‘Geração Wattpad’: Os autores que saltaram das redes sociais literárias às grandes editoras

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As escritoras Lilian Carmine, Camila Moreira e Nana Pauvolih, reveladas na internet

A ilustradora de livros infanto-juvenis Bruna Brito, de 37 anos, perdeu a conta de quantos “nãos” ouviu de editores brasileiros.

Com uma gaveta cheia de originais recusados, resolveu, em fevereiro de 2010, adotar um pseudônimo, escrever em inglês e seguir um caminho diferente do habitual: postar o primeiro capítulo de Lost Boys (“Garotos Perdidos”, em tradução literal) na Wattpad, uma rede social de literatura.

A estratégia deu certo. Dois anos depois, seu romance de estreia atingiria a marca de 34 milhões de visualizações.

“Quando totalizei 1 milhão de leituras, tive a certeza de que a minha história tinha potencial para ser publicada de verdade”, recorda Bruna Brito, ou melhor Lilian Carmine – o pseudônimo autoral que ela usa –, que diz ter aprendido a escrever em inglês lendo os livros de Terry Pratchett e os quadrinhos de Neil Gaiman.

Pouco depois, Lilian Carmine recebeu uma ligação de Londres. Do outro lado da linha, Gillian Green, diretora de ficção da Random House, a convidava para lançar o livro em papel.

No Brasil, Lost Boys saiu pela editora LeYa e teve tiragem inicial de 50 mil exemplares. “O fato de o livro ter sido aparentemente escrito por uma autora estrangeira não é um fator definitivo. O que ajuda nas vendas é termos uma boa história”, afirma Tainã Bispo, editora da LeYa.

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“Lost Boys”, de Lilian Carmine, acabou publicado pela Leya

Ainda neste ano, Lilian lança seu mais novo trabalho, Bad Luck (“Má sorte”, em tradução livre), que mistura um garoto cigano, um gato negro e uma garota apaixonada por livros.

“Não aconselho ninguém a escrever para ficar rico ou virar celebridade. O importante é escrever porque ama escrever ou porque a literatura faz de você uma pessoa feliz”, afirma.

‘YouTube dos escritores’

Lilian integra a seleta lista de autores revelados por plataformas virtuais de autopublicação, como a americana Amazon, a chinesa Cloudary e a polonesa Booklines.

De todas, a mais popular é a canadense Wattpad, que já contabiliza 40 milhões de usuários – 800 mil deles brasileiros.

A startup, fundada em 2006 pelos amigos Allen Lau e Ivan Yuen, contabiliza 175 milhões de histórias – 5,3 milhões em português –, disponíveis em 50 idiomas.

“Mais do que uma plataforma de autopublicação, somos uma comunidade virtual de leitores e escritores. Os editores podem não apenas descobrir novos talentos, como divulgar títulos futuros, compartilhar conteúdos exclusivos e promover concursos literários”, diz Ashleigh Gardner, diretora de conteúdo da empresa.

Ana Lima, diretora-executiva do selo Galera, da Record, afirma que as redes sociais literárias se tornaram uma ótima fonte de prospecção de futuros best-sellers. Como o britânico Taran Matharu, de 26 anos. Dele, o selo já lançou O Aprendiz, o primeiro livro da série Conjurador.

“Ajuda saber que 6 milhões de leitores gostaram do livro dele e acompanharam sua publicação no Wattpad. É uma chancela, mas, não uma garantia de sucesso”, pondera.

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A escritora Mila Wander alcançou grande êxito virtual em um curto espaço de tempo

Márcia Pereira, editora de ficção da Planeta, cita o exemplo da pedagoga pernambucana Mila Wander, de 26 anos, contratada após ter 4 milhões de visualizações em dois meses.

“A audiência das redes sociais é uma informação relevante a ser considerada quando avaliamos uma obra. Afinal, publicar livros é um negócio e, como tal, precisa ter sucesso”, afirma.

Filão romântico-erótico

Um dos casos mais curiosos (e bem-sucedidos) de jovem talento que migrou das redes sociais para as grandes editoras é Anna Todd.

Um ano e quatro meses depois de postar o primeiro capítulo de After (“Depois”, em tradução literal) na Wattpad, essa americana de 25 anos já tinha alcançado a marca de 1 bilhão de visualizações.

Em pouco tempo, teve seu passe comprado pela Simon & Schuster, que teria desembolsado valor em torno de seis dígitos para transformar os quatro volumes do romance em livro físico. Por aqui, After foi lançada pelo selo Paralela, da Companhia das Letras.

“Ser escritora era um sonho que eu mesma não sabia que tinha até postar o primeiro capítulo”, recorda Anna, ex-garçonete do Texas que digitava a história entre um pedido e outro. “No começo, escrevia só para me divertir mesmo!”

No Brasil, o primeiro selo a lançar uma autora nacional autopublicada foi a Suma de Letras, da Objetiva.

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Falta de familiaridade de leitores com e-books pode explicar sucesso também de livros impressos

O Amor Não Tem Leis, da mato-grossense Camila Moreira, de 2 anos7, chegou às livrarias em agosto de 2014. A estudante de Direito começou a postar o romance em novembro de 2013, após sofrer uma desilusão amorosa. Com apenas três capítulos postados, alcançou 20 mil visualizações.

“Essa boa receptividade só comprova o quanto o mercado estava carente de histórias romântico-eróticas”, analisa Roberta Pantoja, responsável pelo Marketing Digital dos e-books da Objetiva.

Mas o que leva o leitor a comprar a versão impressa de uma história que já leu na web? “Nem todo mundo se familiarizou com a leitura de e-books”, arrisca Mila Wander, autora de O Safado do 105 e Diário de Uma Cúmplice.

“Tenho fãs que simplesmente não curtem livros digitais.”

Mudando o ato de escrever

A ideia de fundar uma plataforma de produção e compartilhamento literário também chegou ao Brasil.

Em junho de 2012, três amigos de Campinas (SP) – Flávio Aguiar, André Campelo e Joseph Henri Bregeiro – fundaram a Widbook. A companhia já abriu escritório na Califórnia, atingiu a marca de 250 mil membros e publicou 8 mil livros. Outros 45 mil estão no forno.

A Widbook oferece um serviço que permite ao usuário conhecer melhor o perfil de seu público.

“Por R$ 7,99 mensais, o escritor fica sabendo quanto tempo o leitor permaneceu em cada capítulo, quais os fãs mais assíduos e em que trecho da obra abandonou a leitura”, detalha. Com essas e outras informações, pode alterar o rumo da trama, mudar perfil de personagens e deletar tramas paralelas.

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Joseph Bregeiro e dois amigos são sócios de plataforma literária digital criada no Brasil

Os autores que usam as plataformas virtuais dizem que elas estão mudando o jeito de fazer literatura. O ofício de escritor deixou de ser solitário – hoje, mais do que leitores, os “wattpadders” têm seguidores.

“Minutos depois de postar um capítulo, já recebo os primeiros posts. A interação é em tempo real”, afirma Camila Moreira.

De tão íntimas, as leitoras da carioca Nana Pauvolih, de 40 anos, já ganharam apelido. Segundo a autora de Redenção de um Cafajeste, lançada pelo selo Fábrica 231, da Rocco, as “nanetes” chegam a pedir conselhos para apimentar seus relacionamentos.

“Nunca mudei rumo de história para agradar minhas fãs. Mesmo assim, gosto de sortear canecas e almofadas temáticas para deixá-las felizes”, confessa Nana, ex-professora de História que não se arrepende de ter trocado 18 anos de magistério pela vida de escritora.

Fonte: BBC Brasil

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