Previsão pelo fim da escola

Sociólogo Michel Maffesoli prevê fim da escola; conheça a ideia de ‘iniciação’

Michel Maffesoli
Michel Maffesoli Foto: Didier Goupy
Bruno Alfano

Um tempo em que a emoção se torna mais importante do que a economia. Essa é a marca da pós-modernidade, definida pelo sociólogo francês Michel Maffesoli no livro “Homo eroticus”. E a educação, claro, sofre mudanças. É sobre essa nova relação entre professor e aluno que o pensador falará no encontro Educação 360, que será realizado pelos jornais EXTRA e “O Globo”, em parceria com o Sesc e a Prefeitura do Rio e apoio da TV Globo e do Canal Futura, na Escola Sesc de Ensino Médio, em Jacarepaguá, nos dias 23 e 24 do próximo mês. Em entrevista por e-mail, Maffesoli explicou que a escola, instituição desenvolvida desde o século 19, com a internet, dará lugar à “iniciação” das crianças, num retorno a formas tribais de socialização.

Quem é o “homo eroticus”?

Vivemos uma mudança de paradigma, como acontece a cada três ou quatro séculos. A assim chamada modernidade, ou tempos modernos, que começa no século 17 e termina em meados do século 20, foi dominada por uma concepção estritamente racionalista, científica, o que deu prevalência à economia e assegurou o triunfo do chamado “homo economicus”. Considero que aquela época está chegando ao fim e que entramos no que se pode chamar de pós-modernidade. A figura emblemática do que está em formação é o “homo eroticus”. Trata-se do retorno das emoções, do desejo em vez da necessidade, de se preocupar com o qualitativo na vida individual e social. Obviamente, essa mudança de paradigma terá consequências na educação, como em todas as instituições sociais.

Você já disse que a escola acabou. O que vai substituí-la?

A essência da educação moderna — segundo sua etimologia “educare”, que quer dizer conduzir para fora, trazer à tona — trata-se de levar a criança da barbárie à civilidade, da animalidade à humanidade. O livro de Jean-Jacques Rousseau (“Emile”) é o protótipo desta filosofia educacional. E é sobre ele que a instituição da escola tem se apoiado ao longo da modernidade. Mas o momento desta filosofia passou, devido ao desenvolvimento tecnológico. Internet e Wikipedia, redes sociais e fóruns de discussão, blogs, Twitter etc., tudo isso nos obriga a uma outra concepção da socialização da criança, não com base em uma imposição vertical, mas sobre um suporte horizontal.

Para pensar no que substituirá a escola, olhamos para o passado ou para o futuro?

O que substituirá a escola vertical é o estabelecimento de um sistema baseado em pequenos grupos. Já havia falado sobre o “Tempo das tribos”, tribos baseadas no intercâmbio, no processo geral de participação. Essa perspectiva de troca que acontece na internet já ocorreu no passado. E, ao mesmo tempo, é algo que vai constituir o futuro. É um “enraizamento dinâmico”, isto é, nos apoiarmos em fatos passados para pensar uma socialização focada no futuro. Lembro minha definição da pós-modernidade: “sinergia do antigo com o desenvolvimento tecnológico”. Ou seja, o efeito multiplicador entre o compartilhamento intergeracional e o compartilhamento de informações. A internet e as tribos.

O senhor afirma que o sistema educacional está apodrecido e propõe o conceito de “iniciação”, tema de sua palestra no Educação 360. A iniciação é o novo modelo de ensinar?

Na verdade, a socialização das novas gerações é o problema geral de qualquer espécie animal. Como integrar a energia jovem sem castrá-la. A educação como mencionei é uma dessas formas de socialização, aquela que dominou a modernidade. A iniciação poderia ser uma forma alternativa, que se via nas sociedades primitivas e que está renascendo atualmente. É neste sentido que eu desenvolvi a ideia de tribos urbanas como um modelo alternativo às instituições sociais construídas ao longo do século 19.

Na iniciação, qual é o papel do professor e do aluno?

Na iniciação, há um processo de interação entre o professor e o aluno. Talvez devêssemos dizer entre professor e alunos, porque, na verdade, o que está em jogo é o retorno do ideal da comunidade. Proponho a seguinte distinção: no modelo educacional, o professor tinha um poder que se impunha de cima; ele deve ter uma autoridade, e isso no seu sentido etimológico (autoritas), aquele que faz crescer. As novas gerações, pelo menos o que se observa na Europa, rejeitam o poder educacional e têm um verdadeiro apetite por autoridade iniciática.

Por que, em sua opinião, o Brasil é um laboratório da pós-modernidade?

A Europa foi o laboratório de modernidade por causa de características essenciais que constituíram essa época: o individualismo, o racionalismo, o liberalismo. Parece-me que o Brasil é, ao contrário, o laboratório da pós-modernidade, enfatizando a importância da comunidade, o papel dos afetos e emoções, o foco no presente. Podemos falar, no que diz respeito à pós-modernidade e ao Brasil, que a representa, em filosofia progressista, aquilo que antes chamei de enraizamento dinâmico. Ou seja, estar atento a estas raízes antropológicas que dão força inegável em direção ao futuro.

O Brasil nunca garantiu uma educação de qualidade para todas as suas crianças. Nosso desafio na iniciação é maior do que o de países com sistemas educacionais estruturados?

Temos de admitir que, em geral, as instituições sociais, depois de terem funcionado muito bem, podem se saturar. E isso de forma mundial. As fronteiras nunca conseguem parar grandes mudanças sociais, especialmente hoje, tendo em conta o desenvolvimento tecnológico e o processo de contágio epidêmico que esta tecnologia provoca. Assim, pode-se observar, a longo prazo, o movimento que existe da educação à iniciação. Acredito que todas as instituições de ensino, em qualquer país, vão ser contaminadas pelo desejo de iniciação que vem de baixo, isto é, de gerações mais jovens.

É papel da educação desenvolver a imaginação?

A sabedoria antiga baseava-se na conjunção entre a razão e a imaginação. A modernidade, ao contrário, se baseava na separação, na ruptura entre essas duas estruturas antropológicas que caracterizam a espécie humana. O que está em jogo atualmente é a renovação da ligação entre a razão e a imaginação. Foi o que resumi no livro “Elogio da razão sensível”. Essa conjunção foca não apenas num pedaço do indivíduo, concepção esquizofrênica, mas, na pessoa como um todo. O indivíduo racional isola e se isola. Enquanto a pessoa, plural, jogando de acordo com o racional e o emocional, foca na comunidade na qual ela tem origem, no território onde vive e lá desenvolve uma sabedoria “da casa comum”, que eu chamo de “ecosofia”.

 

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