20 anos da Estação Espacial Internacional: 6 avanços que o questionado projeto trouxe
A Estação Espacial Internacional (EEI) é a maior estrutura espacial já construída pela humanidade: tem 109 metros de largura (quase um campo de futebol) e pesa cerca de 453 toneladas.
É também o mais alto laboratório já criado pelo homem, orbitando a Terra a quase 400 km de distância da superfície.
As primeiras peças foram enviadas ao espaço em 1998, e neste 2 de novembro de 2020 a EEI registra mais um feito em sua existência: completa 20 anos desde que recebeu seus primeiros hóspedes e começou a ser habitada de modo contínuo.
Desde a chegada dos astronautas Bill Shepherd (americano), Yuri Gidzenko e Sergei Krikalev (russos), em novembro de 2000, a ISS foi ocupada por 241 pessoas (no total, em momentos diferentes) de 19 países. Entre os “hóspedes” já esteve o primeiro astronauta brasileiro, Marcos Pontes, em 2006.
“A humanidade conseguiu ficar fora do planeta por 20 anos”, disse Carlos Fontanot, gerente da EEI no Centro Espacial Johnson da NASA, em entrevista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
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Mas o que essa façanha significa e o que a EEI fez ao longo de todo esse tempo?
Aqui contamos algumas das conquistas mais importantes da EEI e também por que alguns cientistas criticam o custo-benefício desse projeto bilionário, ante os resultados científicos que ele trouxe.
1. Aproximação da comunidade internacional
A construção da EEI exigiu a colaboração de 15 países e hoje as principais agências responsáveis são Nasa (EUA), Agência Espacial Europeia (ESA), Roscosmos (Rússia), Jaxa (Japão) e Agência Espacial Canadense (CSA).
Além disso, 108 países realizaram mais de 2.700 estudos na EEI, de acordo com a Nasa.
“O melhor que a EEI fez foi unir a comunidade internacional, agências espaciais internacionais, para cooperar no espaço, o que havia sido feito em um grau limitado antes da EEI”, diz Laura Forzcyk, diretora da consultoria espacial Astralítico, entrevista à BBC News Mundo.
E a principal aproximação envolveu dois países que muitas vezes se encontram em lados opostos na corrida espacial: Estados Unidos e Rússia.
“Os países e os participantes da EEI são irmãos, são humanos. Estão orbitando a Terra e percebendo que se trata de um único planeta”, disse Fontanot.
Mas a EEI não funcionou apenas como um elemento unificador de países, mas também como um catalisador para alcançar importantes conquistas científicas.
2. Conhecimento do corpo humano na microgravidade
A EEI é o único laboratório com condições permanentes de microgravidade que a humanidade possui, afirma a Nasa.
Essa característica, explica Forzcyk, tornou possível “entender como a biologia, a fisiologia e a psicologia humanas operam a longo prazo” na ausência de gravidade.
Nossos músculos e ossos são projetados para apoiar o corpo contra a força da gravidade da Terra. Mas no espaço, e na EEI, esses órgãos precisam fazer muito menos esforço, e por isso podem atrofiar ou perder massa.
Estudos com astronautas a bordo da EEI ajudaram a entender a perda óssea e muscular, mas não apenas por causa da microgravidade do espaço, mas também na Terra, por razões como “idade, estilo de vida e algumas doenças”, diz a Nasa.
Da mesma forma, cientistas estudaram medidas para neutralizar essas perdas por meio de exercícios, dieta e até mesmo medicamentos, tanto no espaço quanto na Terra.
Esses avanços beneficiariam “pessoas que sofrem de doenças musculares ou outras doenças como a osteoporose”, afirma Fontanot.
Estudos como esses servem para preparar viagens futuras à Lua e a Marte, ambientes de microgravidade em que os astronautas passariam muito mais tempo do que na EEI.
“Estas são as próximas etapas após a EEI.”
3. Estudos de outras doenças
As condições de microgravidade também permitiram estudar doenças como Alzheimer, Parkinson, asma, câncer e problemas cardíacos, segundo a Nasa.
Na Terra, a gravidade pode afetar o alinhamento das moléculas, e na ISS, como não há gravidade, o ambiente é muito estável.
“Essas circunstâncias nos permitem estudar e compreender melhor a estrutura, propriedades e comportamentos das proteínas que causam doenças neurodegenerativas ou Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) e das células envolvidas no aparecimento do câncer”, explica a agência espacial americana.
A microgravidade também “nos permite desenvolver produtos químicos, drogas mais puras e estudar tratamentos para câncer, doenças musculares e outras coisas”, acrescenta Fontanot, gerente da EEI na Nasa.
4. Observação da Terra
A EEI circula a Terra 16 vezes por dia, a cerca de 28 mil km/h, e enquanto orbita, tira fotos de uma perspectiva única.
A estação “rastreia todos os continentes, em uma órbita ideal para estudar nosso planeta, agricultura, clima, distúrbios meteorológicos como furacões e as inundações que eles produzem, mudanças geográficas, vida marinha e terrestre etc.”, diz Fontanot.
“Em 20 anos, temos milhões de fotografias de diferentes partes do mundo, o que nos permite comparar como eram antes e como são agora”, acrescenta.
Segundo ele, as imagens ajudam a entender as mudanças climáticas. “Também há imagens de geleiras, que diminuíram, de incêndios florestais. Na Amazônia, você pode ver as mudanças causadas pelo desmatamento. Do espaço, você pode ver claramente o que está acontecendo, como a Terra se transformou.”
5. Reciclagem de água
Praticamente nada é desperdiçado na EEI.
“A tecnologia de reciclagem de água foi aprimorada na EEI. O suor e a própria urina são reciclados e convertidos em água potável”, explica Fontanot.
O Sistema de Recuperação de Água da EEI permite que 93% da água da nave seja reutilizada, segundo a Nasa.
Essa tecnologia será muito mais útil quando os astronautas puderem realizar missões espaciais mais distantes e mais longas, como para a Lua ou para Marte.
Esse sistema de reciclagem de água também é aplicado na Terra e tornou possível levar água para países como o Iraque e muitos outros lugares onde não há água potável para beber, diz Fontanot.
6. Impulsionamento da economia de ‘órbita baixa‘ da Terra
A EEI também propiciou avanços comerciais no setor espacial. E as agências espaciais governamentais já não são as únicas a enviarem provisões, equipamentos científicos ou astronautas à EEI.
Em 2008, a Nasa fechou contratos de quase US$ 6 bilhões (cerca de R$ 34 bilhões) com a empresa SpaceX, controlada por Elon Musk, e com a Northrop Grumman (ex-Orbital ATK) para levar carga à EEI.
Em outubro de 2012, menos de dois anos depois do final do programa, a SpaceX levou a sua primeira carga. Meses depois foi a vez da Northrop Grumman. Em 2021, será a vez da empresa Sierra Nevada.
Em maio deste ano, a SpaceX levou dois astronautas para a estação, na primeira tripulação que viajou a bordo de um veículo comercial até a plataforma.
Muito em breve será a vez da Boeing.
Segundo a Nasa, esses programas comerciais tripulados pode gera uma economia de até US$ 30 bilhões à agência espacial americana.
“Manter uma estação espacial custa muito dinheiro, então para usar esse dinheiro em outros projetos, como ir à Lua ou a Marte, a Nasa dá a oportunidade para empresas comerciais e gera uma indústria espacial nova”, explica Fontanot.
Estima-se também que a EEI fique a cargo de empresas privadas depois de 2024, ano em que expira o orçamento que o Congresso dos Estados Unidos previu para o projeto até agora.
A Nasa projeta que a estação opere até 2030 e então caia no oceano Pacífico.
Críticas
Apesar de todas essas conquistas, alguns especialistas questionam se o investimento na EEI valeu a pena.
Até 2014, os EUA tinham investido quase US$ 75 bilhões na EEI, segundo relatório da Nasa deste ano. O documento aponta que a agência deve investir até US$ 4 bilhões anuais, levando o total a quase US$ 100 bilhões.
“Não acredito que a EEI tenha trazido algo valioso por esse montante”, afirma Martin Rees, astrônomo real do Reino Unido e professor emérito de astronomia da Universidade de Cambridge, em entrevista à BBC News Mundo.
“Os resultados científicos têm sido pobres. Aprendemos um pouco sobre como o corpo reage a longos períodos no espaço e desenvolvemos alguns cristais [de proteínas] em gravidade zero, mas isso não é de forma alguma proporcional às dezenas de bilhões de dólares que foram gastos na EEI”, disse Rees ao jornal britânico The Guardian em outubro.
Rees menciona o estudo do corpo na microgravidade e duvida que “as potencialidades do espaço incluirão um papel para o ser humano”.
Como mencionamos anteriormente, a Nasa espera enviar missões tripuladas à Lua e Marte como um próximo passo para a EEI.
“O estudo de caso enfraquece a cada avanço da robótica e da miniaturização (…). Porém, há planos, dos Estados Unidos, Rússia e China, de voltar à Lua, construir uma ‘base’ lá, mas e daí? Haverá motivação suficiente e vontade política [para levar humanos], dado o que os robôs podem fazer?”
“As pessoas que se aventuram no espaço são frágeis. Em contraste, as espaçonaves automatizadas requerem apenas uma fonte de energia, custam muito menos que os humanos, sabemos como melhorá-las a cada ano, e se elas falharem, só perdemos dólares e estudos científicos”, escreveu Rees com Donald Goldsmith, astrônomo da Universidade da Califórnia, em Berkeley, em artigo publicado em março na Scientific American e enviado à BBC News Mundo.
O prêmio Nobel e físico Steve Weinberg, da Universidade do Texas, em Austin, também disse ao jornal The Guardian que a EEI “poderia ter sido colocada em órbita por um valor muito menor com uma missão não tripulada”, já que os astronautas “não desempenham nenhum papel” em alguns avanços científicos.
Mas, de acordo com Fontanot, “o custo de manutenção do EEI é relativo” e é um orçamento mínimo em comparação com o orçamento dos EUA.
“Estamos esperançosos de que a bordo da EEI ajudaremos a criar uma droga que cura o câncer. Você pode colocar um preço nisso? Levar água potável a partes remotas da Terra é um preço? O custo da EEI em comparação com os benefícios que traz aos humanos é provavelmente mínimo”, rebateu.