Intensos protestos em Lima contra o presidente pelo indulto a Fujimori
Caso Odebrecht agrava a crise: o presidente e a líder da oposição depõem no Ministério Público sobre seu envolvimento
O protesto contra Pedro Pablo Kuczynski pelo indulto concedido a Alberto Fujimori cresce com o passar dos dias, aumentando a sangria na equipe do presidente peruano. No final da tarde de quinta-feira, 29 de dezembro, mais de 15.000 manifestantes marcharam pelas ruas do centro de Lima contra a medida, liderados pelos familiares das vítimas das matanças de Barrios Altos e La Cantuta, cometidas durante o Governo de Fujimori pelo Grupo Colina, um destacamento do Exército. Flor Huilca, filha de Pedro Huilca, um dirigente sindical opositor ao regime, assassinado pelo Colina, afirmou com voz embargada diante do Palácio da Justiça: “Neste país é difícil conseguir Justiça, e agora Fujimori não está na prisão. Eu sou vítima, Pedro Huilca é vítima. Não entendo a decisão de Kuczynski e Mercedes Aráoz.”
O Ministério do Interior rejeitou o pedido dos manifestantes para um trajeto de cerca de cinco quilômetros, do centro até Miraflores, e autorizou uma rota mais curta que muitos deles não conheciam. Por isso, houve enfrentamentos entre policiais e universitários que optaram pelo caminho mais longo, além de detenções. Após quase cinco horas de mobilização, com gritos de “Fujimori ladrão e assassino” e “Fora, fora, PPK”, os manifestantes ainda continuavam concentrados em frente ao Palácio de Justiça.
Por outro lado, o avanço do caso Odebrecht agrava a crise política peruana. O promotor Hamilton Castro, chefe da equipe especial de investigação para o caso Lava Jato, interrogou durante quatro horas o presidente Kuczynski sobre sua participação nas empresas Westfield Capital e First Capital, com sede nos Estados Unidos, as quais a construtora brasileira contratou entre 2004 e 2013 para serviços de assessoria. Enquanto isso, Keiko Fujimori, a presidenta do partido Força Popular (que até a sexta-feira passada era maioria opositora), prestava depoimento numa promotoria especializada em lavagem de dinheiro devido às supostas contribuições que recebeu da Odebrecht na campanha eleitoral de 2011, bem como outros fundos supostamente arrecadados através de “rifas e coquetéis” nesse mesmo ano e em 2006.
O ex-banqueiro de investimentos fundou a Westfield Capital em 1992. Entre 2004 e 2007, a firma recebeu da Odebrecht 782.207 dólares (cerca de 2,6 milhões de reais) em reembolsos, comissões e assessorias financeiras. Kuczynski foi ministro da Economia do Governo de Alejandro Toledo entre 2004 e 2005, e depois primeiro-ministro até julho de 2006. Nesse período, a Odebrecht assumiu a concessão para construção da rodovia Interoceânica Sul, obra que foi concluída após existência de sobrepreços e questionamentos técnicos da Controladoria.
A First Capital foi criada pelo sócio de Kuczynski, Gerardo Sepúlveda, e figura no mesmo domicílio que Westfield. O presidente declarou na semana passada, em mensagens transmitidas pela TV e no Congresso, durante a sessão de quinta-feira 21 que debateu sua destituição, que, ao assumir como ministro, delegou as operações da empresa ao gestor Sepúlveda e que não tomou conhecimento dos contratos com a Odebrecht.
A empreiteira esclareceu, em carta, que os serviços prestados por ambas as empresas estão em sua contabilidade legal, e não no Departamento de Operações Estruturadas, a área encarregada de distribuir as propinas aos políticos e funcionários na América Latina e na África em troca de concessões, contratos e arbitragens a seu favor.
A lista de pagamentos da Odebrecht foi divulgada por parlamentares da Força Popular há duas semanas, levando ao debate sobre a destituição presidencial.
Kuczynski evitou perder o cargo graças aos votos do congressista Kenji Fujimori e de outros nove legisladores fujimoristas dissidentes que buscavam o rápido indulto do ex-autocrata, que cumpria pena de 25 anos de prisão por crimes de lesa humanidade.
Para a filha mais velha de Fujimori, esta não foi a primeira intimação pelo caso conhecido como fujicocteles (fujicoquetéis). No entanto, ela responderá às autoridades, pela primeira vez, sobre a anotação feita pelo ex-presidente da empreiteira Marcelo Odebrecht, no celular dele: “Aumentar Keiko para 500 e eu fazer visita”.
Em 7 de dezembro passado, o promotor José Domingo Pérez cumpriu mandado de busca e apreensão em duas sedes da Força Popular para reunir documentos sobre as campanhas eleitorais de 2011 e 2016 e, posteriormente, fez o mesmo procedimento no Organismo Nacional de Processos Eleitorais, entidade à qual os partidos políticos devem prestar contas, por lei, com os detalhes dos fundos que utilizam nas campanhas. A hipótese de Pérez é que o fujimorismo preparou uma contabilidade paralela, e que as supostas rifas e coquetéis, alegados como meios para arrecadar dinheiro, escondem a real procedência dos recursos.
O caso já atingiu em cheio dois ex-presidentes: Toledo, para quem o promotor Castro prepara um pedido de extradição que deve entregar em breve aos EUA, por suposto recebimento de 20 milhões de dólares (66 milhões de reais) em propina, e Ollanta Humala, em prisão preventiva desde júlio por ter supostamente recebido três milhões de dólares (10 milhões de reais) da Odebrecht para as campanhas eleitorais de 2006 e 2011. De todos os investigados — incluindo Alan García e a ex-prefeita Susana Villarán —, estes dois são os mais vulneráveis, sem partido político nem uma rede que os defenda em seu país.
Enquanto isso, justamente nesta semana, o juiz Richard Concepción Carhuancho, um dos poucos magistrados populares entre os peruanos, que decretou a ordem de captura contra Toledo em fevereiro e a prisão preventiva de Humala e sua esposa, Nadine Heredia, ficou fora do caso Odebrecht, após uma resolução sobre mudanças no Poder Judicial, o que prepara o caminho para uma alteração nas decisões judiciais sobre esse caso, que está devorando a política peruana.
As reações internacionais contra o indulto de Fujimori continuaram na manhã de quinta-feira. “É o maior revés para o Estado de Direito no Peru: um indulto humanitário concedido a um condenado por sérios crimes após um julgamento justo, cuja culpabilidade não está em discussão e que não cumpre com os requisitos legais para um perdão”, questionou um grupo de especialistas em direitos humanos das Nações Unidas em Genebra.
Por sua vez, Kuczynski anunciou que prepara, com a primeira-ministra Mercedes Aráoz, um “gabinete de reconciliação”. E os congressistas que se encontram na “ponte” entre a situação e o fujimorismo lançam nomes de líderes da Força Popular para integrar o Executivo e, desse modo, continuar consolidando a nova aliança política.