Enem e desenvolvimento
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação |
As baixas médias no ENEM nas escolas públicas (91% abaixo da média) ratificam o que já se sabe faz anos no Brasil. Ou nossos professores não sabem ensinar ou nosso modelo de ensino precisa mudar.
Nesta semana foi divulgado o resultado do ENEM 2015, cujos indicadores agregados ajudam a montar uma radiografia da qualidade do ensino no Brasil, ao que se soma ao IDEB 2015 divulgado anteriormente. O ENEM, diferente do IDEB, não foi criado para produzir um índice evolutivo da qualidade do ensino, mas sim para prover uma nota de avaliação para cada participante e, entre outras coisas, permitir o acesso dos mesmos às instituições de ensino superior. Como fazem o ENEM praticamente todos os estudantes concluintes do ensino médio, ele acaba servindo também como base para comparações.
E o que isto tem a ver com desenvolvimento? Desde os anos 1960, os economistas vêm dando cada vez mais importância ao componente chamado “capital humano”, que sintetiza os efeitos de aprendizado e capacidades na realização de um trabalho. Modernamente se admite que este efeito é um dos principais motores do crescimento, e explica porque várias economias ao longo das últimas décadas investiram pesado em educação como forma de superar os estágios do crescimento econômico.
O Brasil não ignorou esta tendência e também investiu muito em educação. Muito mesmo. Desde os anos 1990, com a mudança nas competências administrativas do ensino fundamental e médio, e com a ampliação dos investimentos nesta área, nós progredimos muito nos indicadores básicos. De fato, já no ano de 2000, o crescimento na escolaridade média foi o principal fator que explicou nosso grande crescimento no IDH, fato que se repetiu com menor intensidade também no IDH 2010. Quando se observa um indicador de capital humano, como por exemplo o disponível na Penn World Table, isto fica bem evidente. Comparando o crescimento do estoque por pessoa de capital humano no Brasil versus Estados Unidos entre 1951 e 2014, temos que evoluímos 110% e eles apenas 43%. Ponto para nós. Mas está longe de ser suficiente pois eles ainda estão 35% na nossa frente, mesmo com o Brasil tendo crescido três vezes mais que eles nos últimos 60 anos.
Mas o que importa no final das contas é produtividade. E na produtividade ainda estamos longe. Não que não tenhamos evoluído, os dados da The Conference Board mostram que também entre 1951 e 2014, crescemos 201% contra apenas 183% dos americanos, porém nossa produtividade ainda é um quarto da deles. Isso evidencia ao menos duas coisas: uma que a diferença de produtividade entre as economias desenvolvidas e as periféricas já era gigantesca nos anos 1950 como previa Celso Furtado, e a segunda é que tem algo estranho nesta relação entre capital humano e produtividade no Brasil.
Este algo, ao que tudo indica, é a qualidade do ensino. Nada errado com a teoria do capital humano, mas os indicadores são construídos em cima de estatísticas como anos de escolaridade e nível educacional, eles supõem que há homogeneidade no ensino entre os países e isto não se sustenta. No Brasil, por exemplo, é notório que o crescimento da oferta de ensino ocorreu com perda significativa de qualidade. Todos os indicadores, nacionais (IDEB, Prova Brasil, ENEM) e internacionais (PISA) sugerem que a qualidade de nosso ensino é muito ruim. Mesmo com a recente criação de metas, quase nade se resolveu pois quase ninguém consegue chegar na meta, que já é baixa. Mesmo os que chegam têm pouco a comemorar, pois o esforço apenas conduziu o cenário de muito ruim para ruim, longe dos padrões de excelência.
O ENEM mostra o mesmo que o IDEB, mas por pessoa, e as baixas médias no ENEM nas escolas públicas (91% abaixo da média) ratificam o que já se sabe faz anos no Brasil. Ou nossos professores não sabem ensinar ou nosso modelo de ensino precisa mudar. Na economia não há concessões, quem não melhora produtividade fica para trás, não tem recuperação nem apoio motivacional. É simples assim!