Jon Jones, Vettel, Cristiano, Pato: a era dos ídolos vaiados
No fim de semana passado, o americano Jon Jones travou uma verdadeira batalha com o sueco Alexander Gustafsson no UFC 165, em Toronto. A luta, apontada por alguns como a melhor da história do UFC, foi marcada por um recorde: Jones passou a ser o campeão mais bem-sucedido de sua categoria, com sete defesas de cinturão. Horas depois, no outro lado do mundo, o alemão Sebastian Vettel voltou a vencer na Fórmula 1, dominando o GP de Cingapura e ficando mais próximo da conquista de seu quarto título mundial consecutivo. Jones e Vettel são jovens fenômenos, dois dos melhores atletas das últimas décadas. Vê-los em ação ao vivo é um privilégio para qualquer torcedor. Mas tanto o americano como o alemão levaram para casa não apenas um prêmio por seus triunfos: carregaram também o peso incômodo das vaias que tiveram de ouvir na hora de festejar. Só não foi pior porque ambos estão acostumados. Jones, primeiro colocado no ranking peso-por-peso do UFC, já se habituou a lutar com a torcida apoiando seu adversário – qualquer que seja ele -, e Vettel, dono de 32 vitórias e 41 pole positions na carreira, já sabe que o pódio é hora não só de champanhe, mas também das provocações de parte dos torcedores. Quem examina o histórico dos campeões à procura de vexames ou escândalos que justifiquem tamanha hostilidade encontra apenas histórias de dedicação e talento. E eles não estão sozinhos: cada vez mais, a reverência dá lugar à implicância na relação entre os fãs e os grandes nomes do esporte.
Ídolos que dividem os fãs não são nenhuma novidade, é claro: no boxe, os explosivos Muhammad Ali e Mike Tyson jamais foram unanimidades, assim como John McEnroe no tênis e Diego Maradona e Romário no futebol. O traço em comum entre todos eles – sem contar o talento inegável em suas modalidades – era o temperamento forte, que volta e meia motivava declarações e atitudes controversas. O que mais causa surpresa na seleção dos craques mais vaiados da atualidade é que eles não se encaixam no antigo perfil do “bad boy” do esporte. Pelo contrário: alguns dos “sacos de pancadas” dos torcedores, como Cristiano Ronaldo, LeBron James e os próprios Jones e Vettel, são profissionais dedicados e pacatos, que cumprem seus compromissos sem grandes estrelismos e não costumam protagonizar maiores encrencas na vida privada. O problema, no caso deles, é outro. Se deram a sorte de viver numa época em que o esporte produz milionários da noite para o dia – nunca essa atividade pagou tão bem quanto hoje -, têm de arcar também com o enorme peso de seu sucesso nos campos, quadras, pistas e octógonos. A palavra-chave para entender sua inusitada situação é “superexposição”. Na mira dos meios de comunicação 24 horas por dia, eles têm todos os seus passos monitorados – e cada uma de suas atitudes é discutida à exaustão através das redes sociais. Twitter, Facebook e Instagram, aliás, são instrumentos potentes e perigosos nas mãos desses astros. São excelentes meios para se aproximar dos fãs, algo que não existia nos tempos de super-heróis como Pelé e Michael Jordan. São, também, terreno fértil para as mais hostis manifestações contra os grandes ídolos.
Nesse quesito, uma das vítimas mais frequentes é o atacante Alexandre Pato, do Corinthians e da seleção, maior contratação da história do futebol brasileiro (40 milhões de reais). Jovem, promissor e dedicado, é visto como um exemplo tanto dentro do clube como na equipe do técnico Luiz Felipe Scolari. Pato, porém, tem sofrido para achar o caminho do gol. Enquanto trabalha para recuperar sua melhor forma, é bombardeado nas redes – tudo por tentar ser um usuário comum dessas ferramentas. Se posta uma foto com os amigos e a namorada, ouve dos fãs mais exaltados que é preguiçoso e deveria estar treinando mais. Se escreve sobre sua expectativa antes de um jogo importante, é ameaçado em caso de mau desempenho. Colega de ataque de Pato, Emerson Sheik é outro que experimentou a fúria dos próprios torcedores depois do fatídico episódio da foto do selinho num amigo. Se antes seus tuítes provocadores contra as equipes rivais faziam os corintianos vibrarem, agora é o atleta o alvo das alfinetadas. Pior ainda é o fato de que Pato e Sheik não são xingados apenas nas redes. A antipatia contra a dupla foi transportada também para os gramados. Isso também é reflexo, evidentemente, do momento vivido por eles: o Corinthians atravessa uma fase difícil e os mais fanáticos aproveitam qualquer oportunidade para extravasar sua frustração. Há menos de um ano era a vez de Neymar ser castigado na internet – uma seca de gols transformou o principal jogador brasileiro do momento em “cai-cai”, “pipoqueiro” e “amarelão”. O título da Copa das Confederações e o ótimo desempenho recente do craque amenizaram as críticas, mas os detratores de Neymar ainda formam uma legião numerosa na internet.
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Neymar viveu uma crise de imagem no início deste ano, mas reverteu a situação com uma Copa das Confederações brilhante pela seleção
Antipatia – O novo camisa 11 do Barcelona já deve se preparar para ser alvo da antipatia de mais torcedores na Espanha, onde a rotina dos craques da estrelada liga local é seguida de perto e a todo momento. O país tem menos de 50 milhões de habitantes, mas conta com quatro grandes diários dedicados exclusivamente ao esporte. Mesmo com a chegada de Neymar, será difícil tirar os holofotes de Cristiano Ronaldo, o jogador mais bem pago – e mais cornetado – do planeta. Apontado por técnicos e companheiros como modelo de profissional, Cristiano nunca se envolveu em nenhuma grande encrenca, mas sua imagem de jogador mimado, arrogante e vaidoso já está consolidada na cabeça de milhões de torcedores. Afinal, se depois de cada jogo as notícias são sobre seus gols (ele tem média de um por partida no Real Madrid), no resto da semana os assuntos passam a ser seus carrões, suas roupas de grife e seus cortes de cabelo. Assim como no caso das redes sociais, a antipatia por Cristiano costuma extravasar as telas de computador e chegar às arquibancadas – o jogador não passa um jogo sequer sem ser provocado pela torcida rival. É assim também com o número 1 de outra modalidade popular em todo o planeta: LeBron James, do Miami Heat, não tem rivais quando se discute quem é o melhor jogador de basquete da atualidade, mas isso não quer dizer que ele seja aclamado por onde quer que passe. LeBron, o queridinho da liga de basquete americana, é um caso parecido com o de Cristiano: é um atleta extraordinário e carismático, mas acaba atraindo a antipatia de muita gente por causa da exposição excessiva, seja na imprensa, seja no marketing esportivo.
Esse segmento, aliás, é um dos fatores-chave para se entender a rejeição a alguns supercraques. Transformados em garotos-propaganda de dezenas de marcas ao mesmo tempo, eles correm o risco de desgastar sua imagem perante o torcedor e o consumidor. Um dos argumentos mais usados para atacar Neymar nos meses que antecederam sua saída do Santos era justamente o excesso de compromissos publicitários – algo que rendeu muito dinheiro ao atleta, mas também deixou o torcedor cansado de ver seu moicano (que já foi aposentado) ilustrando anúncios de cuecas, baterias automotivas e talco para o pé. No MMA, Jon Jones é um dos raros atletas com patrocinadores de primeiro escalão, que não se restringem aos produtos de nicho, como açaí, suplementos alimentares e quimonos. O americano entrou para sua última luta com as marcas da Nike e da Gatorade em seu calção. Para ele, garantia de conta bancária recheada; para os fãs mais antigos, a impressão de que o lutador perdeu parte de sua autenticidade ao virar um fenômeno comercial. O que incomoda ainda mais fãs do UFC é a sensação de que, assim como LeBron na NBA, Jon Jones é o astro “oficial” do torneio, uma figura de idolatria quase obrigatória, sempre paparicada pelos dirigentes e colocada acima dos demais atletas – e não só pelo talento, mas também pelo potencial de marketing. Para complicar ainda mais sua situação, Jones costuma errar no tom na hora de comentar suas façanhas. Quando não apela para uma falsa modéstia, exagera na autoconfiança. Assim como o alemão Vettel, com seu ar de prodígio e sorriso de menino que consegue tudo o que quer, Jones não desperta nenhuma identificação com o torcedor comum. E entrar no octógono com uma camiseta Nike chamando a si próprio de “sobrehumano” não ajuda em nada.
Fonte: Veja