Agressão contra bancários na Bahia

Bruno Wendel
MPT-BA divulga estudo inédito sobre doenças ocupacionais no setor

Com a família feita refém, um gerente-geral de uma agência bancária chegou ao local de trabalho, em Itapuã, com um cinto de explosivos preso à cintura e retirou o valor do resgate: R$ 113 mil. A família foi libertada. Ele foi afastado por problemas psicológicos e acabou demitido, este ano. Ações de violência, como assaltos e explosões de caixas eletrônicos são apontados como um dos principais fatores para o número de afastamentos no setor bancário. Somente esse ano, foram registradas 67 ocorrências de ataques a instituições financeiras, segundo o Sindicato dos Bancários do Estado da Bahia.

Um relatório sobre o retrato do adoecimento no setor bancário será divulgado nesta sexta-feira (27) durante uma audiência pública a partir das 8h na sede do Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT-BA), no Corredor da Vitória. No levantamento foi constatado um número expressivo de denúncias ao MPT-BA sobre prática de assédio moral por parte das instituições financeiras. Além disso, ao alto nível de exigência das instituições em relação a resultados por parte dos trabalhadores, como o estabelecimento de metas elevadas de produção, são também apontados como os principais fatores para o grande número de afastamentos e aposentadorias. As ações judiciais também contribuem para o surgimento do problema.

O documento foi produzido pelo MPT-BA, que envolveu técnicos e pesquisadores de nove órgãos, inclusive o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Salvador (Cerest), vinculado à Secretaria Municipal da Saúde (SMS).

Explosivos
No dia 26 de setembro de 2005, um gerente-geral da agência do banco Itaú de Itapuã foi abordado por homens encapuzados que se diziam policiais. Por uma questão de segurança, o nome de nossa fonte não será revelado. Era por volta das 7h quando o carro em que ele dirigia foi fechado por um outro veículo, na região do Iguatemi, onde a vítima morava. Além do gerente-geral, foram rendidos a mulher dele, os filhos e um vizinho. Todos foram levados para um casarão em Ipitanga, bairro de Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador (RMS). “A casa não tinha móveis. Foi alugada só para isso, para manter minha família refém, enquanto eu ia ao banco com um cinto de explosivos pegar o dinheiro”, contou o ex-bancário.

O então gerente-geral à época chegou à agência usando um terno maior que o número dele – para esconder melhor os explosivos – e foi diretamente à tesouraria. “Eles queriam, na verdade, pegar a tesoureira, a única que tinha acesso ao cofre. Como não conseguiram, eu era o plano B. No banco, disse a ela o que estava acontecendo e os R$ 113 mil foi me dado”, contou. Após entregar a quantia aos bandidos, a família do gerente-geral foi libertada no bairro de São Cristóvão.

Logo depois, o gerente-geral ficou afastado do trabalho até 2007 devido a problemas psicológicos, inclusive depressão. Um ano após a vigência da Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), ele foi demitido pela primeira vez em 2009, mas em 2010, o banco foi obrigado a readmiti-lo por meio de uma liminar judicial. “O banco disse que não estava apto e me encaminhou ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que por sua vez, deu parecer contrário, mandando voltar ao trabalho. Foquei nesse empurra-empurra até 2014, quando outra liminar fez o INSS me afastar”, contou. Um ano depois, ele voltou a trabalhar, mas em agências distantes. “Era como uma forma de punição. Passei por agência longínquas de minha casa, como Ilha de Itaparica e Candeias”, relatou. Quando finalmente foi transferido para uma agência mais próxima de sua casa, nas Mercês, a surpresa: ele foi demitido.

“Desde quando fui afastado pela primeira vez, venho fazendo tratamento médico. Até hoje tomo três remédios diários para tratar a depressão e tenho consultas com médico psiquiatra”, contou o ex-bancário.

“De tudo aquilo que passei, duas coisas não saem de minha mente: a minha família refém e aquele cinto de explosivos preso na minha cintura. Ainda revivo tudo e com detalhes”, completou a fonte, que dedicou pouco mais 30 anos de sua vida ao setor bancário.

Afastamentos
Funcionária de uma agência bancária privada há mais de 25 anos, uma gerente-geral disse que muitos colegas já lhe confidenciaram seus problemas de saúde após terem sido vítimas de ações de criminosos. “Conheço vários colegas que passaram por assaltos, sequestros. É terrível. A vida nunca mais é a mesma. O pavor toma conta não só deles, mas da família toda, que sofre junto”, declarou a bancária.

Segundo ela, é hábito dos bancos privados demitirem o funcionário que foi alvo de sequestro ou que tenha retirado dinheiro da agência para pagar o resgate de familiares.

“Eles (bancos) acham que de alguma for o funcionário teve participação e a polícia deles é demitir em seguida. Mesmo quando há caso em que a família é feita refém, a orientação é não retirar dinheiro da agência e sim comunicar a segurança do banco. Só que eles ignoram é que estamos falando de vidas humanas”, disse a bancária.

De acordo com o presidente do Sindicato dos Bancários, Augusto Vasconcelos, os problemas psiquiátricos hoje é uma das principais causas de afastamento dos trabalhadores; entre elas está a síndrome do pânico. “É um dos fatores que aprofundam os problemas psíquicos. A sensação de insegurança acaba também refletindo nesses profissionais”, declarou Augusto.

Apesar de o sindicato registrar 67 ocorrências relacionadas a ataques a instituições bancárias, dado contabilizado de janeiro até o dia 25 de outubro deste ano, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) contabilizou no mesmo período 61 ocorrências.

Segundo o Célio Pereira de Jesus, diretor do Departamento para Assuntos de Saúde do Trabalhador do Sindicato dos Bancários, a média de atendimento é de 20 bancários por dia. “Desse universo, 13 estão relacionados às doenças psicológicas. A maioria é de gerentes. A pressão em cima deles é maior do que os funcionários de base”, disse.

Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO

Casos
Em um espaço de tempo de cinco dias, neste mês, bandidos atentaram contra três instituições bancárias de Salvador. O caso mais recente aconteceu no dia 11 de outubro no Corredor da Vitória, quando cinco homens tentaram assaltar a agência do Santander, por volta das 8h. Funcionários e clientes foram feitos de reféns. Dois suspeitos foram presos ainda dentro da agência e são moradores do bairro de São Caetano. Eles estavam acompanhados por mais três homens que conseguiram fugir.

Os bandidos presos estavam armados com uma pistola ponto 40 e um revólver calibre 357. Durante a investigação descobriu que a pistola é de um policial militar que, supostamente, foi roubada do PM.

No dia anterior, bandidos já tinham invadido uma agência do banco Santander. O fato aconteceu na região da Calçada, por volta do meio-dia do dia 10.

Além de funcionárias, cerca de 50 clientes estavam na agência e entraram em pânico. A quadrilha conseguiu fugir levando um malote com dinheiro e a mochila de uma pessoa que estava no banco. De acordo com a polícia, os bandidos chegaram no exato momento em que um dos funcionários abastecia os caixas eletrônicos.

Na madrugada do dia 6, homens armados invadiram o Plaza Shopping, na Avenida Silveira Martins, no Cabula, e explodiram um terminal eletrônico da Caixa Econômica Federal. Para ter acesso ao shopping, eles usaram um carro para arrombar a grade principal. Não houve reféns. O ataque ocorreu por volta das 3h30.

Os criminosos fugiram logo em seguida. Em nota, a corporação informou que a 23ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Tancredo Neves), unidade responsável pelo policiamento da região, foi ao local e encontrou uma mochila contendo explosivos não detonados e bananas de dinamite deixados pelos criminosos.

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Alto índice de doença ocupacional é debatido no MPT-BA nesta sexta
Afastamentos pelo INSS, aposentadorias por invalidez e ações judiciais com pedido de indenização por danos morais têm chamado a atenção do Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT-BA) para o alto índice de adoecimento no setor bancário. O assunto é discutido nesta sexta-feira (27), das 8h30 às 17h, na sede do órgão, no Corredor da Vitória.

Na ocasião, será lançada a publicação “Retrato do Adoecimento no Setor Bancário na Bahia”. Trata-se de um levantamento do MPT-BA do setor bancário de 2010 a 2015, com informações geradas por instituições públicas, referentes às demandas dos trabalhadores das maiores agências bancárias situadas na Bahia: Caixa, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú/Unibanco e Santander.

“Todos os órgãos envolvidos já tinham esses dados, só que esses dados não vinham sido traçados, analisados em conjunto, levando em consideração todo o adoecimento no setor”, declarou Ana Emília Albuquerque, procuradora regional do trabalho e responsável pelo relatório.

Segundo ela, a audiência vai discutir soluções para os problemas apontados no setor bancário. “O estudo será compartilhado com a sociedade, que são os bancários, que estão sofrendo. A discussão servirá para embasar não só as ações em andamento, bem como novas ações. Esse estudo nunca foi feito”, disse a procuradora regional do trabalho.

Segundo ela, na Bahia, a atividade bancária é a que mais afasta por benéfico no INSS. “Isso significa que é o que mais tem problema de adoecimento. Há um impacto muito grande no INSS arcando com esse custo, de qualquer maneira, todo atinge a sociedade”, explicou.

Ainda de acordo com a procuradora, os bancos não podem alegar falta de recursos para medidas que possam solucionar o problema.

“Os bancos têm como gastar. Eles não podem alegar crise como justificativa ao não investimento na prevenção dos problemas, pois é o setor que vem mais lucrando no país”, declarou Ana Emília.

O presidente do Sindicato dos Bancários, Augusto Vasconcelos, reforça a cobrança. “No ano passado, os cinco maiores bancos obtiveram lucro superior a R$ 6 bilhões. O sindicato defende que os bancos ampliem contratações, combatam o assédio moral, reduzam as cobranças de metas, ofereçam mais segurança e melhorem as condições de trabalho e melhorem as condições de atendimento à população”.

O relatório envolveu técnicos e pesquisadores de nove órgãos, inclusive do Cerest, e traça um panorama do problema. “Cerca de 94% dos pacientes admitidos no ambulatório do Cerest são bancários. Eles chegam para investigação de nexo causal, ou seja, a relação da doença com o trabalho. Por isso, é importante debater o tema com órgãos e sociedade civil, criando estratégias para diminuição dessa estatística tão alarmante”, pontuou Tiza Mendes, gerente Cerest, vinculado à SMS.

De 2012 a 2014, por exemplo, o MPT-BA recebeu 65 denúncias de assédio moral no setor. Do total das denúncias recebidas, 78% foram relacionadas à ocorrência de assédio moral e dos demais 22% às inadequadas do meio de ambiente de trabalho. O Banco do Brasil e o Bradesco lideram entre as denúncias de assédio moral.

Atualmente gerente-geral de uma agência em Salvador, uma bancária retornou ao trabalho no ano passado, depois de ficar afastada por um ano. “Tive vários problemas, entre eles ortopédicos e psiquiátrico. Muitos preferem trabalhar doentes até o último instante por causa do assédio moral, que é latente. Muitos não se afastam com medo de perder emprego. Já vi colegas enfartando ou tendo um acidente vascular cerebral (avc) porque foram até os seus limites”, relatou a bancária.

O número de ações individuais na Justiça do Trabalho contra bancos também vem crescendo sensivelmente, saltando de 2,3% do total das ações em 2009 para 4,6% em 2016.

As instituições que mais apresentam reclamações trabalhistas, em ordem crescente, são: Bradesco (683), Itaú/Unibanco (241), Banco do Brasil (159) e Caixa Econômica Federal (109).

Outro dado alarmante é o crescimento ano a ano da concessão de benefícios pelo INSS a bancários, seja por acidentes de trabalho ou por adoecimento, que saltaram de pouco mais de 100, em 2010, para quase 900, em 2015.

O estudo também está sendo distribuído para unidades do MPT-BA em todo o país, como forma de estimular a atuação do órgão em outros estados. Na Bahia, um projeto de atuação deverá dar seguimento a este esforço através de inquéritos individualizados, que poderão ser convertidos em termos de ajuste de conduta ou ações civis públicas.

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Febraban rebate estudo e destaca baixa rotatividade
Diante dos problemas apontados pelo estudo, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou, por meio de nota, que o setor bancário conta com mais de 470 mil trabalhadores, o equivalente a 1,0% da força de trabalho formal do país. Diz que é o único que conta com vários canais de diálogo com os seus colaboradores, no sentido de garantir que qualquer reclamação relacionada a conflitos no ambiente de trabalho chegue às áreas responsáveis, por meio de canais seguros e confidenciais, para apuração, providências e respostas aos reclamantes.

Como se pode deduzir do acordo que o setor tem com o movimento sindical bancário, eventuais reclamações podem ser endereçadas ao banco através de canais internos, com segurança, ou por intermédio do sindicato da categoria, mesmo sem a identificação do reclamante. O banco tem prazo de 45 dias para apurar, tomar providências e responder ao bancário.

O comunicado informa também que a cada seis meses a Febraran se reúne com os sindicatos e apresenta todos os números de reclamações, tenham vindo pelos canais internos ou pelos sindicatos, apontando, inclusive os tipos de providências tomadas em relação às reclamações.

Além disso, as instituições financeiras já há vários anos incluíram nas grades de treinamento dos seus gestores os cuidados a serem tomados no trato com os seus subordinados, para evitar a prática de qualquer tipo de assédio, discriminação e ações conflitivas.

A Febraban afirma que é também relevante destacar que o sistema bancário apresenta o menor índice de rotatividade do mercado de trabalho do país – média de 4% nos últimos 3 anos – de demissões sem justa causa, com permanência média dos empregados de aproximadamente 100 meses na mesma instituição, muito acima da média de 18 meses verificada no país, de acordo com informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

A instituição informou ainda que não seria razoável que setores com alta incidência de conflitos consigam tão longa permanência dos empregados. Basta verificar qual o percentual do quadro de empregados que pede demissão do setor. Sustenta ainda que relações ruins não colaboram com longa permanência dos empregados nos quadros do mesmo empregador e do mesmo setor.

Entre todas as convenções coletivas de trabalho do País, diz a Febraban, a dos bancários é a que oferece a maior proteção aos trabalhadores e o maior cuidado com as condições e as relações de trabalho.

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