já se arrastam há mais de uma década, sem melhorias para a população. “São cidades abastecidas por caminhões-pipa levados pelo exército, que muitas das vezes veem a água sendo distribuída, de forma insuficiente, por interesses políticos. Várzea Nova, por exemplo, não tem água superficial para um pássaro beber, não temos mananciais” afirma Almacks Luiz Silva, presidente do Comitê do Salitre baiano, que representa nove cidades. “As pessoas se perguntam como pode ter água para transposição e não tem para a própria população da bacia”, complementa.

Já o presidente da Colônia de Pescadores Z60 de Juazeiro, Domingos Matos, lista com facilidade as espécies que sumiram do rio nos últimos anos. “Hoje a pessoa não pode mais viver só da pesca, precisa buscar outras alternativas”, afirma.

Plenária foi realizada em hotel de Stella Maris e reuniu especialistas e lideranças no assunto de todo o país
(Foto: André Furtuôso/Divulgação)

DEBATE ENTRE POLÍTICO E TÉCNICO
O superintendente da Chesf (Companhia Hidroelétrica do São Francisco), Ruy Barbosa Pinto, lembrou que a companhia executa apenas as decisões deliberadas pelos órgãos controladores, como a Ana e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), mas defendeu que a posição da empresa é pelo que chamam de “flexibilização” da vazão para manter a capacidade de geração de energia. “Com a redução, o reflexo seria a redução do nível do rio em 15 centímetros médio no trecho Sobradinho-Itaparica, e em 20 centímetros médio no trecho Xingó-Foz”, explicou.

Consultor técnico do Comitê, o engenheiro hídrico Pedro Molina apontou em sua apresentação que uma das consequências dessa redução seria a necessidade dos estados de fazerem esforços para redução da demanda de abastecimento de água e energia.  O comitê se posiciona contrário a medida de redução da vazão, já que implica em aumento dos danos ambientais, além de impacto em outras atividades econômicas ligadas ao Velho Chico.

“Para o setor elétrico operar no volume morto (reserva de água abaixo do ponto de captação) não é nenhum sacrilégio. Sobradinho tem a possibilidade de usar o volume morto, o que chamamos atenção é que o Rio precisa ter usos múltiplos, ele é do pescador, da agricultura familiar, das empresas que precisam de viabilidade para fazer a navegação e não somente para geração de energia”, defende o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda.

Já o Ministério Público Estadual (MPE-BA) cobra a criação de um plano de emergência para o São Francisco e a revisão das concessões já emitidas pelas agências controladoras, evitando a polêmica da redução ou não da vazão do rio. “São outorgas antigas, que foram concedidas em outro cenário, no momento estamos em uma situação de crise. Além disso, há no estado lacunas como a falta de um plano de bacias e de controle das outorgas que ainda hoje são liberadas, atualmente grande parte do rio serve ao agronegócio”, afirmou a promotora de justiça Luciana Khoury, coordenadora do Núcleo de Defesa do São Francisco na Bahia.

O corpo técnico da CBHSF aponta que houve erro na gestão dos reservatórios. “O modelo de operação de reservatório falhou. Essa crise, que começou agora, poderia ter sido prevista desde 2005, com base nas séries históricas que o operador (de energia elétrica) tinha”, afirmou o engenheiro hídrico Rodolpho Ramina. “O Rio São Francisco vem sofrendo um processo de degradação desde o descobrimento do Brasil. No entanto o modelo de operação dos reservatórios se esgotou no final do século passado e de lá para cá nada foi feito”, reforçou Anivaldo.

O GOVERNO
O diretor-presidente da ANA, Vicente Andreu, durante a sua apresentação na plenária, não deu indicativo sobre o que deve ser decidido, mas reforçou que a decisão precisa ser colegiada, incluindo todos os interessados pelo uso da água. “A água do Rio São Francisco é de todo o Brasil, precisamos discutir se mantivermos a vazão do São Francisco o que vai ocorrer com (a Usina Hidrelétrica de) Três Marias (em Minas Gerais)”, afirmou Andreu. Ele reconheceu que os instrumentos da Ana podem ter sido insuficientes para evitar a atual crise. “Não estamos discutindo quem está certo, quem está errado. Houve um modelo que funcionou até o momento que essa crise chegou”, afirmou.

Andreu rechaçou a possibilidade de utilização do volume morto do rio, o que para ele agravaria ainda mais a segurança hídrica do rio, e cobrou posicionamento do Comitê, que segundo ele tem atuado apenas como extensão dos movimentos sociais e se distanciando das decisões. O CBHSF é um órgão colegiado, criado por decreto presidencial, integrado pelo poder público, sociedade civil e empresas usuárias de água, responsável pela gestão dos recursos hídricos da bacia.

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