Jornalista da Globo cobra até R$ 50 mil para ensinar a ‘driblar’ repórter

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Carlos Tramontina, Caco Barcellos e Chico Pinheiro: site os oferece para media training - Reprodução/TV Globo

Carlos Tramontina, Caco Barcellos e Chico Pinheiro: site os oferece para media training

 

Quanto vale uma palestra de William Waack? E uma aula de Chico Pinheiro sobre como sair ileso de um batalhão de jornalistas? Até R$ 60 mil. Esse é o valor que âncora do Jornal da Globo pede para falar a empresários sobre o cenário político e econômico atual. Por R$ 50 mil, é possível contratar o apresentador do Bom Dia Brasil para um media training, palestra em que jornalistas experientes ensinam executivos, políticos e artistas a lidar com repórteres _e em alguns casos, a driblá-los, evitando a publicação de informações indesejadas.

Apresentar eventos e fazer palestras, presença VIP e media training virou uma fonte de renda extra para jornalistas de todas as emissoras. Na Globo, até repórteres jovens já descobriram o mapa da mina. Via agências especializadas, mais de uma centena de profissionais do vídeo oferecem seus serviços extra-TV na internet.

No site Contrate Palestras, duas dezenas deles são “vendidos” como disponíveis para media training, a mais polêmica das atividades, que muitos recusam por considerar conflituosa com a profissão. Entre os mais famosos do media training listados pelo site estão Chico Pinheiro, Carlos Tramontina, Christiane Pelajo, Caco Barcellos e Marcos Uchoa, da Globo; Celso Freitas, da Record; Heródoto Barbeiro, da Record News; e Carlos Nascimento, do SBT.

Líder do Profissão Repórter e idolatrado por estudantes de jornalismo, Caco Barcellos confirma que recebe muitos convites para palestras, media training e para atuar como mestre de cerimônias. “Mas não sou a pessoa indicada para falar. Não gosto e não sei fazer [media training]”, diz, contrariando o site. “Já para mestre de cerimônias não levo jeito. Gostaria de aprender e incorporar nas minhas atividades futuras”, completa.

Barcellos faz mais palestras, principalmente em universidades. “Neste ano já fiz três. A última foi no colégio Sagrado Coração de Ribeirão Preto. As próximas serão na Feira do Livro de Paraty, no Congresso da Abraji [Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo] e na Semana de Comunicação da ECA [Escola de Comunicações e Artes], na USP”, revela. “Minha fala é sempre a mesma: o meu trabalho de reportagem sobre os temas da injustiça social, violência e direitos humanos”, diz.

Barcellos nem sempre cobra. “Faço a maioria de graça. Há um mercado profissional para palestra, com muitas agências, mas a imprevisibilidade do trabalho na reportagem dificulta assumir outros compromissos”, lamenta.

ELAINE CAMILO/TV GLOBO

José Roberto Burnier em reportagem no Chile, para o Fantástico, em julho do ano passado

Formando bons entrevistados

Repórter especial da Globo, José Roberto Burnier confirma que faz media training há 27 anos. “Não há conflito ético porque o modelo de treinamento que desenvolvi não é para driblar repórteres, fugir de perguntas difíceis, enganar, enrolar ou mascarar uma informação. Por falta de conhecimento mais apurado aqui no Brasil, muitos consideram, de forma equivocada, que o media training serve para se aprender a abafar, a ‘mentir com categoria’, a esconder a verdade. Certo é que ele serve para transformar uma pessoa num bom entrevistado, que todo mundo entenda de forma direta, clara e objetiva. Seja pra TV, jornal, rádio ou internet”, diz.

“Não ensino artimanhas, subterfúgios, ardis. Procuro mostrar o caminho de enfrentar qualquer tipo de pergunta com autenticidade e sinceridade. Eu sempre aviso antes: se sua empresa ou negócio tem um problema de origem, esse problema vai aparecer mais cedo ou mais tarde. E que eu não estou lá para ajudar a escapar desse tipo de ‘sinuca'”, completa o profissional.

Burnier tem alguns critérios para recusar ou aceitar um convite para media training. “Uma condição inegociável: qualquer que seja a área, se tiver alguma ligação com dinheiro público eu recuso. Só faço para a iniciativa privada”. Ele diz que a “demanda” depende muito da situação econômica do país. “Quando os ventos estão favoráveis faço dois, três por mês, em média, durante o ano”, conta.

O jornalista também faz palestras e atua como mestre de cerimônias. “Todos esses meus compromissos são previamente comunicados à direção da TV Globo. E não cubro jornalisticamente o cliente, não faço matéria sobre ele. Depois, se pautado, aviso que ele foi meu cliente e a Globo decide se isso é impeditivo ou não. Nunca foi. Uma coisa é certa: a pauta jamais parte de mim”.

Profissionalização da mentira

Ex-correspondente internacional, o repórter especial da Globo Marcos Uchoa confirma que, eventualmente, faz media training. Mas enfatiza que a atividade não visa ensinar executivos e políticos a mentir.

“Eu já fiz media training, sim. Mas faço muito pouco. Uns dois por ano e olhe lá. Como eu viajo muito, fica difícil. E esse mercado já está bem ocupado. Acho que lidar com a imprensa é algo relativamente comum na vida de muitas empresas e, mais do que um risco, é uma oportunidade a ser aproveitada para passar o seu lado da história. As agências que me contratam muitas vezes têm essa postura de temor e um excessivo cuidado com a imprensa. Eu, com certeza, não ensino a driblar repórteres. Aliás, muitas vezes [essa] é uma tática bem pior. Explico mais como ter uma boa convivência [com jornalistas] e como tirar o melhor dessa relação. É óbvio que para saber ‘vender o seu peixe’ qualquer pessoa ou empresa fará melhor se entender as necessidades e os interesses  dos jornalistas”, ensina.

Uchoa diz que se sente livre para “para ir contra certos cânones do media training tradicional”: “Sou muito contra a profissionalização da mentira. Até porque, no fim das contas, como nossas avós diziam com tanta sabedoria, mentira tem perna curta”.

RAMÓN VASCONCELOS/TV GLOBO

William Waack: jornalista cobra caro de empresas, mas também fala de graça para escolas

Sem media training

Já William Waack, âncora do Jornal da Globo, se recusa a fazer media training. “Nem dou qualquer tipo de consultoria nesse setor”, avisa. “Dou palestras e atuo como mediador de debate. Minhas palestras versam sobre política internacional, cenário político e econômico atual. Só aceito pagamento, sempre mediante nota fiscal, de entidades privadas ou públicas de direito privado”, diz.

Waack é especialista em assuntos militares e gosta de compartilhar seu conhecimento. “Sem cobrar nada, dou palestras e participo de debates, eventos e cursos de treinamento, como cobertura de conflitos, por exemplo, para instituições públicas como escolas, universidades, Forças Armadas ou entidades de colegas jornalistas”, afirma.

Sem conflitos éticos

O Notícias da TV tentou falar com Carlos Tramontina, Chico Pinheiro e Christiane Pelajo, sem sucesso. Por meio de sua área de Comunicação, a Globo disse não ver conflito ético nos treinamentos oferecidos por seus colaboradores. “Os jornalistas que têm essa atividade nos põem a par, dizem quem são os clientes, de modo a não serem pautados em reportagem que os envolvam, e não fazem media training para driblar nada, mas para ensinar a como se comportar e falar em público, nunca a mentir.”

 

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