A época em que punhalada era uma das faltas mais comuns no futebol
De acordo com a revista americana de Medicina Desportiva Ortopédica, a lesão mais comum atualmente entre jogadores de futebol é a entorse no tornozelo ou no joelho.
Mas, 500 anos atrás, quando o futebol era mais uma festividade popular do que um esporte propriamente dito, as lesões mais frequentes eram punhaladas ou ferimentos causados por armas brancas, como facas.
“Nos tempos medievais, as partidas de futebol promoviam o encontro de muitas pessoas e, geralmente, eram um espaço de confronto entre populações inteiras que corriam atrás de uma bola pelas ruas de cidades britânicas”, explicou o historiador Greg Jenner no podcast da BBC You are Dead to Me, sobre a evolução do esporte.
“E a maioria dos homens costumava andar com uma faca, não como arma, mas como ferramenta – muitas vezes, porém, essas festas terminavam com feridos.”
Por conta da violência, contou Jenner, vários reis da época tentaram proibir a prática do futebol em seus territórios.
Foi também para tentar reduzir as “ocorrências” que, em 1863, as 18 primeiras regras foram introduzidas no esporte, inaugurando o que é conhecido como o futebol moderno.
Com a transição, dezenas de histórias curiosas acabaram sendo deixadas para trás — entre elas a de um rei que teria sido a primeira pessoa a usar chuteiras e a de que a China pode ter sido o local de origem do jogo.
Facas, Shakespeare e proibições
Jenner afirma que o futebol não tem uma origem certa, já que, desde que o primeiro homem tenha passado um objeto redondo para outro com o pé, o esporte possa ser considerado “inventado”.
O conceito específico de contraposição de duas equipes com o objetivo de passar o objeto por um arco, entretanto, remonta à cultura chinesa.
A Federação Internacional de Futebol (Fifa) aceita, aliás, que o cuju, uma versão inicial do jogo de bola que se espalhou na China durante a dinastia Han (no século 3 a.C.), é a forma mais antiga conhecida de futebol.
“Embora existam várias versões, o primeiro registro de um esporte semelhante ao futebol na história é o cuju que os chineses praticaram durante esses anos”, explicou Jean Williams, professor da Universidade de Wolverhampton, no Reino Unido, no podcast.
Durante a Idade Média, o esporte com bola se tornou popular na região que é hoje o Reino Unido, onde cidades inteiras lutavam pelo controle da bola por ruas e parques.
“Eram encontros sem público ou torcida, porque todos estavam envolvidos no jogo. Consistia em colocar uma espécie de bola na porta da igreja da cidade oposta”, conta Williams.
“E os livros de História registram várias mortes por esse motivo, enquanto eram disputadas as partidas do que conhecemos como futebol medieval.”
Isso aconteceu porque as pessoas carregavam uma faca para quase todas as tarefas: cozinhar, capinar, caçar.
Essa violência, retratada em algumas pinturas que ainda são preservadas no Reino Unido, foi combatida por reis como Eduardo 2º, no século 14, que proibiu o jogo por considerá-lo um esporte que gerava tumultos.
E também chamou a atenção de escritores como William Shakespeare.
“Em obras como O Rei Lear e A Comédia dos Erros, Shakespeare menciona o futebol e destaca essa maneira apaixonada e até perigosa de jogar”, diz Jenner.
Primeiro par de chuteiras (reais)
O mercado de chuteiras, dominado hoje por marcas como Adidas, Nike e Puma, deve atingir vendas de US$ 19 bilhões (R$ 93 bilhões) até 2022. Mas os calçados para usar no gramado nem sempre foram tão populares ou coloridos.
Um dos registros mais antigos conhecidos de seu uso vem da realeza, mais especificamente, de um rei conhecido na História da Europa: Henrique 8º.
O rei que separou a Inglaterra da Igreja Católica também pode ter sido um fanático por futebol.
“Está registrado que, na lista de suas roupas, vários pesquisadores encontraram um par de botas (ou chuteiras) para jogar futebol”, afirma Williams.
A descoberta foi feita pela especialista em têxteis da Universidade de Southampton, Maria Hayward, em 2004.
Segundo ela, um par de botas que custavam quatro xelins foram listadas no inventário de roupas de Henrique 8º no momento de sua morte.
Um dos detalhes que Hayward descobriu é que o inventário mostrava que eram sapatos mais caros do que os outros que o monarca possuía porque podem ter sido feitos de um couro mais pesado (provavelmente de origem espanhola).
“Esse é talvez o primeiro registro histórico de chuteiras de futebol. No entanto, não está detalhado se elas tinham travas na base ou algum design especial”, afirma a especialista
Jogando para trás
Outro detalhe curioso daqueles primeiros anos foi que, uma vez estabelecidas as primeiras regras do futebol, ficou claro que os passes só podiam ser feitos sempre com os pés e para trás.
“Nos primeiros anos do futebol moderno, dominado por uma certa aristocracia, o jogo era mais individual do que em grupo. Havia jogos em que os membros da equipe não tocavam a bola”, diz Williams.
Com o estabelecimento das regras em 1863, ficou claro que um jogador não poderia receber a bola se ele estivesse posicionado à frente dela. Em outras palavras, ninguém poderia passar para um companheiro de equipe que estava à frente.
A primeira ideia do que conhecemos hoje como impedimento, off-side ou orsai.
“Funcionava como rugbi atualmente: você só podia fazer um passe atrás da linha da bola, o que não favorecia o jogo em equipe, porque era muito difícil avançar fazendo passes para trás com os pés”, pontua a acadêmica.
Por esse motivo, apenas três anos depois, a Associação Inglesa de Futebol — a primeira entidade criada para administrar o futebol — decidiu mudar a regra.
Foi estabelecido que um jogador poderia receber a bola mesmo se estivesse à frente dela, desde que houvesse três ou mais jogadores adversários atrás dele no campo rival.
Em 1925, essa regra mudou para apenas dois jogadores — e é a que se aplica atualmente ao futebol em todo o mundo.