Nada de imagens sacras enfileiradas num altarzinho, no quarto. No apartamento de Vera Holtz, em São Paulo, bonecos de Batman, Homem-Aranha, Hulk e Homem de Ferro, entre outros tantos, organizam-se perto da entrada principal, revelando a devoção da atriz de 64 anos pelas histórias em quadrinhos. Com uma alegria contagiante, quase infantil, nos bastidores, Vera nem de longe lembra a obscura Magnólia de “A lei do amor”. Se na ficção a socialite se faz de santa, ocultando perversidades com um terço à mão, a artista, gente boa que só, expõe sua visão de mundo com muita verdade.
— Eu tive formação católica, mas fui em busca de outros rumos, fiquei meio andarilha na vida. Acho que todas as religiões exigem uma prática diária, semanal ou mensal. Como não tenho muita rotina na vida, não consigo me dedicar a uma — conta a paulista de Tatuí: — Minhas irmãs continuam católicas praticantes, mas eu já não consigo acreditar naquele Deus que me apresentaram: semelhante ao homem, mas com superpoderes. Super-heróis, para mim, só os da Marvel, de que sou fã.
E pensar que, quando criança, Vera cogitou se tornar freira…
— É que eu achava bonitos os rituais da Igreja, que é muito teatral. Tem a luz, os personagens (padre, madre, coroinhas), a indumentária, as cores, os adereços todos. A missa é um espetáculo! Sem contar o lado místico dos dogmas. Fiquei seduzida por esse universo durante um tempo, mas rompi com tudo isso quando saí de casa, jovenzinha.
Se as crenças não são mais as mesmas de antigamente, permanece o zelo pela família ítalo-alemã Fraletti Holtz. Hoje dona da centenária casa em que passou a infância, Vera a utilizou como cenário de um longa-metragem biográfico, rodado em setembro do ano passado, sob a direção de Evaldo Mocarzel. No filme, caracterizada como Terezinha, sua mãe, a atriz revive histórias, brincadeiras e músicas do passado na companhia das irmãs Regina, Rosa e Teresa.
— No dia seguinte à morte da minha mãe, me vesti como ela e sentei no sofazinho de casa. Quando a moça que trabalha lá chegou, levou um susto, achando que fosse a própria — relembra Vera sobre a impressionante semelhança física com sua genitora: — Pedi para guardarem umas peças de roupa, sapatos e bobes dela, mas nem imaginava que um dia fosse produzir um documentário sobre a gente. Nossas memórias renderam uns 80 minutos, e foi uma experiência muito especial. O filme vai se chamar “As quatro irmãs” e eu pretendo exibi-lo em festivais.
A caçula, Regina, de 62 anos, conta que desde pequenina a irmã famosa demonstrava talento para repetir os trejeitos alheios.
— A todo lugar que ia, Vera ficava só observando as pessoas. Depois, chegava em casa e as imitava. Desta vez, como ficou parecida com mamãe! Foi uma volta à nossa infância, um reencontro muito comovente com ela — detalha a professora de Matemática, ressaltando o cuidado que a atriz tem com a família: — Para a gente, ela está sempre disponível, por mais ocupada que seja. Tem uma relação muito próxima com os sobrinhos, é extremamente carinhosa, gosta de olhar por todo mundo.
Filhos, no entanto, nunca estiveram nos planos de Vera. Apesar de experimentar com frequência personagens maternais na ficção — até hoje, ela é chamada nas ruas de Mãe Lucinda, carismática catadora de lixo de “Avenida Brasil” (2012) —, a veterana diz não se encaixar nesse papel na vida real:
— Eu tinha 14 anos quando virei para minha mãe e disse: “Não espere netos vindos de mim. Não quero me casar nem ter filhos. Vou viver da minha profissão, trabalhar e não dar trabalho para ninguém”. Tem gente que vem me perguntar se eu não sinto falta. Como, se eu nunca quis? Isso não é uma questão. Instinto maternal, umas têm, outras não.
Casar-se de véu e grinalda também não era um sonho para aquela moça do interior, que se adaptou às grandes metrópoles sem perder a originalidade do sotaque caipira.
— Nunca quis me fantasiar para, num ritual, me unir a alguém. Sim, porque vestido de noiva nada mais é do que uma fantasia… Isso realmente nunca me estimula ou motiva. Mas nada contra, cada um que viva sua vida como queira — opina, afirmando que nunca se sentiu efetivamente casada com alguém: — Mas todas as vezes em que me relacionei, estive profundamente ligada a eles. Hoje, todos os meus ex-companheiros são meus amigos, não abro mão. Continuamos compartilhando nossas descobertas e criações. Amor é isso.
Assim como Magnólia vive, na novela das nove, um romance com Ciro (Thiago Lacerda), bem mais novo que ela, Vera também já se interessou por jovens ao longo de sua vida amorosa:
— As pessoas nos olhavam com certo preconceito. Geralmente, achavam que eu era a mãe do meu par: “Que bonito o seu filho!”. Eles se revoltavam: “Não sou filho dela, sou namorado!”. Eu não contrariava, só achava graça. É fundamental levar a vida com bom humor.
Atualmente solteira e “pronta para se apaixonar de novo”, a atriz tem se divertido com a fase “pegadora” na TV. Casada com Fausto (Tarcísio Meira), Mág se revelou amante de Ciro há anos e, ao mesmo tempo, mantém um fogoso caso com Tião (José Mayer). Está ou não está podendo?
— Ainda catei Maurício Destri na primeira fase da novela (o ator interpretou Ciro na juventude). Como se vê, o negócio não está fácil para mim (risos)! Eu, uma atriz longeva, começar a pegar assim na minha idade é quase uma libertação de qualquer moral que possa existir. Acho vital essa energia sexual — diz ela, revelando-se, em seguida, tímida nas cenas mais quentes: — Eu morro de vergonha! Desde o meu primeiro beijo na TV, em “Que rei sou eu?” (1989), no Tato Gabus Mendes. Fico muito sem graça mesmo! Zé (José Mayer) está acostumado, já beijou muito, é um galãzão. Só que eu nunca fui “galoa”…
Mas quem disse que a autoestima está em baixa? Sessentona, Vera nunca se sentiu tão poderosa quanto agora.
— Acho que não tinha feito um trabalho em que eu me sentisse tão linda! Não acredito em modéstia. Quando não estou bem, sou a primeira a falar. Tenho muito respeito pela Vera Holtz e pela idade que ela tem. O cabelo está bonito, a pele está ótima, e eu agradeço todo dia à equipe de maquiagem e caracterização de “A lei do amor”. Não sei como vai ser a minha vida pós-Magnólia, que é toda lindinha — celebra.
Autor da novela ao lado de Maria Adelaide Amaral, Vicent Villari também se rende ao poderio da atriz:
— Quando vestimos Magnólia em Vera, descobrimos muitas coisas sobre a personagem. Sua personalidade forte trouxe muita substância a Mág.
Enquanto grava a novela no Rio, Vera Viral — alter ego da atriz, fotografada em performances das mais curiosas nas redes sociais — fica de férias.
— Ela só existe em São Paulo, naquele reduto. Neste momento, meu processo criativo está todo voltado para Mág. Quando acabar, pode ser que as fotos do Instagram sejam reunidas numa exposição ou num livro, já houve convites — revela.
Nesta temporada carioca, Vera aproveita para recarregar as energias num esconderijo perto da natureza.
— Meu apartamento no Jardim Botânico é de fundos, fica no subsolo. Sou de movimento, mas também preciso de solidão. Estou sempre muito feliz, mas às vezes fico nublada. E me escondo ali no silêncio da minha batcaverna (risos). Tenho muito a ver com o Batman, meu super-herói favorito. Até no visual somos parecidos: só usamos preto e adoramos uma botinha estilosa — compara, abrindo o indefectível e iluminado sorrisão.
Nova dobradinha como mãe e filha
“Eu e Vera nos aproximamos ao dividir o camarim da peça ‘Palácio do fim’, com direção do Zé Wilker. Logo em seguida, fomos fazer a novela ‘O rebu’, em que vivíamos mãe e filha. Agora, retomamos esses papéis. Nossa relação é mesmo muito próxima, no trabalho ou fora dele. Tenho profunda admiração por Vera, que é uma atriz de muita força e uma pessoa grandiosa. Onde ela entra, o ambiente se enche de alegria. Alegria é a melhor palavra para defini-la. Que mulher animada, inteligente! Que ser humano encantador!” (Camila Morgado)
Fotos exclusivas na parede de casa
“Curto e sigo o Instagram de Vera. Um dia, vi uma foto inédita dela fora da galeria e pedi pra mim. Disse que queria ter na parede da minha casa uma obra assinada por Vera Holtz — que também é artista plástica, para quem não sabe. Aí ela, linda, mandou ampliar e emoldurou para me presentear duas versões dessa foto que eu amei. E estão lá, são o sucesso da minha decoração! Tenho o maior orgulho, é uma honra poder tê-la ali e admirá-la. Todo mundo adora o jeito de Vera se expressar, seu modo performático e questionador. Não é à toa que as fotos dela são tão legais”. (Reynaldo Gianecchini)