OAB contra terceirização

Terceirização da atividade fim – o retrocesso do PL 4330/2014

Por Pelópidas Soares Neto

Encontra-se na pauta do dia, a discussão acerca do Projeto de Lei (PL) nº 4330/2004, que vem disciplinar o contrato de prestação de serviços a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes. É a chamada terceirização, situação em que a empresa tomadora dos serviços contrata uma outra empresa para prestar serviços determinados e específicos, segundo dizer do artigo 2º, caput, do projeto.

Em tal cenário, a empresa prestadora dos serviços contrata e remunera seus empregados, ou mesmo subcontrata uma outra empresa para efetivação desses serviços, havendo, neste último caso, o fenômeno da quarteirização.

Esse projeto foi concebido com o desejo de proteger ainda mais os trabalhadores terceirizados, porém divide opiniões, especialmente porque possibilita a terceirização de quaisquer atividades das empresas, seja ela atividade-fim ou atividade-meio, o que foi aprovado ontem (dia 22.04.2015), na conclusão da votação dos destaques na Câmara Federal, com apertadíssima diferença, 230 votos a 203.

No âmbito da nossa sociedade, as centrais sindicais e os movimentos sociais vêm se insurgindo contra o projeto, ao passo que os órgãos patronais, que representam setores ligados ao capital industrial, defendem o projeto, desenhando-se uma quebra de braço entre eles.

Sem dúvidas, há uma necessidade de se regulamentar legalmente a prestação de serviços terceirizados, inclusive porque, atualmente, essas relações jurídicas são disciplinadas por uma interpretação jurisprudencial consolidada, no caso a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que, ao longo dos seus 06 (seis) itens, procura estabelecer algumas diretrizes para regular os direitos dos trabalhadores, as possibilidades de terceirização e as responsabilidades em caso de inadimplência de obrigações trabalhistas, mas não esgota as celeumas sobre a matéria.

Eis as diretrizes da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho:
“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral”.

A Súmula em espécie traz regra clara de que não é possível a terceirização da atividade-fim da empresa, conforme se vê no inciso I, havendo espaço, no entanto, para a terceirização da atividade-meio, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta do trabalhador com a empresa tomadora dos serviços.

O que se vê, então, é que o projeto de lei que se encontra em discussão, e será encaminhado ao Senado Federal, colide com a interpretação construída nos Tribunais ao longo dos anos, porquanto permite, no seu § 2º, do artigo 4º, a terceirização de qualquer atividade, o que não é normal, pois a experiência nos mostra que, em diversas situações anteriores, as leis incorporam ao seu texto as interpretações consolidadas nos Tribunais, que refletem, o mais das vezes, os reclamos atuais da sociedade.

No particular, essa possibilidade de terceirização da atividade-fim nos traz preocupações, especialmente com um olhar focado na possível perda de benefícios trabalhistas conquistados ao longo do tempo pelos trabalhadores.

Ora, ao se possibilitar a terceirização da atividade-fim, o que de fato acontecerá é que as empresas, especialmente de maior porte, terceirizarão setores para afastar o empregado daquele sindicato ao qual está vinculado, passando, desde então, uma vez contratado pela terceirizada, a se atrelar ao sindicato profissional ligado à empresa prestadora de serviços, com redução dos benefícios trabalhistas, podendo, inclusive, ter reduzido o seu salário, acaso o piso salarial dessa categoria seja menor, o que acontece rotineiramente.

Podemos, inclusive, enfrentar situações de flagrante desigualdade, com trabalhadores desempenhando as mesmas atribuições, mas com salários e benefícios distintos, na hipótese de um está vinculado à tomadora de serviços, e outro, trabalhando ao seu lado, vinculado à prestadora de serviços, o que deflagra inegável inconstitucionalidade, por ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, que repousam no artigo 1º, III, e 5º, caput, ambos da Constituição Federal de 1988.

Haverá, portanto, prejuízo aos trabalhadores, com a perda de benefícios, e, ao inverso, redução de encargos sociais para as empresas contratantes.

Esse fato, inclusive, gerará, a nosso sentir, conflitos sociais entre patrão e empregado, além de aumentar a concentração de renda nas mãos do empresariado, diminuindo o poder de compra dos trabalhadores e repercutindo na própria circulação de riquezas no mercado interno, o que não é nada bom, principalmente em tempo de recessão.

No cenário, entendemos que possibilitar a terceirização de atividade-fim não é o melhor caminho neste momento de evolução da sociedade brasileira, não podendo outros países, como os Estados Unidos e o Canadá, servirem de exemplo para sustentação da proposta, pois possuem aspectos culturais distintos e suas bases sociais estão consolidadas, diferentemente das nossas.

Assim, em conclusão e sem pretender esgotar a discussão sobre o tema, enxergamos que o projeto é necessário para regular legalmente esse importante setor de prestação de serviços terceirizados, porém não é razoável permitir a terceirização da atividade-fim das empresas, sem a preservação das conquistas coletivas dos trabalhadores, pois entendemos que a nossa sociedade não amadureceu o suficiente para admitir essa hipótese sem o risco de fraudes.

Esperamos, enfim, que o Senado Federal atente para essa problemática quando receber o texto final do projeto aprovado na Câmara Federal e iniciar as discussões.

Pelópidas Soares Neto é Conselheiro Federal da OAB por Pernambuco e secretário-geral da Comissão de Assuntos Sociais da OAB Federal

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