Mato Grosso, o Estado rico onde os escândalos políticos “monstruosos” se sucedem
Corrupção tem como protagonistas ex-governador Silval Barbosa, e ex-deputado José Riva, o maior ficha-suja do país. Delação de Barbosa é “monstruosa”, segundo ministro Luiz Fux
Se há algo em que o Mato Grosso se parece cada vez mais com o Brasil é na quantidade de escândalos de corrupção. Deputados filmados carregando dinheiro de propina. Governadores investigados por esquemas de distribuição de recursos ilícitos. Conselheiros de Tribunal de Contas afastados judicialmente. Uma gama de irregularidades que acaba transformando o ainda próspero Estado em um retrato do país.
Localizado no Centro-Oeste brasileiro, Mato Grosso está dentro do chamado celeiro agrícola. É a 11ª economia nacional e, ao contrário de boa parte das 27 unidades da federação, celebra crescimento econômico, surfando nos ventos da soja e da produção de gado, das poucas áreas que passaram quase ilesas pela recessão econômica dos últimos dois anos. Projeções otimistas apontam para um crescimento de 5% da economia do Estado, com ajuda da supersafra agrícola esperada neste ano. Enquanto isso, o Brasil deve se contentar com uma mirrada expansão de 0,7% do PIB. Só em 2014, o Estado movimentou 101,2 bilhões de reais, segundo o IBGE.
Mas enquanto a economia anda descolada do resto do país, não se pode dizer o mesmo do termômetro de escândalos que permeiam a política. O esquema ilegal que grampeou milhares de telefones no Mato Grosso, a “grampolândia”, segue uma onda de terremotos políticos protagonizados por autoridades locais. Antes do atual governador, Pedro Taques (PSDB), estar no centro da turbulência, passaram por ele (e talvez ainda estejam nele), o ex-presidente da Assembleia Legislativa José Geraldo Riva (ex- PP e PSD) que está na cena política do Mato Grosso desde os anos 90, e Silval Barbosa (PMDB), que governou o Estado entre 2010 e 2014. Ambos foram umbilicalmente ligados. Agora, tentam se livrar das diversas acusações que pesam contra eles, inclusive com ataques mútuos.
Quem conhece a política local tem uma frase na ponta da língua: para entender a política mato-grossense é preciso compreender Riva. Eleito deputado estadual aos 35 anos de idade, em 1994, por duas décadas Riva ocupou-se de postos importantes na Assembleia Legislativa. Dali, teria comandado esquemas de ‘mensalinhos’ entre seus pares e alvos de interesse. Alternava-se no cargo de primeiro secretário, que é responsável por gerir os recursos da Casa, com o de presidente. “Ao contrário de outros, ele distribuía. Foi crescendo dessa maneira e viveu assim por 20 anos. Lançou esquema de notas frias. Inventou empresas para trocar por nota. E negociou essa troca de notas com o [bicheiro João] Arcanjo”, explicou Enock Cavalcanti, jornalista e analista político, de Cuiabá, a capital matogrossense.
Foi assim quase até o fim de sua carreira, em 2014, quando foi impossibilitado de concorrer ao Governo do Estado em decorrência dos inúmeros processos judiciais aos quais responde. Colocou sua mulher, Janete Gomes Riva (PSD), na disputa, e ela perdeu. Mas seu legado acaba sendo defendido por uma das filhas, Janaína Riva (PMDB), eleita deputada estadual.
Hoje é considerado o maior ficha-suja do país com mais de uma centena de processos judiciais. Já foi preso quatro vezes. Foi condenado a 21 anos de prisão por lavagem de dinheiro ao desviar 5 milhões de reais da Assembleia Legislativa e aguarda em liberdade o julgamento de seus outros casos. Quem conversa com ele, se espanta com a riqueza de detalhes com que conta sobre cada operação policial na qual foi envolvido. Admite a maioria dos crimes, mas alguns ele refuta.
Em Cuiabá, há quem diga que José Riva foi “criado” pelo ex-governador Dante de Oliveira (PSDB), que governou o Estado entre 1995 e 2002. Oliveira ficou nacionalmente conhecido por ter apresentado a emenda das Diretas Já em 1983, às vésperas da redemocratização (1985). Morreu em 2006. As investigações mostram que teria sido na gestão de Oliveira que o deputado começou a implantar esquemas de distribuição de propinas para os seus colegas no Legislativo.
Durante seu trabalho na Assembleia do Mato Grosso, Riva se aproximou do então deputado estadual, Silval Barbosa, que representava os empresários dos garimpos da região norte do Estado. Barbosa exerceu o cargo de deputado por dois mandatos até unir-se a Blairo Maggi, empresário e político local que venceu a disputa para Governo do Estado em 2002. Barbosa foi seu vice nesse mandato (2003-2006) e no seguinte (2007-2010), quando teria incrementado esquemas ilícitos que há anos rondavam o Palácio Paiaguás, a sede do governo estadual. Hoje, Maggi é ministro da Agricultura do Governo Temer.
A diferença entre Barbosa e Riva, até o momento, é que Riva é réu confesso em algumas das investigações e não obteve sucesso na tentativa de assinar um termo de colaboração com a Justiça. Enquanto que Silval atingiu esse objetivo, depois de passar quase dois anos no Centro de Custódia de Cuiabá. Foi preso, em 2015, acusado de liderar esquemas de fraudes. Até agora, entregou 24 deputados e ex-deputados estaduais que teriam recebido propina no período em que ele foi governador. Sua delação foi classificada pelo relator do processo no Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux, como “monstruosa”.
Foi por causa dela que cinco dos sete conselheiros do Tribunal de Contas do Estado acabaram afastados de seus cargos. Contra eles, pesa a suspeita de que cobraram e receberam cerca de 53 milhões de reais para aprovarem as contas da gestão Silval.
Também consta de sua delação que o esquema ilícito do “mensalinho” aos deputados teria sido herdado de seu antecessor, o hoje ministro da Agricultura Blairo Maggi. Há, ainda, uma citação de que o atual governador Pedro Taques teria recebido doações eleitorais em caixa dois (ilícitas) do grupo JBS. Tanto Maggi quanto Taques negam qualquer irregularidade. O ministro diz que a delação de Silval foi a chave para libertá-lo da cadeia. E o atual governador diz que a trama inventada por ele trata-se de vingança de um inimigo político.
“Esse cidadão roubou do Estado quase 1 bilhão de reais, até o tapete do Palácio [Paiaguás] foi levado, desapareceu. Agora fez um acordo, vai devolver 76 milhões de reais, uma fazenda no meio do mato, um avião velho. Vai ficar na sua cobertura e joga para cima de todos. O cidadão de Mato Grosso me conhece e conhece o cidadão que faz a delação”, afirmou Taques em referência a Silval durante uma entrevista ao site da revista IstoÉ Dinheiro.
Procurados, Silval e Riva não atenderam a reportagem. O ex-governador afirmou por intermédio de seu advogado, Délio Lins e Silva Júnior, que não tem interesse em conceder entrevistas neste momento porque aguarda o desdobramento de seus processos judiciais. O ex-deputado Riva disse ao EL PAÍS que qualquer declaração sua pode atrapalhar os julgamentos de seus casos.
O clima local
Enquanto os escândalos se espalham, as instituições sofrem para dar prosseguimento ao seu trabalho. Na Assembleia Legislativa, a minúscula oposição ao Governo Pedro Taques não conseguiu abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigá-lo. “Precisávamos de oito assinaturas. Conseguimos cinco e nada mais andou”, afirmou o deputado estadual Alan Kardec (PT). A base do tucano conta com 19 dos 24 deputados. É um quórum de sustentação semelhante a todos os antecessores de Taques no Governo desde a redemocratização do país, no fim da década de 1980.
No Tribunal de Contas, apesar de cinco conselheiros substitutos estarem trabalhando normalmente, o clima é de enfrentamento político. Um dos conselheiros afastados formalmente, Antônio Joaquim, anunciou que se aposentará para concorrer ao cargo de governador pelo PTB no ano que vem, possivelmente enfrentado Pedro Taques.
“Estamos fazendo o papel que o controle externo tem de fazer pela sociedade”, disse o vice-presidente interino, Luiz Henrique Lima, tentando transmitir uma certa tranquilidade. Ele vê na série de afastamentos de conselheiros pelo país, foram mais de 30 nos anos 2000, um bom momento para se discutir a forma de composição nos tribunais de contas. Hoje, de cada sete conselheiros estaduais, cinco são indicados por políticos (ou governador ou deputados). Os outros dois são de técnicos de carreira ou de membros do Ministério Público de Contas. Todos os afastamentos registrados até o momento foram de conselheiros que tinham o carimbo político. “Talvez sejam 30 coincidências”, afirma Lima, em tom irônico.
O sentimento de parte dos mato-grossenses é que o Estado não é uma bolha isolada da sociedade brasileira. Ao analisar a série de escândalos estadual, o presidente da secional mato-grossense da Ordem dos Advogados do Brasil, Leonardo Pio da Silva Campos, diz que os casos representam a falência do sistema político nacional, não apenas de seu Estado. “Não basta mais analisarmos pessoas. Pode haver pessoas de bem que, ao serem eleitas, acabam sendo obrigadas a fazer parte desse sistema. Caso contrário, não conseguem desenvolver atividade política” afirmou.