Em 17 de abril de 1996, dezenove trabalhadores rurais sem terra foram mortos pela polícia militar no episódio que ficou mundialmente conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido no sudeste do Pará. Nestes vinte anos, mais 271 trabalhadores rurais e lideranças foram assassinados somente no estado do Pará, traçando um trágico cenário da luta pelo direito à terra no Brasil.

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Velório dos 19 trabalhadores assassinados. Foto Ripper.

Os trabalhadores do Movimento dos Sem Terra faziam uma caminhada até a cidade de Belém, quando foram impedidos pela polícia de prosseguir. Mais de 150 policiais – armados de fuzis, com munições reais e sem identificação nas fardas – foram destacados para interromper a caminhada, o que levou a uma ação repressiva extremamente violenta e na morte dos trabalhadores. Vinte anos depois, apenas dois comandantes da operação foram condenados – Coronel Mario Colares Pantoja, condenado a 258 anos, e Major Oliveira, condenado a 158 anos – e estão presos desde 2012. Nenhum policial ou autoridade política foi responsabilizado.

“É inaceitável que a impunidade continue sendo a regra para crimes cometidos contra trabalhadores e trabalhadoras do campo. Investigar e levar à justiça mandantes e executores, assim como garantir o direito à terra são condições fundamentais para que haja justiça no campo e para a efetiva vigência dos direitos humanos no país”, afirma Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional Brasil.

Ao longo destes anos, a organização documentou e analisou as violações de direitos humanos cometidas no massacre de Eldorado dos Carajás monitorou o andamento do processo judicial e demandou justiça no julgamento dos responsáveis. As autópsias revelaram que 10 dos 19 mortos foram executados, inclusive à queima roupa, e outros foram mutilados até a morte com suas próprias ferramentas de trabalho. O massacre também deixou 69 pessoas feridas, entre elas muitas com sequelas resultantes de balas alojadas em partes do corpo que as impossibilitam de trabalhar no campo. Dois deles faleceram em consequência dos ferimentos, totalizando 21 vítimas.

“Não se apurou o fato de os policiais que participaram da ação terem retirado suas identificações das fardas e de terem extraviado as cautelas (documento que relaciona o policial à arma utilizada para o crime). Ninguém foi investigado em razão de ter retirado os corpos da cena do crime sem a devida perícia no local. Não foi feita a reconstituição do crime”, relata José Batista Gonçalves Afonso, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Marabá, Pará.

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Violência no campo e impunidade

O massacre de Eldorado dos Carajás não é um episódio isolado. Ele tornou-se símbolo do padrão recorrente de violações de direitos humanos e injustiças cometidas contra camponeses, trabalhadores e trabalhadoras rurais, povos indígenas e populações tradicionais como quilombolas, pescadores, ribeirinhos, seus advogados e defensores de direitos humanos engajados nas lutas pelo direito à terra e recursos naturais no Brasil. A Anistia Internacional Brasil tem acompanhado em especial o caso de Laísa Santos Sampaio. A irmã e o cunhado (Maria e José Claudio do Espirito Santo) de Laísa foram assassinados em maio de 2011 em Marabá, Pará, por sua denúncia da grilagem de terras e destruição da floresta. Desde então, Laísa está ameaçada de morte.

Em 2015, o Brasil registrou o maior número de mortes por conflitos por terra dos últimos 12 anos. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou 50 assassinatos, 144 pessoas ameaçadas e 59 tentativas de homicídio em conflitos no campo. Os estados de Rondônia, Pará e Maranhão concentram 90% desses casos.

Somente no estado do Pará, entre 1964 e 2014 (40 anos), foram registrados 947 assassinatos de trabalhadores rurais, lideranças, religiosos e advogados. As regiões sul e sudeste do estado apresentam os índices mais altos de violência e concentram a maioria dos assassinatos de trabalhadores e lideranças ruais.

A impunidade estimula a continuidade destes crimes. Dos 40 municípios do sul e sudeste do Pará, 30 possuem taxa de 100% de impunidade em relação aos assassinatos de trabalhadores rurais nos últimos 43 anos.ii “São raros os casos de assassinatos no campo que vão a júri, mais raro ainda que os responsáveis sejam condenados, e muito mais raro que os condenados cumpram pena. A impunidade, a lentidão nas desapropriações e no cumprimento das demarcações de terras previstas na Constituição Federal favorecem a violação de direitos fundamentais”, destaca Roque.