Com reforma previdenciária, Temer chamará povo para briga

Por: Tereza Cruvinel

José Cruz/Agência Brasil

Por que Temer vai enviar a Reforma da Previdência ao Congresso nas vésperas do recesso, se ela só começará a ser examinada no ano que vem? Simples. Dezembro, mesmo em tempos de crise, é um mês desmobilizador. Pensando em férias, Natal, viagens, ainda que não haja dinheiro para presentes, as pessoas prestarão menor atenção na tungada previdenciária, que afetará todos os trabalhadores e em particular, viúvas, funcionários públicos, trabalhadores rurais, velhos desamparados, pessoas com deficiência, professores, PMs, bombeiros, militares. O que o governo tenta, com esta apresentação antecipada do que não será nem discutido agora, é reduzir o impacto da proposta e evitar os protestos que, pela vastidão do público atingido, serão mais amplos que os provocados pela PEC 55, que vem encontrando nos estudantes a maior resistência organizada.

Em dezembro, às voltas com MPs não votadas e com a aprovação do Orçamento de 2017, o máximo que o Congresso fará com a reforma previdenciária será instalar a comissão especial da Câmara. Mas como não haverá tempo sequer para a apresentação de emendas, nem o prazo dos interstícios o governo ganhará. O que Temer quer é camuflar a reforma entre os arranjos natalinos.

Diferentemente da PEC 55, que alcança a todos mas de forma generalizada, na medida em que congela linearmente o gasto com todas as políticas de Estado, a reforma previdenciária tem endereços  sociais muito claros. E isso fará a diferença nas mobilizações contra sua aprovação. Preparem-se os congressistas para ter os salões e galerias invadidos por gente revoltada com o governo que prometeu melhorar o país e está piorando a vida de todos. Quando ela começar a ser discutida, e a população perceber a extensão dos sacrifícios, a cobra vai fumar.

Para um governo impopular e contestado nas ruas, que vem afundando a economia e ainda se permite ser complacente com violações éticas, como a do ministro Geddel, a reforma previdenciária que será apresentado é um chamado ao povo para a briga.

Vejamos os públicos atingidos, no geral e em particular.

Todos os trabalhadores  – A idade mínima para aposentadoria passará a ser de 65 anos, para homens e mulheres,  mesmo que o contribuinte complete muito antes seu tempo de contribuição (hoje de 35 anos para o homem e de 30 anos para a mulher). Haverá regra de transição para os que ainda não se aposentaram e já completaram 50 anos (homens) ou 45 anos (mulheres). Quando completarem o tempo de contribuição, terão que trabalhar a metade do que falta para atingir a idade mínimo. Ou seja, um homem de 50, que já contribuiu 35 anos, terá que trabalhar metade dos 15 anos que faltam para os 65. Ou seja, mais 7 anos e meio.  Dá para imaginar o vastidão das insatisfações com a reforma.  E ficará pior daqui a alguns anos: o governo pretende fixar um prazo para que a idade mínima passe de 65 para 70 anos. Haverá também mudança no cálculo de aposentadoria, de modo que só se atingirá o teto aquele que continuar trabalhando depois de cumpridos o tempo de contribuição e a idade mínima, ganhando um bônus por cada ano a mais trabalhado.

Mulheres – As mulheres são especialmente penalizadas com a fixação de uma idade mínima comum de 65 anos para os dois sextos. Perderão principalmente as que ainda não completaram 45 anos. A Constituição garantiu a aposentadoria com cinco anos a menos para as mulheres considerando a dupla jornada que enfrentam, trabalhando foram, criando filhos e cuidando da casa. Agora vem esta “igualdade”, embora as mulheres continuem ganhando menos que os homens pelas mesmas tarefas.

Funcionários públicos – Hoje eles se aposentam com salário integral e seus vencimentos acompanham os salários dos que estão na ativa, com exceção dos que ingressaram no serviço público depois de 2003 (reforma de Lula).Agora, todos terão seus vencimentos corrigidos apenas pela inflação. Dá para imaginar o barulho que farão.

Trabalhadores rurais – Hoje eles não precisam contribuir para se aposentar, bastando comprovar o tempo de trabalho no campo. A reforma exigirá que tenham contribuído. Os que estão no meio do caminho, com entre os 50 e 60 anos, ficarão a ver navios.

BPC – Idosos pobres e pessoas com deficiência – Se alguma política merece o nome de rede de proteção social é esta. O BPC, ou Benefício de Prestação Continuada,  não é uma aposentadoria. É um benefício de um salário-mínimo que o Ministério do Desenvolvimento Social paga a idosos com mais de 65 anos, que nunca contribuíram com o INSS, e a pessoas com deficiência. Mas para recebê-lo, a renda per capita familiar não pode passar de um quarto do salário-mínimo, ou R$ 220.  Ou seja, é preciso ser muito pobre mesmo. O governo vai desvincular este benefício do salário-mínimo, garantindo a correção apenas pela inflação. Ou seja, dentro de alguns anos este público pobre e desvalido vai receber realmente um bolsa-esmola,  bem menor que o salário-mínimo.

Viúvas do INSS – A pensão por morte, paga a viúvas (e bem menos a viúvos, pois até há poucos anos as mulheres eram minoria no mercado de trabalho e entre os contribuintes do INSS) vai ser cortada em 50%.   Supõe-se que o direito adquirido das pessoas que já recebem o benefício será respeitado. As pensões por morte deixarão de ser atreladas ao salário-mínimo, passando a ser corrigidas apenas pela inflação. Se o beneficiário viver muitos anos, verá o esfarelamento do valor da pensão.

Contribuintes tardios    – Muitos trabalhadores que passaram a vida na informalidade começaram a contribuir tarde, quando tiveram a carteira assinada ou descobriram que deviam contribuir como autônomos. Podiam se aposentar aos 60 anos (mulher) ou aos 65 (homem) desde que cumprido um tempo mínimo de 15 anos de contribuição. Este tempo agora vai subir para 20 anos, prejudicando os que, por terem sido explorados, como milhões de domésticas, por exemplo,  entraram tarde no sistema.

Professores , PMs, militares e bombeiros –  Os professores podem se aposentar com cinco anos a menos de tempo de contribuição (25 anos para mulheres e 30 para homens). Agora terão de seguir as mesmas regras válidas para os demais trabalhadores. Embora os PMs e bombeiros sejam empregados dos estados federados, que têm a prerrogativa de fixas as regras para seu funcionalismo, o governo fixará idade mínima de aposentadoria para eles. Já os militares hoje  podem pedir passagem para a reserva aos 30 anos de serviço. Este tempo vai subir para 35 anos.

É esperar para ver. O tempo vai fechar para Temer.

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