O que aconteceu com a nova classe média: o adeus à carteira de trabalho

Do período de ascensão de Deyvid à classe C, restou a casa própria, quitada com a rescisão
Do período de ascensão de Deyvid à classe C, restou a casa própria, quitada com a rescisão 
Rafaella Barros

O emprego como contramestre de solda num grande estaleiro deu lugar ao de auxiliar de lavanderia, sem carteira assinada. A renda familiar de mais de R$ 4 mil desabou para pouco mais de um salário mínimo (R$ 880). As consultas e os tratamentos médicos — antes feitos pelo plano de saúde — agora são precariamente supridos pelo SUS. Essas são algumas das perdas que Deyvid Silva, de 35 anos, sofreu desde que ficou desempregado, em novembro de 2015. Mas ele não está sozinho. Há 3,6 milhões de brasileiros que viram o sonho da ascensão econômica se transformar no pesadelo da queda na qualidade de vida conquistada com suor nos últimos anos. São essas histórias que o EXTRA começa a contar hoje, numa série de seis capítulos.

A nova classe média abrange as famílias que, entre 2003 e 2014, ascenderam à classe C e passaram a usufruir de bens e serviços aos quais, até então, não tinham acesso, como emprego formal, faculdade, casa própria… A partir de 2015, porém, essas conquistas e o aumento real da renda familiar foram pulverizados pelo impacto da crise econômica.

Deyvid exemplifica bem o que é considerado pelo economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), o principal símbolo da nova classe média: o emprego com carteira assinada.

— O estaleiro tinha contratos com empresas que prestavam serviços à Petrobras. Construíamos navios de apoio às plataformas. Mas a empresa não conseguia mais contratos, Então, fechou. Desde que saí, não consegui mais ter a carteira assinada. Peguei bicos fora da minha área para compor a renda. A vida econômica mudou. Nós saímos menos. Não fazemos mais compras grandes, para o mês, no supermercado. Eu e minha mulher ainda estamos tentando ter filho. Com o plano, tínhamos a possibilidade de fazer o tratamento. Agora, até estamos conseguindo, mas pelo SUS.

Maior impacto na renda

A perda do emprego é, porém, apenas a ponta do iceberg. Adriano Pitoli, sócio da Consultoria Tendências, chama a atenção para o impacto no orçamento dessa parcela da população:

— A perda de renda média dos (trabalhadores) ocupados tem um efeito até maior do que a perda do emprego. Parte dessas pessoas foi para o mercado informal. Então, não necessariamente elas estão desempregadas.

Raquel perdeu o emprego em uma clínica de medicia ocupacional, mas está dando a volta por cima como maquiadora
Raquel perdeu o emprego em uma clínica de medicia ocupacional, mas está dando a volta por cima como maquiadora Foto: Arquivo pessoal

Foi o que aconteceu com Raquel de Oliveira, de 30 anos, de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense. Em março, a clínica de medicina ocupacional que ela gerenciava fechou. Os 19 funcionários foram para a rua.

— Recebíamos muitos trabalhadores da construção civil. A falta de emprego impactou a clínica, que fazia exames admissionais, periódicos e demissionais. Atendíamos de 70 a 80 pessoas por dia e passamos a atender 30.

Desempregada, Raquel mudou de ramo, aproveitando um curso de maquiadora que tinha feito anos antes, no Senac. A renda, porém, está longe da que tinha no emprego, que também lhe dava garantias trabalhistas que, hoje, não existem mais.

Larissa Meiglin, supervisora de assessoria de carreira da Catho, avalia, no entanto, que atitudes como essa são válidas:

— Não se deve pensar: tenho 15 anos de trabalho e vou estragar minha carreira se pegar outra que não tem nada a ver com meu ramo de atuação.

Confira os números sobre o mercado de trabalho

 

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