Raiz histórica explica violência em Pernambuco
Há algo de errado em Pernambuco, terra do frevo e do maracatu, com 8,8 milhões de habitantes em 185 municípios. O Estado que sempre se destacou no Nordeste por sua força econômica, tradição política, cultura de oradores e história de movimentos revolucionários lidera a lista nacional de homicídios motivados por disputa de poder – são 210 crimes políticos no período democrático, quase o dobro de Alagoas, o segundo colocado.
Parte da explicação para esse banho de sangue está na raiz histórica da violência pernambucana, ainda do período colonial. Ela ganhou impulso no começo do século 20, com a Política dos Governadores – acordo fechado na República Velha pelo qual o governo federal assegurava apoio aos governos estaduais e, em troca, estes mobilizavam sua base local (no Nordeste, os coronéis) para garantir maioria nas Assembleias Legislativas.
Em Pernambuco, esse jogo gerou a aliança entre novas lideranças do Recife e antigos clãs violentos do interior. A impunidade inflou o número de assassinatos políticos no período recente.
É no Estado, especificamente no semiárido, que estão os dois municípios com os maiores índices de crimes políticos no País – Belém do São Francisco (39 mortos) e Floresta (33). Neles, o tráfico e o plantio de maconha realimentaram ou criaram rixas de famílias, a polícia não interferiu nas execuções decorrentes das disputas e os agentes políticos nos planos nacional e estadual aceitaram fazer alianças com oligarquias regionais sangrentas.
Dependência. Mesmo se o sertão – palco das lutas de famílias e disputas pelo tráfico de drogas no Polígono da Maconha – fosse excluído do levantamento, a violência no agreste e litoral pernambucanos manteria o Estado à frente da Bahia (95 mortos) e de São Paulo (63). Nele, a área de Segurança Pública tem um grau de dependência dos chefes políticos locais como em nenhum outro Estado, com dificuldade de se distinguir jagunços, milícias particulares e destacamentos policiais.
Autor de livros sobre o passado sangrento do Nordeste, como Guerreiros do Sol e A Guerra Total de Canudos, o historiador Frederico Pernambucano de Mello observa que o processo de colonização do Brasil, iniciado no litoral de Pernambuco, e que entrou pelo sertão, marcou o início de uma época violenta. “Essa penetração em direção ao sertão, pelo Vale do São Francisco, se resumiu a um grande conflito entre pecuaristas da Casa da Torre e da Casa da Ponte, dos Guedes de Brito, todas com sede em Salvador, e padres capuchinhos e jesuítas que atuavam em missões indígenas.”
Ele avalia que esse processo gerou uma galeria rica de agentes da violência, como o cabra, o capanga, o pistoleiro, o jagunço e o cangaceiro. No caldo que fermentou essa violência há ainda a tradição de dizimar focos de fanatismo religioso e o predomínio das grandes propriedades de cana, no litoral, e de criação de bois, no sertão. “Numa sociedade pastoril, o grande crime é o roubo do gado. O homicídio pode ser um crime de honra”, diz Mello. “No sertão que eu vi, o ladrão de gado não era preso, era morto. O litoral não entende assim. Um grande autor, o cearense Gustavo Barroso, usava uma apossínclise: ‘No sertão, quem se não vinga está moralmente morto’.”
Vem de Pernambuco um foco irradiador da violência, especialmente política, no Norte-Nordeste. É a região dos vales do Rio Pajeú e do Riacho do Navio, de onde saiu a figura do pistoleiro hoje presente nos conflitos agrários na Amazônia. “Foi ali que surgiram grupos de cangaço, como mero meio de vida ou instrumento de vingança”, afirma Mello.
Fonte: Estado de S. Paulo