O ambicioso plano de quase 400 anos para ir à Lua em uma carroça voadora

Desenho retrata John Wilkins e seuy carro espacialJohn Wilkins e seu carro espacial para ir à Lua, interpretado pelo historiador Allan Chapman

Na primeira metade do século 17, surgiu um dos programas espaciais mais ambiciosos da história, com os primeiros esforços para chegar à Lua.

Naquele tempo, o conhecimento científico avançava a uma velocidade sem precedentes.

A exemplo, as descobertas astronômicas de Galileu, feitas na Itália em 1610 com o recém-inventado telescópio, e a descrição feita em 1628 pelo médico britânico William Harvey da circulação sanguínea em seres vivos.

Uma série de invenções desta época, além dos telescópios acima mencionados, como os relógios mecânicos, a pólvora e a bússola magnética, alteraram radicalmente os limites da percepção humana e levaram as pessoas a se questionar cada vez mais sobre o mundo em que viviam.

Um novo mundo no horizonte

Quando Galileu olhou pela primeira vez para a Lua através de seu telescópio em janeiro de 1610, ficou surpreso ao descobrir que parecia ser um “mundo”.

Diferentemente de quando se observava a Lua a olho nu, foi possível com aquele invenção apreciar montanhas, continentes e o que Galileu confundiu com mares.

Por sua vez, o astrônomo galês William Lower disse que o telescópio fez a Lua se assemelhar a uma carta marítima holandesa, com baías, ilhas e enseadas.

Desenho retrata John Wilkins
John Wilkins (1614-1672) foi um clérigo inglês e filósofo da natureza, autor de ‘Descoberta de um Novo Mundo… na Lua’

Essas descobertas fertilizaram a imaginação dos pensadores europeus, e, em tempos profundamente religiosos, muitos se perguntavam se Deus fez da Lua um mundo como a Terra.

Teria Deus colocado vida inteligente ali? Se assim fosse, poderíamos nos comunicar com esses seres?

Rayita

Século 17, uma era brilhante

– As observações por meio de telescópios feitas por Galileu, Huygens, Cassini e outros mostraram que o universo era vasto.

– Os estudos microscópicos pioneiros de Robert Hooke revelaram um novo mundo de maravilhas que poderia ser explorado com lentes de aumento.

– O trabalho de Robert Boyle com a bomba de vácuo criou as bases da moderna química quantitativa.

– As investigações anatômicas e fisiológicas de William Harvey, Thomas Willis Thomas Bartholin mostraram como o coração fazia circular o sangue e revelaram a função química do ar na respiração, além dos primeiros estudos científicos do cérebro.

– Robert Hooke e Isaac Newton criaram a óptica moderna e explicaram a física da luz, enquanto também lançaram teorias concorrentes para elucidar as leis da gravidade.

– E, ao contrário dos mitos persistentes, a Igreja Cristã não tentou suprimir a ciência. A maioria dos cientistas eram pessoas religiosas e devotas.

Rayita

Esta possibilidade tentadora está no centro do programa espacial do reverendo John Wilkins, um jovem clérigo inglês e amante da nova ciência.

Em 1638, seu livro Descoberta de um Novo Mundo… na Lua forneceu a primeira oportunidade real para os leitores ingleses interpretarem as ideias de Galileu.

Foto da LuaA olho nu, a Lua não revela sua geografia complexa, possível de apreciar com um telescópio

Wilkins acreditava que a Terra se movia em torno do Sol e sugeriu que não só a Lua poderia ser acessível aos humanos mas também outros planetas.

Ele havia lido extensivamente sobre a ciência de seu tempo e também foi inspirado por uma ou duas obras contemporâneas de “ficção científica”, como Somnium (Sonho, em tradução do latim), publicado por Johannes Kepler em 1634, e especulou sobre a viagem humana ao espaço.

Tirando proveito da ciência

John Wilkins se propôs a usar o que havia de mais avançado na ciência e na tecnologia para projetar um tipo de nave espacial que incorporaria detalhes técnicos do navio, além de ciências atmosféricas, estudos ornitológicos e física experimental.

Na década seguinte, ele empregou uma série de teorias e habilidades para criar uma proposta incrível.

Um aspecto central do esquema pensado por Wilkins foi sua compreensão da atração gravitacional da Terra, já que era algo que qualquer viajante espacial em potencial deveria evitar.

Neste momento, no entanto, 50 anos antes da obra de Isaac Newton, o pensamento científico ainda confundia da gravidade com a força de atração do campo magnético da Terra.

Desenho de homem com telescópio olhando para a Lua
No século 17, astrônomos já calculavam a distância até a Lua com bastante precisão.

A partir de sua observação de que um imã parou de atrair a agulha de uma bússola a partir de uma certa distância, Wilkins concluiu que a força de atração da Terra era interrompida a cerca de 30 quilômetros de sua superfície.

Agora sabemos que ele estava errado, mas a ciência geralmente avança graças a erros.

Rayita

Rumo à Lua

1610 – Galileu usa o telescópio para descobrir montanhas e outras formações na Lua.

1634 – Somnium, de Johannes Kepler, é o primeiro trabalho da literatura de ficção científica que descreve uma viagem à Lua. O astronauta de Kepler foi impulsionado por espíritos.

1638 a 1648 – John Wilkins escreve A descoberta de um novo mundo… na Lua, no qual analisa os avanços da tecnologia mecânica e propõe uma viagem ao satélite natural em uma “carruagem voadora”.

1695 – Cosmotheoros, de Christiaan Huygens, propõe que os seres que vivem em Saturno devem ser tecnologicamente avançados e estão provavelmente nos observando com telescópios.

1783 – Os irmãos Montgolfier constroem um balão na França para levar os humanos à atmosfera. Mas os cientistas já sabiam que o espaço era um vazio congelado intransponível.

1926 – Nos Estados Unidos, Robert H. Goddard lança o primeiro foguete “moderno” do mundo, usando um motor que queima combustível líquido.

1957 – A Rússia lança o Sputnik, o primeiro satélite a orbitar a Terra.

1961 – Yuri Gagarin se torna o primeiro ser humano a sobreviver a uma viagem espacial.

1969 – Os americanos Buzz Aldrin e Neil Armstrong aterrissam na Lua transportados pela Apollo 11, tornando-se os primeiros homens a pisar ali.

Rayita

Procurando os selenitas

A fim de superar os 30 km iniciais, Wilkins propôs o desenvolvimento de um veículo notável. Sua carruagem voadora seria como um pequeno navio, no meio do qual haveria um poderoso motor de relógio acionado por uma mola.

A força da pólvora poderia ser usada para movimentar esta máquina, de modo que, quando seu mecanismo fosse acionado, movimentaria seu grande par de asas, semelhantes às de um pássaro.

Astronauta na LuaA humanidade chegou à Lua cerca de 330 anos depois de Wilkins elaborar seu engenhoso plano espacial

A carruagem se levantaria e, quando tivesse subido 30 quilômetros, o motor poderia ser desligado. A partir deste ponto, esperava-se que deslizasse em direção à Lua.

Os astrônomos de 1640 conheciam a distância até a Lua com bastante precisão, de modo que Wilkins calculou que a tripulação da carruagem voadora passaria várias semanas em uma jornada relativamente rotineira, como aquelas enfrentadas por marinheiros oceânicos.

Quando os astronautas sentissem a fraca atração da Lua, precisariam simplesmente virar as asas no sentido horário para garantir uma descida e aterrissagem seguras. Simples, certo?

Wilkins também imaginou o encontro com os possíveis habitantes da Lua, que ele chamou de “selenitas”, em referência à deusa grega da lua Selene. Se existissem, escreveu Wilkins, comerciantes poderiam negociar com eles e estabelecer novos mercados lucrativos.

Estátua da deusa Selene
Wilkins batizou os possíveis habitantes da Lua como ‘selenitas’,em referência à deusa grega Selene

Além disso, ele apontou que o suprimento de comida para viajantes espaciais não seria um problema, porque, ao seu ver, nós só sentíamos fome devido ao efeito da atração da Terra sobre nossos estômagos. Em outras palavras, no espaço não fiaríamos com fome devido à falta de gravidade.

A lua-de-mel da ciência

Não é necessário dizer que a carruagem voadora de Wilkins nunca se tornou realidade. A ciência avançava tão rápido que, 24 anos após sua proposta, em 1664, Wilkins já havia percebido sua impossibilidade.

Em 1659, as investigações de seus amigos Robert Boyle e Robert Hooke levaram à descoberta do vazio e à compreensão de que provavelmente não havia ar no espaço e, portanto, este era intransponível.

No entanto, enquanto Wilkins nunca tenha conseguido chegar mais alto do que conseguia pular, seu intelecto, sua personalidade e seu poder de inspirar os outros o colocaram na vanguarda do movimento científico inglês.

Como diretor do Wadham College, em Oxford, entre 1648 e 1659, reuniu em torno de si um “clube” de amigos cientistas e, ao mesmo tempo, colaborou com pesquisadores de astronomia e física do Gresham College, em Londres.

E, quando a monarquia foi restaurada após as guerras civis em 1660, o círculo científico de Wilkins tornou-se a Royal Society, que continua sendo o corpo científico mais renomado do Reino Unido.

Mais tarde, como Bispo de Chester, ele colocou sob sua asa o genial Robert Hooke, que se tornou o maior físico experimental da época.

Wilkins e seus amigos viviam no que poderia ser chamado de “lua de mel” da ciência: havia sido descoberto o suficiente para fazer surgir perspectivas maravilhosas, mas só o tempo diria quanto mais seria necessário para tornar o vôo espacial uma realidade.

* Allan Chapman é um historiador da ciência na Universidade de Oxford, especializado na história da astronomia e da medicina, e a relação entre ciência e religião.

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