A morte e a morte de JK

Por: * José Paulo Cavalcanti Filho

Juscelino Kubitschek, ex-presidente da República (1956/1961), teve seus direitos políticos cassados pelo Regime Militar. Em 1966, articulou uma Frente Ampla de oposição. Junto com o presidente deposto, João Goulart. E o ex-governador do Rio, Carlos Lacerda. Os dois também cassados. E os três mortos, por sinistra coincidência, no espaço de nove meses. As Comissões da Verdade de São Paulo e Minas sugerem que JK foi, ou pode ter sido, assassinado. Mas terá sido mesmo? – eis a questão.

Em 22/8/1976, por volta das 18:30 horas, JK viajava pela rodovia Presidente Dutra. No sentido São Paulo-Rio.

Estava já em Resende (RJ). Em um Chevrolet Opala dirigido por seu motorista, Geraldo Ribeiro. Estima-se que trafegavam por volta dos 90/100 km/p/hora. Segundo Daniel Bezerra de Albuquerque Filho, 16 anos na época, que estava com o tio em caminhão superado pelo veículo de JK, por eles passou um Opala a mil… Esse Opala saiu da faixa direita para a da esquerda, na tentativa de ultrapassar dois caminhões à sua frente. Pouco depois, na altura do Km 165, a lateral esquerda do Opala colidiu com a lateral direita de um ônibus da Viação Cometa. Derivou para a esquerda, num ângulo de 30 graus em relação ao eixo longitudinal da estrada. E invadiu a pista no sentido contrário.

O fato foi confirmado por Paulo Oliver e mais dois outros passageiros desse ônibus.

Geraldo Ribeiro ainda efetuou conversão à direita, na tentativa de manter o veículo na rodovia. Essa manobra foi erro grave. E abalroou um caminhão Scania Vabis. O motorista desse caminhão, Ladislau Borges, declarou: Fiz o possível para desviar… joguei a carreta para a direita e percebi que o motorista tentava controlar o carro para entrar entre o caminhão e o canteiro. Esse motorista prestou socorro às vítimas. Geraldo ainda suspirava. Mas já era tarde.

A Comissão Nacional da Verdade realizou amplíssimo estudo sobre o tema. Recuperou depoimentos dos envolvidos.

Tomou numerosos outros testemunhos. Estudou imagens dos laudos oficiais e 257 negativos fotográficos. Também outros negativos, de fotos feitas no local do acidente e em exames periciais subsequentes. E considerou as perícias até então realizadas: Processo Criminal 2.629/1977, de Resende (RJ); Inquérito Policial 273/1996 na 89º DP, também de Resende; Relatório da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, instituída em 4/6/2000. Todos com a mesma conclusão. De que se tratou só de um acidente.

Bom lembrar que o terreno em que tudo se deu era plano. Em ambos os lados da rodovia. Fosse um atentado e certamente o local escolhido seria outro. Algum despenhadeiro, para onde o carro fosse projetado. Depois de tocar o ônibus, e caso permanecesse em sua rota saindo da pista, pior que poderia ocorrer com o Opala seria ir em frente e furar algum pneu. A colisão se deu porque o motorista de JK tentou voltar à pista. E o veículo causador do acidente não era sem placa, que não permitisse identificação de seu proprietário. Nem rápido. Mas um ônibus comum. Cheio de passageiros. Não tendo sido localizadas marcas de explosão ou nenhum outro material estranho ao veículo.

Instigante é a lenda de que teria sido localizada bala no crânio do motorista Geraldo Ribeiro. Prova do atentado, para muitos. Ocorre que as fotos tiradas ainda no acidente e, posteriormente, apenas do crânio do motorista (poucos meses depois), mostram a calota intacta. Em 1976. As fotos do laudo do IML de Minas, já em 1996, revelam essa calota em amarelo escuro, por força do tempo; e um espaço vazio, no meio, com bordas quebradas que tinham margens bem mais claras. Prova de fratura recente. Ocorrida no transporte do material, imagina-se, desde o cemitério até o IML.

Foi nesta última perícia localizado, no interior da calota craniana, um pequeno objeto metálico. Feito com liga de ferro doce. Bem distante do chumbo com que são feitas as balas. Sem vestígios de outro material, no local. Tratava-se de um cravo, enferrujado, desses utilizados na fixação dos forros de seda nos caixões funerários. E que provavelmente caiu ali, por acaso, no transporte para o exame.

Em síntese, não há, pelos estudos se viu, nada que sugira tenham sido JK e seu motorista assassinados. Sendo correta a conclusão de nosso Relatório Final, na Comissão Nacional da Verdade. Claro que a Ditadura desejaria ver JK morto. Desejaria muito. Talvez tenha mesmo chegado a projetar algo assim. Mas o destino, esse Deus sem nome, agiu antes.

Um acidente, apenas. Foi isso.

*José Paulo Cavalcanti Filho é advogado e membro da Comissão Nacional da Verdade.

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