A morte do torturador Fleury pelos militares

O assassinato mais enigmático, estranho, perpetrado por militares foi a do torturador Sérgio Fernando Paranhos Fleury, o delegado Fleury. Ele se destacou como chefe do Esquadrão da Morte, que executava delinquentes. Pelo menos era o que se dizia. No entanto, a verdadeira história foi contada pelo então procurador da Justiça do Estado de São Paulo, Hélio Bicudo, atualmente com 91 anos, no livro “Meu Depoimento sobre o Esquadrão da Morte”, escrito em 1976, com prefácio de Ruy Mesquita, diretor do Estadão (falecido em 21/5/2013, aos 88 anos).

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Bicudo, na Introdução, revelou a verdadeira face dessa facção de extermínio: “E o ‘Esquadrão da Morte’, depois de resvalar para a pura satisfação de interesses pessoais ou de pequenos grupos sequiosos de poder, passou na verdade a servir de interesses de quadrilhas de entorpecentes, de jogo e de prostituição, através de grupos de proteção”.

Mestre em tortura, Fleury passou para o Dops, agora prendendo e torturando presos políticos. Vários deles foram assassinados em suas mãos. Com o tempo foi afastado do cargo e faleceu no dia 1º de maio de 1979, aos 45 anos. Segundo a versão oficial, em acidente no seu iate em Ilha Bela, morrendo afogado.

Ao noticiar sua morte, o jornalista Luis Padovani, na Folha de 2 de maio, descreveu como se deu o acidente, baseado no Boletim de Ocorrência, concluindo: “O corpo foi levado para Santa Casa local, onde foi assinado o atestado de óbito, tendo o médico dispensado a autópsia”. Atitude estranha!

No mesmo jornal, Edson Flosi, no texto “Amado e odiado: herói ou torturador?”, fez essa surpreendente revelação: “[Fleury] Ficou muito rico, construiu uma mansão no Alto da Boa Vista, comprou um iate que lhe custou dois milhões de cruzeiros [dinheiro da época], apesar de sempre ganhar relativamente pouco na Secretaria da Segurança Pública”. Isto, tudo indica, foi uma das causas de seu suposto assassinato, como vamos ver a seguir.

No Número 4 de “Caros Amigos”, julho de 1997, em entrevista à Ana Maria Ciccacio, Hélio Bicudo assim se referiu à morte do torturador Fleury em 1979: “Foi queima de arquivo, sim. Ao ser posto no ostracismo por aquele processo de abertura do Geisel, o problema é que Fleury começou a falar demais. Não convinha aos órgãos de segurança que uma pessoa, a essas alturas com péssima imagem pública, porque usava drogas e bebia muito, saísse contando fatos que realmente não interessavam aos governos militares”.

Quinze anos depois, em maio de 2012, o ex-delegado do Dops na época da Ditadura, Cláudio Guerra, no livro “Memórias de uma guerra suja”, confirma essa versão de Bicudo.

Tales Faria, do IG Brasília, em 2/5/2012, no item “Queima de Arquivo”, relata: “O delegado Fleury tinha de morrer. Foi uma decisão unânime de nossa comunidade, em São Paulo, numa votação feita em local público, o restaurante Baby Beef”, afirma Cláudio Guerra”.

Ele, a seguir, cita vários militares, entre eles, o coronel Brilhante Ustra, que torturou a atriz Bete Mendes. Ustra abriu a reunião.

Adiante Cláudio Guerra afirmou: “Fleury tinha se tornado um homem rico desviando dinheiro dos empresários que pagavam para sustentar as ações clandestinas do regime militar. Não obedecia mais a ninguém, agindo por conta própria. E exorbitava. (…) Nessa época, o hábito de cheirar cocaína também fazia parte de sua vida. Cansei de ver”.

Tales Faria, no final, diz: “A história oficial é, de fato, que o delegado paulista morreu acidentalmente em Ilha Bela, ao tombar da lancha. Mas Guerra afirma que Fleury na verdade foi dopado e levou uma pedrada na cabeça antes de cair no mar”.

O torturador e ex-herói Fleury, ironicamente, foi morto por militares. Teve o mesmo fim que Alexandre Baumgarten, dono da revista O Cruzeiro (na penúltima  fase), e pelo mesmo motivo: “queima de arquivo”. Outra coincidência: morreram no mar!

(Tribuna da Imprensa)

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