Neto de Lasar Segall doa 110 obras do avô para o museu que seu pai ajudou a criar
Seguindo a tradição familiar, Mário Lasar Segall, neto do pintor, doou ontem ao museu que leva o nome do avô 110 obras do artista. Entre elas está uma tela fundamental, segundo o diretor da instituição, Jorge Schwartz, um autorretrato de 1930 em que Lasar Segall se pinta como um negro, audácia numa sociedade ainda conservadora e racista como a brasileira – e que um ano antes promoveu no Rio um congresso de eugenia justamente contra os imigrantes, vistos como “um perigo capaz de frustrar por contaminação” o “aprimoramento da raça brasileira”. O retrato é tão ou mais relevante se lembrarmos que em 1930 crescia na Alemanha um movimento totalitário e racista liderado por Adolf Hitler. Segall, judeu de origem lituana, morava em Paris, na época. Foi naquele ano que nasceu seu segundo filho, Oscar. O autorretrato, portanto, reflete o sentimento de um homem deslocado, indesejado na Europa dominada pelo fascismo e ainda pouco à vontade no país para o qual retornaria em 1932.
Outro momento familiar importante para o pintor acontecera em 1927, quando seu pai Abel Segall morreu, em São Paulo. Entre as obras doadas ontem ao Museu Lasar Segall – 12 pinturas (quatro sobre tela e oito sobre papel), 18 gravuras e 80 desenhos – está um grafite em que o pintor retrata o pai no leito de morte, antecipando em 20 anos o procedimento do artista Flávio de Carvalho, que desenhou a mãe Ophelia morrendo de câncer (Série Trágica), em 1947.
O neto do pintor, Mário, ressaltou a influência que seu pai Maurício teve em sua formação, incentivando-o a doar as obras. “Ele me ensinou que a arte só vale se for compartilhada”, disse na cerimônia de doação, em que estavam presentes a ministra da Cultura, Marta Suplicy, o diretor do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Angelo Oswaldo, o secretário de Cultura do Estado, Marcelo Araújo, e o presidente do Conselho do museu, Celso Lafer.
Vale lembrar que a instituição, idealizada por Jenny Klabin Segall, mulher do pintor, foi criada pelos dois filhos, Oscar e Maurício, na antiga residência e ateliê do artista, com a doação de mais de 3 mil obras da família, que migraram para a esfera pública graças à consciência comunitária que Mário disse ter herdado do pai. Isso não escapou ao diretor do Ibram. Angelo Oswaldo classificou a data como especial por coincidir com a polêmica em torno do decreto 8.124, assinado pela presidente Dilma Rousseff, que veio regulamentar a Lei n.º 11.904, criadora do instituto que dirige. “Temos agora uma lei não para interditar qualquer coisa ou perturbar a salvaguarda dos bens artísticos”, disse, numa clara referência aos bens culturais passíveis de musealização nas mãos de colecionadores particulares – como as 110 obras agora doadas ao Lasar Segall.
A ministra Marta Suplicy seguiu na mesma linha, lembrando que “a sociedade se assusta” de forma injustificada com a lei. “A política nacional dos museus insere o Brasil entre os países que defendem seu patrimônio cultural e foi discutida amplamente”, disse. O Lasar Segall, integrado ao Ibram, único museu federal em São Paulo, será beneficiado, como revelou a ministra, com R$ 1,5 milhão para a reforma do telhado e do seu sistema elétrico. Os investimentos para restauração de museus deve chegar a R$ 20 milhões no próximo ano, bancados pela Petrobrás. Ela também anunciou a construção do Museu Afro-Brasileiro em Brasília, “para contar uma história não contada e resgatar a autoestima do povo negro”.
Os museus já existentes, garante ela, não serão esquecidos. “Estamos batalhando para a digitalização do acervo de todos eles, mas esbarramos na lei de direitos autorais, que impede a circulação das imagens das obras.” Um gesto de filantropia como o de Mário Lasar Segall pode servir de incentivo, ao disponibilizar peças raras do avô, criadas entre 1905 e 1955.
Fonte: Estado de S. Paulo