Guerra: sírios comem cães e gatos para não morrerem de fome
Cidadãos sírios estão morrendo de fome em Madaya, cidade próxima à capital Damasco e sitiada pelo governo em meio à guerra civil no país, segundo denunciaram ativistas da oposição. “As pessoas estão morrendo. Elas estão comendo coisas do chão. Estão comendo cães e gatos”, disse à BBC uma ativista cuja família está em Madaya.
A ONU afirma que todos os lados envolvidos no conflito no país vêm lançando mão de táticas de guerra e isolando cidades, o que viola leis internacionais de direitos humanos.
O Programa Alimentar Mundial, agência da ONU para o combate à fome, e a Cruz Vermelha descreveram a situação em que se encontram determinadas localidades como “extremamente alarmantes”.
Nesta quinta-feira, a ONU afirmou que o governo sírio concordou em permitir que ajuda humanitária chegue a Madaya.
Entenda a seguir o que se sabe até o momento sobre os civis presos nestes cercos após quase cinco anos de guerra civil na Síria.
Quantas pessoas estão sitiadas?
A ONU acredita que, das 4,5 milhões de pessoas vivendo em áreas “de difícil acesso” na Síria, cerca de 400 mil estão sitiadas.
Em seu mais recente relatório sobre a situação no país, divulgado em dezembro, o secretário-geral da organização, Ban Ki-moon, destaca que “os lados do conflito continuam a restringir parcial ou totalmente o acesso a áreas sob cerco militar”.
Limitar a circulação de pessoas e produtos tem levado a um aumento de preços de mercadorias enviadas por meio de canais de abastecimento intermitentes.
O documento ressalta que as agências da ONU só conseguiram enviar um volume de auxílio insignificante para estas 400 mil pessoas entre setembro e novembro.
“Em setembro, a assistência sanitária, de alimentos e de água chegou a cerca de 7,8 mil pessoas em uma localidade sitiada. Em outubro, 10,5 mil pessoas em locais sitiados receberam comida, itens de saúde e outros produtos básicos e cerca de 16,7 mil receberam água, itens sanitários e de higiene. Em novembro, 1.077 crianças receberam livros didáticos e 50 receberam roupas de frio”, disse o relatório.
“Nenhuma outra forma de assistência chegou a áreas sob cerco em novembro.”
Onde isso está ocorrendo?
Cerca de 200 mil pessoas estão sitiadas em áreas controladas pelo governo na cidade de Deir al-Zour, no leste da Síria, e atualmente sob cerco do grupo extremista autodenominado Estado Islâmico, de acordo com a ONU.
Em Ghouta, também no leste, cerca de 176,5 mil pessoas estão sitiadas pelo governo neste que é um reduto das forças rebeldes.
No subúrbio de Darayya e na cidade de Zabadani, próximas à capital, 4,5 mil pessoas estão sitiadas por forças do governo.
Madaya, ao norte de Zabadani, está sob cerco desde julho. Estima-se que 40 mil pessoas estejam presas lá, algumas vindas em fuga de Zabadani.
Em Foua e Kefraya, na Província de Idlib, no noroeste da Síria, cerca de 12,5 mil pessoas estão cercadas por grupos rebeldes e pela Al-Nusra, grupo afiliado à Al-Qaeda.
Como as pessoas estão se alimentando?
Com muita dificuldade. Os civis presos em áreas sitiadas dependem do mercado negro e seus preços inflacionados.
A Comissão de Inquérito sobre a Síria do Conselho de Direitos Humanos da ONU divulgou em julho de 2015 que pessoas, especialmente as mais vulneráveis, morreram por desnutrição e falta de acesso a medicamentos e eletricidade.
A investigação realizada mostrou que elas estão “presas sem itens básicos e sob o constante medo de serem atingidas por tiros e bombas, sofrendo com um trauma psicológico e desespero característicos de comunidades sitiadas”.
A comissão afirma que um pai morreu em março de 2015 ao tentar atravessar a nado o rio Eufrates desde Deir al-Zour, que está sob cerco militar, para conseguir uma forma de alimentar seus filhos.
Atiradores têm alvejado e matado civis, entre eles crianças, que tentam escapar, segundo a comissão. E, em abril de 2015, uma menina de 13 anos morreu de fome nessa localidade.
Um morador de Madaya, Abdel Wahab Ahmed, disse à BBC na quinta-feira que duas pessoas também morreram de inanição na cidade em um único dia de janeiro.
“As pessoas começaram a se alimentar de terra, porque não há nada mais para comer. A grama e a folhagem morreram por causa do grande volume de neve”, afirmou.
Ele descreveu como “aterrorizante” a falta de instalações médicas para enfermos e vulneráveis.
Pawel Krzysiek, porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, disse à agência de notícias AFP que pessoas haviam lhe implorado por leite para bebês quando ele foi a Madaya em outubro. Foi quando a ajuda humanitária conseguiu chegar à cidade pela última vez.
Mães estavam tão mal nutridas que não produziam mais leite, e não havia forma de alimentar os recém-nascidos e bebês mais novos, disse Krzysiek.
Uma autoridade local de Madaya disse à agência AP que o preço de produtos explodiu, com o quilo do trigo custado cerca de US$ 20 (R$ 80) e o leite em pó saindo por mais de US$ 300 (R$ 1,2 mil).
“Cercos são um negócio para aqueles que os impõem e para os mais bem relacionados dentro da área sitiada”, diz a ONU.
Autoridades do governo e os soldados e suas famílias têm sido menos afetados pelo cerco a Deir al-Zour, diz a organização, já que recebem itens básicos por meio do aeroporto militar da cidade.