O papel das mulheres em campos de concentração nazistas
Exposição no memorial do antigo campo de Ravensbrück, a 80 quilômetros de Berlim, aborda atrocidades cometidas pelas guardas femininas em prol da ideologia do Terceiro Reich. Poucas delas foram levadas a julgamento.
Consciência pesada? Remorso? Tais sentimentos eram completamente estranhos a Maria Mandl. “Não se podia encontrar nada de ruim no campo”, disse a chefe da guarda do campo de concentração feminino de Ravensbrück pouco antes de sua morte. Ela morreu na forca aos 36 anos, em 1948, após ser condenada à morte como criminosa de guerra na Cracóvia.
Sua cruel carreira não pode faltar na nova exposição permanente do memorial do antigo campo de concentração de Ravensbrück sobre as guardas femininas. Porque é assim que os alemães da autoproclamada “raça superior” gostavam que fossem suas guardiãs nos campos de concentração: leais e impiedosas.
Uma pessoa como Mandl era destinada a altos cargos na lógica perversa do regime nazista. Portanto, após três anos em Ravensbrück, ela foi transferida, em 1942, para o campo de extermínio de Auschwitz. Lá ela criou a Mädchenorchester, uma orquestra de meninas que tinha que tocar durante o transporte de prisioneiros e execuções.
A austríaca foi sem dúvida uma das mais cruéis das mais de 3.300 guardas femininas de campos de concentração, que eram preparadas para seu trabalho brutal em Ravensbrück. O campo, 80 quilômetros a norte de Berlim, era o centro de treinamento e recrutamento de guardas femininas.
Em 1940, quando a Segunda Guerra Mundial já havia começado, elas passaram a ficar sob responsabilidade da SS (Schutzstaffel), a assassina unidade de elite de Hitler. Daí vem o título da exposição, Im Gefolge der SS (Na esteira da SS), concebida pela primeira vez em 2004 e agora reorganizada e atualizada. O local também foi escolhido com cuidado: uma antiga casa de guardas de campo de concentração, bem ao lado do antigo campo. Apenas um muro e arame farpado as separavam de suas 140 mil vítimas de 1939 a 1945, cuja maioria eram mulheres, crianças e adolescentes.
“Você é mulher, mas posso bater em você”
Na exposição também é possível ouvir sobre as torturas e arbitrariedades a que as presas eram expostas. Algumas entrevistas com testemunhas têm mais de 20 anos.
A polonesa Urszula Winska descreve em um vídeo como viu Maria Mandl espancando uma idosa numa rua do campo. Quando uma outra veio em seu auxílio, acabou sendo encarcerada num bunker. Meses a fio, ela levou tapas no rosto diariamente, com o comentário sarcástico: “Você é mulher, mas posso bater em você.”
Mas também havia guardas femininas dos campos de concentração que mostraram toques de humanidade. Henryka Stanecka, também originária da Polônia, relata sobre banhos no lago que eram permitidos depois que seu grupo de prisioneiras acabava seu trabalho forçado sujo em uma plantação de beterraba. “Nós até recebíamos uma toalha dela”, lembra o ex-presidiária de Ravensbrück.
“Trabalho melhor que em linha de montagem”
Quanto mais a guerra durava, mais difícil era para os nazistas encontrar guardas voluntários. Novatas também eram recrutadas por anúncios em jornais. A palavra “campo de concentração” não aparecia nesses anúncios de emprego. Em vez disso, aparecia no Hannoversche Kurier em 1944: “Para trabalho em departamento militar, procura-se força de trabalho feminina com idade entre 20 e 40 anos.”
Além de remuneração baseada no sistema tarifário do serviço público, eram garantidos gratuitamente alojamento, alimentação e vestuário.
Tais perspectivas motivavam muitas mulheres a se candidatar voluntariamente. Waltraut G. foi uma dessas pessoas. Em uma entrevista em 2003, ela admitiu abertamente que decidiu trabalhar como guarda de um campo de concentração por razões financeiras. Ela diz que era a mais velha de cinco irmãos. “Então, não pensei duas vezes, mas pensei: se eu puder ganhar mais lá, irei para lá.”
Anna G. também não teve escrúpulos. Ela achava trabalhar no campo de concentração “mais atraente do que o trabalho estúpido da linha de montagem” em uma fábrica.
Muito poucas parecem ter oferecido resistência. Christel Wenzel, obrigada a servir na indústria de armamentos, foi uma daquelas encontradas pela curadora da exposição e historiadora Simone Erpel durante sua pesquisa. Segundo os registros, seus superiores orientavam Wenzel a “deixar claro às internas dos campos de concentração que elas tinham uma atitude errada em relação ao Estado e à vida, e tentar convertê-las para servirem ativamente ao führer e ao povo”. Isso era algo que Wenzel não conseguia conciliar com sua consciência. Sua recusa não teve consequências negativas.
Pouco a temer também teve a maioria das guardas femininas de campos de concentração após a guerra. “Houve somente 77 processos”, diz Erpel. Sentenças de morte como que recebeu Maria Mandl ou longas penas de prisão foram exceção. E investigações posteriores não tiveram consequências para as guardas vivas, já idosas demais.
Oito processos no estado de Brandemburgo, onde fica Ravensbrück, foram arquivados em fevereiro de 2020. Sete porque as rés não tinham condições de ser interrogadas, e um deles por falta de provas.
“Inocente” – este era o veredicto reivindicado pela maioria das guardas de campo de concentração nos poucos julgamentos contra elas. Com isso, tudo já estava dito, do ponto de vista das acusadas, embora elas não tivessem dito nada que pudesse ter ajudado suas vítimas de alguma forma.
Setenta e cinco anos após a libertação do campo de concentração de Ravensbrück, este capítulo da jurisprudência alemã é “história”. É o que afirma um promotor público em entrevista que também pode ser ouvida na mostra.