Mulheres que fazem pornô feminista mudam perfil dos filmes eróticos

Ao Delas, cineastas contam como conquistaram seu espaço em uma indústria criada, sustentada e controlada majoritariamente por homens

Renata Reif  

Orgânico. É este o novo conceito de filmes eróticos com as mulheres no comando. A luz é natural, o ritmo mais lento e as cenas são recheadas de beijos e carícias. “Em vez de sexo explícito, faço filmes sensuais, cujo foco é o prazer feminino. Isso inclui música boa, diálogos bem construídos, preliminares apaixonadas e trajes elegantes”, conta a sueca radicada em Barcelona Erika Lust , diretora mais famosa do gênero.

 

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Erika Lust, cineasta sueca radicada em Barcelona: ‘faço filmes cujo foco é o prazer feminino’

A pornografia feminista — tendência na Europa e nos Estados Unidos, e ainda não explorada no Brasil — é especialmente conhecida pela diversidade. Os atores são naturalmente bonitos, mesmo que não tenham corpos perfeitos, e de todas as raças, gêneros e preferências sexuais.

“Muito diferente dos filmes tradicionais de sexo, que nos dizem que apenas são desejáveis homens musculosos, com pele oleosa, e pênis imensos, enquanto uma mulher só pode ser atraente se for como uma Barbie, com corpo falso e nenhum pelo”, avalia Erika, que dispensa closes de genitálias por achar muito invasivo.

Intimidade e paixão a interessam muito mais do que simplesmente posições e contorcionismos. “Tento capturar o autêntico, que é o sexo do jeito que eu vejo”, diz ela. Antes de entrar no ramo, Erika não gostava de assistir aos filmes eróticos por achá-los “bregas, falsos e de má qualidade”. “Eles nunca ajudaram a melhorar a minha vida sexual”, revela.

Apesar de admitir que práticas como sexo anal e gang bang (sexo heterosexual entre uma mulher e diversos homens) possam excitar mulheres, ela prefere deixá-las de lado. “Não cabe a mim dizer o que é permitido ou o que não é. Mas faço filmes sobre os meus desejos e os dos meus amigos”, explica.

Já a atriz aposentada Candida Royalle , hoje feminista e diretora de filmes adultos para mulheres, prefere fazer uso das práticas citadas com parcimônia. “Não é como no pornô para homem, que sempre precisa ter anal. Aconteceu em um dos meus filmes porque o casal se sentia à vontade em cena. Gang bang também tem que ter um contexto. A mulher não é mais usada e abusada”, diz Candida.

Para a inglesa Cindy Gallop , criadora do site “Make Love Not Porn ” (Faça Amor, Não Pornô), a indústria pornográfica imprime ao jovem uma visão deturpada do sexo. Aos 51 anos, a empresária que se relaciona com rapazes de 20 e poucos, do que adora gabar-se, percebeu que a nova geração repete na cama o que vê nos filmes eróticos tradicionais.

“O pornô de hoje não tem nada a ver com o sexo no mundo real, onde nem tudo acontece como nesses filmes”, diz, referindo-se ao estilo hardcore das produções direcionadas ao público masculino. Repletos de mitos, eles são sistematicamente desconstruídos pela criadora da campanha.

Por amor e por tesão

Isso não quer dizer que as mulheres só gostem de transar por amor. É o que afirma a escritora Carol Teixeira, autora do blog A Obscena Senhorita C e vocalista da banda Brollies & Apples. “Nós também gostamos de sacanagem. Nem sempre queremos uma história incrível e um cuidado estético, às vezes queremos apenas gozar”, defende Carol. “Essa ideia de que mulher não curte pornô é algo puramente cultural. Ela nunca foi inserida no mercado erótico, sempre considerado ‘coisa de homem’.”

Candida concorda com a citação da blogueira. Afinal, ela viveu sob esse regime machista quando atuava no segmento como atriz, em meados dos anos 1970. “A sociedade impôs que só o homem poderia fazer o que quisesse sexualmente. A mulher não, senão ela sairia como louca na rua e deixaria a família”, pontua.

Hoje nos bastidores, Candida conduz os roteiros à sua maneira. “O meu estilo é mais natural. Não é aquela coisa do pornô típico: a mulher está sempre excitada e pronta para transar. E o homem, sempre a ponto de bala. Não, nem sempre ele consegue a ereção e a mulher também pode estar tímida, querendo apagar as luzes”, diz.

Na opinião de Carol, o pornô ideal seria uma mistura dos pornôs feminino e masculino: nem tão romântico, nem tão explícito. “Acho que o pornô ideal vai vir de um equilíbrio que ainda não aconteceu”, ela acredita, citando a diretora Erika Lust como o estilo erótico mais próximo deste equilíbrio.

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Gravação de filme de Erika Lust: ‘às vezes a gente quer fazer amor e às vezes, só transar’

 

A própria Erika complementa: “Existe um estereótipo de que as mulheres não podem ter impulsos sexuais sem romance. Claro que deve haver paixão, diversão, aventura, intimidade , riso, curiosidade, mas não necessariamente profunda conexão emocional e comprometimento”.

Ambas fazem coro ao dizer que as mulheres adoram o sexo de diferentes maneiras. “Às vezes a gente quer fazer amor e às vezes queremos só transar. Tem dias que queremos fazer sexo com um estranho, em outros, sexo selvagem. Assim como também queremos sexo com muita paixão e depois passar a noite toda conversando na cama. Enfim, queremos tudo. E até então não havia um pornô representando isso, ou seja, o desejo feminino”, resume Erika.

Todas as entrevistadas creem que não há coisa que mais excita o parceiro do que ver a mulher excitada, o que torna o pornô para mulheres algo para os dois, para melhorar a vida íntima do casal. Portanto, a vida real é o denominador comum entre os dois mundos aqui expostos.

Isso pode ser conferido na filmologia de Erika e Candida, bem como no movimento “Make Love Not Porn”, onde amantes de 180 países mostram como se faz, cada um ao seu modo. “Quanto mais gente estiver tendo sexo de boa qualidade, mais felizes as pessoas ficarão, e mais perto da paz mundial estaremos”, diz Cindy, que termina decretando, com seu forte sotaque britânico: “More blow jobs, less world wars!” — ou, em português, “Mais sexo oral, menos guerras”.

Fonte: iG

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