Guerra: sírios comem cães e gatos para não morrerem de fome

Cidadãos sírios estão morrendo de fome em Madaya, cidade próxima à capital Damasco e sitiada pelo governo em meio à guerra civil no país, segundo denunciaram ativistas da oposição. “As pessoas estão morrendo. Elas estão comendo coisas do chão. Estão comendo cães e gatos”, disse à BBC uma ativista cuja família está em Madaya.

Ativistas divulgaram imagens de crianças desnutridas, confirmadas pela agência Reuters
Ativistas divulgaram imagens de crianças desnutridas, confirmadas pela agência Reuters

Foto: BBC / BBCBrasil.com

Relatos também dão conta de situação semelhante em dois vilarejos xiitas no norte do país, que são alvo de um longo cerco por parte dos rebeldes, onde moradores têm se alimentado de grama para sobreviver.

A ONU afirma que todos os lados envolvidos no conflito no país vêm lançando mão de táticas de guerra e isolando cidades, o que viola leis internacionais de direitos humanos.

O Programa Alimentar Mundial, agência da ONU para o combate à fome, e a Cruz Vermelha descreveram a situação em que se encontram determinadas localidades como “extremamente alarmantes”.

Nesta quinta-feira, a ONU afirmou que o governo sírio concordou em permitir que ajuda humanitária chegue a Madaya.

Entenda a seguir o que se sabe até o momento sobre os civis presos nestes cercos após quase cinco anos de guerra civil na Síria.

Quantas pessoas estão sitiadas?
A ONU acredita que, das 4,5 milhões de pessoas vivendo em áreas “de difícil acesso” na Síria, cerca de 400 mil estão sitiadas.

Em seu mais recente relatório sobre a situação no país, divulgado em dezembro, o secretário-geral da organização, Ban Ki-moon, destaca que “os lados do conflito continuam a restringir parcial ou totalmente o acesso a áreas sob cerco militar”.

Limitar a circulação de pessoas e produtos tem levado a um aumento de preços de mercadorias enviadas por meio de canais de abastecimento intermitentes.

O documento ressalta que as agências da ONU só conseguiram enviar um volume de auxílio insignificante para estas 400 mil pessoas entre setembro e novembro.

“Em setembro, a assistência sanitária, de alimentos e de água chegou a cerca de 7,8 mil pessoas em uma localidade sitiada. Em outubro, 10,5 mil pessoas em locais sitiados receberam comida, itens de saúde e outros produtos básicos e cerca de 16,7 mil receberam água, itens sanitários e de higiene. Em novembro, 1.077 crianças receberam livros didáticos e 50 receberam roupas de frio”, disse o relatório.

“Nenhuma outra forma de assistência chegou a áreas sob cerco em novembro.”

Foto: EFE

Onde isso está ocorrendo?

Cerca de 200 mil pessoas estão sitiadas em áreas controladas pelo governo na cidade de Deir al-Zour, no leste da Síria, e atualmente sob cerco do grupo extremista autodenominado Estado Islâmico, de acordo com a ONU.

Em Ghouta, também no leste, cerca de 176,5 mil pessoas estão sitiadas pelo governo neste que é um reduto das forças rebeldes.

No subúrbio de Darayya e na cidade de Zabadani, próximas à capital, 4,5 mil pessoas estão sitiadas por forças do governo.

Madaya, ao norte de Zabadani, está sob cerco desde julho. Estima-se que 40 mil pessoas estejam presas lá, algumas vindas em fuga de Zabadani.

Em Foua e Kefraya, na Província de Idlib, no noroeste da Síria, cerca de 12,5 mil pessoas estão cercadas por grupos rebeldes e pela Al-Nusra, grupo afiliado à Al-Qaeda.

Como as pessoas estão se alimentando?

Com muita dificuldade. Os civis presos em áreas sitiadas dependem do mercado negro e seus preços inflacionados.

A Comissão de Inquérito sobre a Síria do Conselho de Direitos Humanos da ONU divulgou em julho de 2015 que pessoas, especialmente as mais vulneráveis, morreram por desnutrição e falta de acesso a medicamentos e eletricidade.

A investigação realizada mostrou que elas estão “presas sem itens básicos e sob o constante medo de serem atingidas por tiros e bombas, sofrendo com um trauma psicológico e desespero característicos de comunidades sitiadas”.

A comissão afirma que um pai morreu em março de 2015 ao tentar atravessar a nado o rio Eufrates desde Deir al-Zour, que está sob cerco militar, para conseguir uma forma de alimentar seus filhos.

Atiradores têm alvejado e matado civis, entre eles crianças, que tentam escapar, segundo a comissão. E, em abril de 2015, uma menina de 13 anos morreu de fome nessa localidade.

Um morador de Madaya, Abdel Wahab Ahmed, disse à BBC na quinta-feira que duas pessoas também morreram de inanição na cidade em um único dia de janeiro.

Foto: EFE

“As pessoas começaram a se alimentar de terra, porque não há nada mais para comer. A grama e a folhagem morreram por causa do grande volume de neve”, afirmou.

Ele descreveu como “aterrorizante” a falta de instalações médicas para enfermos e vulneráveis.

Pawel Krzysiek, porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, disse à agência de notícias AFP que pessoas haviam lhe implorado por leite para bebês quando ele foi a Madaya em outubro. Foi quando a ajuda humanitária conseguiu chegar à cidade pela última vez.

Mães estavam tão mal nutridas que não produziam mais leite, e não havia forma de alimentar os recém-nascidos e bebês mais novos, disse Krzysiek.

Uma autoridade local de Madaya disse à agência AP que o preço de produtos explodiu, com o quilo do trigo custado cerca de US$ 20 (R$ 80) e o leite em pó saindo por mais de US$ 300 (R$ 1,2 mil).

“Cercos são um negócio para aqueles que os impõem e para os mais bem relacionados dentro da área sitiada”, diz a ONU.

Autoridades do governo e os soldados e suas famílias têm sido menos afetados pelo cerco a Deir al-Zour, diz a organização, já que recebem itens básicos por meio do aeroporto militar da cidade.

Foto: EFE

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