Como lutar contra a dor crônica
Apesar de ser um sistema de alarme do corpo, há casos em que ela é inútil e só provoca sofrimento. Existem formas de administrá-la
Apesar de ser um sistema de alarme do corpo, há casos em que ela é inútil e só provoca sofrimento. Existem formas de administrá-la.
A dor, por mais desagradável que seja, tem uma função. Não é nossa inimiga, e sim nossa aliada. O corpo é silêncio. Se ressoa, geralmente está avisando que algo nele funciona mal, embora também possa ser que estejamos prestando atenção demais nele: da mesma forma que quando escutamos atentamente conseguimos ouvir algo que não percebíamos antes, podemos ter sensações corporais se fixamos nossa atenção em uma determinada área.
Mas a dor como alerta diante de uma ameaça perde sentido em uma situação: a dor crônica. Não serve para nada, só para causar sofrimento. Pode-se usá-la como motivação para a superação pessoal, é claro, mas do ponto de vista fisiológico ela é inútil.
Os profissionais que se dedicam ao tratamento da dor crônica precisam de uma dose extra de empatia, capacidade de sacrifício, paciência e tolerância à frustração, pois seus pacientes enfrentam tudo isso. Incompreensão, limitações, esforço excessivo exigido para alcançar metas anteriormente simples, necessidade imperiosa de que cada novo tratamento forneça alívio, frustração com cada tentativa improdutiva de atenuar o sintoma. Dia a dia, minuto a minuto.
Se queremos eliminar nosso inimigo, temos de começar conhecendo-o. A dor não se produz nos órgãos, nos ossos nem nos músculos. A dor é 100% produzida no cérebro. A transmissão de estímulos é feita pelos nervos periféricos, mas a sensação dolorosa completa é produzida no sistema nervoso central, e nesta gênese influi uma série de fatores que não se limitam a uma sensação somática desagradável e/ou dolorosa.
Essa é a base da teoria da neuromatriz da dor —the neuromatrix of pain—, enunciada pelo psicólogo Ronald Melzack, que propõe que a dor é uma experiência multidimensional. O que chega ao cérebro é a informação de que algo aconteceu em um tecido, mas não chega como sensação dolorosa. Essa sensação é construída pelo cérebro, por meio da ativação de um conjunto de áreas.
Segundo essa teoria, na dor existem diferentes componentes: sensorial, emocional, cognitivo, motor, comportamental e consciente. Esses aspectos oferecem informações —separadamente— sobre a localização do dano, sua intensidade, a duração da ameaça, o conjunto de circunstâncias objetivas e subjetivas da pessoa e, finalmente, fornecem informações unificadas: o que essa dor está nos dizendo, que conclusões podemos obter, como e quando devemos agir.
Sabe-se há muito tempo que vários fatores, além do dano nos tecidos, influem na intensidade da dor. Existe a dor sem lesão, como na síndrome do membro fantasma, que aflige pessoas submetidas a uma amputação: sentem dor em uma extremidade que não existe. Os neurocientistas investigaram meticulosamente a dor aguda, e o mecanismo de transmissão sensorial é bem conhecido. No entanto, as síndromes de dor crônica, forte, prolongada e associada a um dano mínimo nos tecidos —ou inclusive sem lesão detectável— continuam sendo um mistério.
Como dissemos antes, o grau de atenção à dor pode influir em sua intensidade. Da mesma forma, pode influir nosso conhecimento sobre os mecanismos da dor, lesões e doenças. Assim como nosso estado emocional, o contexto em que ela ocorre, a relação com nossas reservas de memória e aquilo com que associamos essa sensação. Todos esses fenômenos ajudam a fornecer a explicação que faltava para a experiência dolorosa sem lesões objetivas.
O tratamento envolve psicologia da saúde, fisioterapia, educação social, medicina e tecnologia
A teoria da neuromatriz da dor significa, portanto, uma mudança de paradigma sobre a natureza da dor e propõe um novo modelo para abordá-la.
Os programas de tratamento multidisciplinar da dor crônica envolvem a psicologia da saúde, a fisioterapia, a educação social, a medicina e a tecnologia. O manejo de medicamentos além dos analgésicos convencionais tem como objetivo reduzir o uso de derivados opiáceos. Os pacientes ficarão surpresos ao ver que aquilo que lhes receitaram é um antiepiléptico ou um antidepressivo —alguns dos mais usados—, mas sua eficácia é indiscutível. Isso, somado à promoção de programas de atividades diárias, como exercícios aeróbicos leves ou em uma piscina, juntamente com o domínio de diferentes técnicas de relaxamento —como respiração diafragmática, relaxamento muscular progressivo, atenção plena (mindfulness), meditação ou ioga—, está dando excelentes resultados no tratamento da dor crônica. É verdade que a neuromatriz da dor é determinada por fatores genéticos, mas tanto a experiência sensorial como a vivência da dor e o comportamento derivado dela podem ser modificados.
Como argumentava Wittgenstein, a capacidade do homem de ser cativado pelo modelo explicativo de um fenômeno específico permite generalizar o restante dos casos à luz desse modelo explicativo. E, ao fazer isso, deixamos de prestar tanta atenção ao fato em si, sendo persistentemente atraídos pela compreensão do modelo e pela aprendizagem que podemos obter dele. Nessa linha, o médico especialista em dor crônica Arturo Goicoechea afirma que, se você conhecer a dor, deixará de senti-la, fazendo um ousado trocadilho em inglês, “know pain, no pain”.
Dor crônica não equivale a “dor pelo resto da vida”. Existem muitas maneiras de aliviar o sintoma, além de aprender a conviver com ela, além da resignação. O que define a dor crônica não é que não tenha fim, e sim quando começou.
Lola Morón é psiquiatra e especialista em neuropsiquiatria.