Pabllo Vittar: “Sofro boicotes nas rádios, mas só me dá mais vontade de mostrar nossa voz”
Publicado em 01/11/2019
A cantora, que soma 570 milhões de downloads no Spotify, fala em uma entrevista do álbum trilíngue que lança na sexta-feira, sobre ameaças às pessoas LGBT no Brasil, de suas origens e políticas de Bolsonaro
O único lugar do Brasil em que Pabllo Vittar (Phabullo Rodrigues da Silva) ainda consegue andar na rua com tranquilidade, sem ser parada, é quando vai à casa da tia no bairro de Uberlândia, cidade onde cresceu e ainda vive a drag queen que se tornou um dos maiores fenômenos musicais do país nos últimos anos. Tanto faz que esteja com uma longa peruca loira, saltos vertigionosos e vestidos colados —como quando chega à entrevista com o EL PAÍS— ou com tênis e seu cabelo castanho, curtinho e raspado nas laterais. Ambas identidades coexistem naturalmente no Instagram da artista, que foi indicada ao Grammy Latino, foi destaque na Parada do Orgulho LGBT de Nova York, em junho, trocou elogios com a espanhola Rosalía e que não foge de assuntos políticos, mesmo que pague por isso com boicotes. Ela faz 25 anos nesta sexta-feira e comemorará a data com uma grande festa de Halloween em São Paulo e a estréia em todas as plataformas de streaming de seu terceiro álbum, intitulado 111, que, segundo ela, é uma “playlist de aniversário”, com músicas dançantes em português, inglês e espanhol.
Como Rosalía —que alcançou a fama internacional ao trazer o flamenco à moda—, o fenômeno Pabllo Vittar nasceu nas redes sociais, um universo no qual agora reina com o apoio da multinacional Sony. Os números do seu sucesso são tão impressionantes quanto seu 1,87 de altura: 570 milhões de downloads no Spotify, 1.100 milhões de visualizações no YouTube, nove milhões de seguidores no Instagram (três milhões a mais que a cantora espanhola). “Rosalia es mi diva”, diz a brasileira em espanhol. Ambas já disseram que gostariam de gravar juntas, mas esse desejo ainda não se concretizou: “O que nos falta é a música. Sou muito fã dela e acho que com a regionalidade dela e minha regionalidade teríamos um choque cultural muito interessante”.
Outra de suas referências é Britney Spears. “Teve uma época que eu quis ser professor de inglês, mas eu sempre cantei desde pequena, sempre quis cantar e lembro que um dos maiores sonhos de criança era ter um álbum, sabe? Para cantar músicas autorais e, em cada letra, mandar uma mensagem, tipo em Blackout, de Britney [lançado em 2007], que ela começa com Gimme More e você pensa: ‘Eita, ela veio toda piranha agora!”. Enquanto posa para as fotos da entrevista, apoiando uma perna sobre a mesa, ela cantarola músicas da diva pop, mas ressalta que é, na verdade, uma beyhive, como se autodenominam os fãs de Beyoncé. Seguindo os passos de ambas, Vittar será a primeira artista brasileira a se apresentar no MTV European Music Awards, em Sevilha (Espanha), no dia 3 de novembro.
A cantora também é fã do realityRuPaul’s Drag Race, em que várias pessoas competem para se tornar a próxima superestrela drag, e sonha com uma edição nacional do programa (que acontece nos EUA, Reino Unido e Tailândia). “Aqui no Brasil tem muitas drags talentosas! RuPaul, olha para nós! Olha para as meninas daqui!”, gargalha ela, que tem sua própria comunidad de fãs, os vittar lovers.
Depois de provar uma dose do sucesso internacional —este ano, fez a primeira turnê internacional, nos Estados Unidos e na América Latina—, o novo álbum é seu debute cantando em outros idiomas. “Conheci vários fãs que aprenderam português para cantar minha música, então por que não eu fazer uma música para cantarmos juntos? Isso é uma troca”, diz. O trabalho também traz, como sempre, colaborações com outros artistas, já que Vittar tanto canta com um rapper do cacife de Emicida quanto grava com a popstar britânica Charli XCX, sua parceria mais recente. Vittar deixa claro que, embora esteja vivendo o auge do sucesso, o caminho até aqui foi árduo. “Se estou aqui hoje, é por conta dos meus fãs, do meu trabalho, de Deus e de todas as pessoas que estão comigo e me ajudam”, afirma a cantora, descrita por amigos e membros de sua equipe como “uma pessoa de muita fé”. É católica.
Mas Pabllo Vittar é também uma figura muito política, que não hesita em levantar a voz no país que, há anos, ostenta o terrível recorde de mais pessoas LGBT assassinadas. “Eu nunca fiz uma música política. Busco falar de amor, das minhas vivências, dos meus desejos, mas as minhas letras, em si, só por serem cantadas por uma drag, já têm um impacto político muito grande”, diz. Ela lamenta que, no ano passado, enquanto milhões de pessoas dançassem seus hits, fosse eleito Jair Bolsonaro, “um presidente racista e homofóbico”, em suas palavras. Antes mesmo do primeiro turno, decidiu romper contratos de publicidade com marcas que apoiaram a candidatura do ultradireitista. E não se calou. “Nunca foi fácil [ser LGBT] na verdade, né? Sempre foi horrível, sempre foi uó, mas a gente vê nas notícias o aumento massivo da violência não só contra LGBTs, mas do genocídio negro, o aumento do feminicídio. Meu Deus, a gente está em 2019 e ainda tem que ver esse tipo de coisa, de mulher sendo encontrada morta, família recebendo disparos da polícia!”. Essa atitude, no entanto, tem lhe custado caro. “Sofro boicotes nas rádios, que pararam de tocar minhas músicas, alguns empresários não me chamam mais. É muito triste”. Em questão de segundos, sua postura vai do lamento à combatividade: “No final, isso só me dá mais vontade de fazer o meu e mostrar que o pessoal da comunidade [LGBT] tem, sim, voz ativa. E a gente vai continuar falando, porra!”.
A cantora drag também comentou a declaração do deputado Alexandre Frota (PSL-RJ) de que ela “faria muito melhor” que Damares Alves no cargo de Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. “Acho que ele se equivocou. Quem tinha que estar lá é uma mulher com competência de verdade, com pensamentos coesos e propostas que realmente vão mudar a vida das mulheres, sabe? Acho que falta alguém lá com esse tipo de pensamento, não eu. Meu lugar é na música, colocando maquiagem, salto (risos)”.
Como outros milhões de brasileiros, ela nunca conheceu o pai. O homem abandonou sua mãe quando eles já tinham uma filha e ela estava grávida de gêmeos: a cantora e sua irmã. É com a família que ela gosta de desacelerar do ritmo acelerado de viagens e shows. “Tem horas que eu só quero ficar no meu sofá com minha mãe, comendo cuscuz com ovo”.
Pabllo Vittar é uma diva que (por enquanto) não se comporta como tal. Ela responde todas as perguntas, sorrindo ou séria, mas sempre com sua marcante voz de timbre feminino. Fala sem vergonha. Mostra-se cúmplice, casual, sem o medo de aventurar-se a responder sobre temas que vão além de suas canções que caracteriza muitos artistas consagrados. Ela confessa ser viciada em trabalho e diz que não é “muito ligada às afetividades”. Quando não está acompanhando as fofocas das celebridades internacionais, parte de seu tempo livre é gasto tempo livre é gasto jogando videogames de realidade virtual, especialmente se eles são de terror e envolvem armas e disparos. Atualmente, está empolgada com um em que se defende a tiros de palhaços que persiguem-na para matá-la.
Sobre sua identidade e personalidade, explica que passou pela androginia, diz que gostaria de ter um namorado mais alto do que ela e conta detalhes de quando se montou pela primeira vez: “Foi nos meus 18 anos, em uma festa de Halloween, em Uberlândia. Fui de múmia, porque não tinha peruca e não tinha roupa, então fiz um top de faixa, usei a cabeça enfaixada e fiz pontos no pescoço de pós-operada. Peguei inspiração de uma revista high fashion, que tinha foto de uma moça com uma injeção na boca e que falava do boom de cirurgias plásticas. Pensei: ‘Gente, é isso! Vou comprar umas ataduras e mandar ver!’. Cheguei lá no saltão, fiz uma makezinha…”. Naquela época, já tinha deixado de lado o sonho de ser professor de inglês ou médico. Queria ser cantora. Sete anos depois de consagrar-se no seu Brasil natal, ela se prepara para conquistar o resto do mundo.