Diz o ditado que o cachorro é o melhor amigo do homem. No caso dos escritores, no entanto, outro animal parece ocupar esse posto. São os gatos que aparecem em célebres fotografias, posando ao lado de nomes como Truman Capote, Ernest Hemingway e João Guimarães Rosa, cheios de charme e elegância. Alguns autores, além de conviverem com os felinos, se inspiraram neles para escrever.
Seria uma tarefa difícil elencar todos os nomes da literatura mundial que escreveram sobre os bichanos. O mestre do terror Edgar Allan Poe, Arthur Conan Doyle (criador do detetive Sherlock Holmes) e o francês Honoré de Balzac, com certeza, teriam destaque nessa extensa lista. Não é à toa que e eles estejam entre os autores de “O grande livro dos gatos” (Alfaguara), que reúne contos clássicos protagonizados por esses bichos.
“O gato é um animal que na literatura, de alguma forma, se assemelha muito ao humano. É possível dar a eles características dúbias, que são muito caras à ficção literária. São personagens que podem ser cínicos e, ao mesmo tempo, demonstrarem afeto”, avalia a editora Luara França, responsável pela coletânea lançada em abril.
O convívio com Ervilha – encontrada numa caixa de papelão no Parque da Luz, no centro de São Paulo -, impulsionou Sofia Nestrovski a criar seu primeiro livro. Ela brinca que a ideia partiu da própria felina. “Ela implorou mesmo, arranhando toda a minha cadeira para que eu não conseguisse me concentrar em nada mais além dela”, diz. Na HQ autobiográfica “Viagem em volta de uma ervilha”, que conta com desenhos de Deborah Salles, é com a gata que a escritora divide suas reflexões.
“Os gatos, assim como os livros, nos ensinam algo sobre o modo contemplativo. É um jeito que eles têm de olhar para as coisas e nunca as esgotar. Podem passar uma vida toda olhando para as mesmas paredes como se uma vida só não bastasse para dar conta de apreciar tudo o que uma parede é. Os livros, como as paredes, quando olhados com atenção, também não se esgotam”, compara Sofia.
Para a escritora pernambucana Maria Anna Martins, que mora com a família e mais dez gatos, o que atrai a atenção dos autores para os bichanos é o misticismo que eles carregam. “Há um ar de mistério nos gatos, além das histórias envolvendo a relação entre eles e as bruxas. Acho que tudo isso desperta a literatura”, defende a autora. No romance “Olhos de gato” (Sekhmet), ela se inspirou na expressividade do olhar felino para descrever os olhos de três irmãos. A publicação, aliás, é o livro de estreia do clube de leitura coletivo “Devaneio Romântico”, que ocorre pela plataforma de mensagens Telegram.
Luara França aponta ainda outra possível explicação para o amor que os homens e mulheres das letras nutrem pelos peludos. “O silêncio é muito característico do gato e o diferencia do cachorro, por exemplo. O gato dá a possibilidade do carinho, mas também de quietude, que é algo bastante interessante para quem escreve”, aponta.
Quando o assunto é a relação entre gatos e escritores, um dos exemplos mais famosos é do norte-americano Ernest Hemingway, Prêmio Nobel de Literatura em 1954. O autor de “O velho e o mar” ganhou do capitão de um navio um gata branca com polidactilia, mutação genética que a fazia ter seis dedos na pata da frente. Hoje em dia, mais de 50 gatos (a maioria descendente da pequena Snow White) habitam a antiga mansão de Hemingway, na Flórida, que foi transformada em museu.
Outro apaixonado pelos bichanos era João Guimarães Rosa, autor de “Grande Sertão: Veredas”. Junto com sua esposa, Aracy de Carvalho, ele criou vários felinos da raça persa. Em resposta ao ex-presidente Jânio Quadros, que perguntou o motivo da preferência por esses animais, o escritor respondeu uma vez: “Porque os gatos são muitos mais fiéis aos donos. Já os cachorros se parecem com certos diplomatas, abanam o rabo para qualquer autoridade”.
O baiano Jorge Amado escreveu boa parte de “Gabriela, Cravo e Canela” na companhia de um de seus gatos, Nacib, que acabou batizando um dos personagens do romance. Em 1948, ele já havia demonstrado seu apreço por esse bichos no infanto-juvenil “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá”, que escreveu para presentear o filho João.
Entre os poetas, não há como esquecer o chileno Pablo Neruda, que homenageou os felinos com o poema “Ode ao gato”. “O gato,/ só o gato/ apareceu completo/ e orgulhoso:/ nasceu completamente terminado,/ anda sozinho e sabe o que quer”, diz no texto. Já Ferreira Gullar dedicou “Um Gato Chamado Gatinho” ao seu grande companheiro felino, que viveu ao seu lado ao longo de 16 anos. Outros nomes ainda poderiam ser citados: Charles Bukowski, Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Haruki Murakami, Patricia Highsmith, escritores com estilos completamente diferentes, mas unidos pelo amor por seres de quatro patas capazes de encantar qualquer mortal.