Juíza aponta indícios de conluio entre servidores públicos e particulares nos desvios de recursos da pandemia na gestão Geraldo Julio

A Juíza Carolina Malta lembrou, ainda, que Felipe Bittencourt, o braço direito de Geraldo Júlio, “é investigado em outros procedimentos de dispensa, para os quais há inquéritos policiais em aberto”.

Do Blog da Noelia Brito

Ao prestar informações no Habeas Corpus impetrado pela defesa de Felipe Bittencourt, braço direito de Geraldo Julio, que foi afastado do cargo de Diretor Financeiro da Secretaria de Saúde, por determinação da 36ª Vara Federal, para não ser preso, a Juíza Carolina Malta disse ao relator do HC, desembargador federal Manoel Erhardt, que Bittencourt é o principal ordenador de despesas dos gastos da Secretaria de Saúde. Disse, ainda, que “Se confirmados os fortes indícios de conluio existente entre servidores públicos e particulares para o desvio de dinheiro destinado ao combate à pandemia, dito investigado, na condição de gestor financeiro dos recursos, tem concreta possibilidade de voltar a delinquir, até o fim das investigações, valendo-se da flexibilidade das regras de contratação trazidas pela situação de emergência.”

A juíza lembrou, ainda, que Felipe Bittencourt “é investigado em outros procedimentos de Dispensa, para os quais há Inquéritos Policiais em aberto. (…)’Os fortes indícios de conluio existente entre servidores públicos e particulares para o desvio de dinheiro público restaram devidamente mencionados no corpo da decisão, merecendo destaque, em relação FELIPE BITTENCOURT, as seguintes passagens: ‘(…) Além disso, a análise do Relatório Descritivo que, segundo consta no Termo de Dispensa mencionado, teria sido o fundamento para a escolha da empresa DELTAMED e estaria anexo aos autos do processo, evidencia que ele só foi produzido cerca de 40 (quarenta) dias depois, quando parcela significativa do contrato já havia sido executada, pois dito documento faz referência a notícias jornalísticas e contém como anexos pesquisas de preços na internet que só vieram a ser publicadas ou impressas dias depois, a maior parte entre 27 de março e 28 de abril de 2020.”

Ainda nas informações prestadas pela magistrada ao Relator do HC, consta que o “Relatório Descritivo foi subscrito por FELIPE SOARES BITTENCOURT e PAULO MATTOSO, respectivamente, Diretor Executivo de Administração e Finanças e Gerente de Projetos Especiais da Secretaria Municipal de Saúde do Recife. Cabe enfatizar, neste ponto, que, embora FELIPE BITTENCOURT e PAULO MATTOSO tenham inserido no Relatório Descritivo a informação de que a proposta apresentada pela empresa DELTA MED venceu as propostas das concorrentes Megamed, Newmed, Cirurgia São Felipe e Atos Médica, que não teriam atendido as condições de disponibilidade de objeto, prazo de entrega e preço impostas pela SMS, verifica-se que as manifestações/cotações de preço supostamente apresentadas por essas 4 outras empresas não constam nos autos do processo de dispensa.”

Felipe Bittencourt ingressou com um habeas corpus para voltar ao cargo.

Outra questão relevante, segundo a juíza, “é que, embora tenha sido inserida no documento ‘Acompanhamento do Fornecedor’ a informação de que todas as obrigatórias certidões teriam sido juntadas, as certidões de regularidade com o INSS, Receita Federal e Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco, de Débitos Trabalhistas e Falimentar não foram acostadas aos autos. Já as certidões de regularidade fiscal perante o FGTS e Município do Recife só foram impressas e, por consequência, juntadas ao processo de dispensa em 31/03/2020, depois da homologação deste procedimento, supostamente ocorrida em 18/03/2020. Também não constam dos autos os documentos que deveriam ter sido apresentados como prova da capacidade técnica da empresa, a saber: I) Licença de funcionamento expedida pelo órgão sanitário estadual ou municipal para o fabricante do produto e comerciante; II) autorização de funcionamento expedida pela ANVISA para a fabricante das máscaras, toucas e aventais e para a comerciante; III) comprovação da regularidade do material na ANVISA. (…)”

E prossegue: “Conforme se observa do contexto probatório até então colhido, há indícios fortes de que a contratação da DELTA MED foi direcionada para o favorecimento da empresa e de seus administradores de fato, além de facilitar o desvio de recursos em favor dos envolvidos na empreitada criminosa. Isso porque a DELTA MED foi escolhida pela Secretaria Municipal de Saúde para o fornecimento de EPIs sem qualquer observância das formalidades exigidas pela Lei nº 8.666/93, pois no procedimento de Dispensa existem diversas irregularidades que apontam para o direcionamento da contratação para a mencionada empresa. Do mesmo modo, a Secretaria de Saúde do Recife efetuou, sem base legal ou contratual, o pagamento dos valores constantes nas notas fiscais apresentadas antes mesmo do recebimento dos materiais médico hospitalares adquiridos, embora o procedimento de dispensa previsse que o pagamento só ocorreria com atesto de recebimento. Além disso, a DELTA MED, de posse dos recursos, forneceu apenas parte das mercadorias contratadas, enquanto a Secretaria de Saúde do Recife atestou o recebimento de itens que jamais foram entregues. Relevante ressaltar que as máscaras eram entregues parceladas e recebidas por funcionário do setor de logística (SESAU). Porém, a entrega maior feita, de 1.165.100 máscaras, teria sido atestada e recebida por funcionário com nome ilegível, sem carimbo, sem indicação do setor de lotação. Por outro lado, o documento aparece com a data de 20/03/2020, mas aparece no meio dos datados em abril e maio/2020, ao contrário dos demais que respeitam a ordem cronológica. Ademais, a marca da máscara cirúrgica constante das notas fiscais de saída diverge das adquiridas na Comercial Maranguape, havendo indícios de que os produtos entregues eram inferiores e mais baratos; no mínimo, diversos daqueles para os quais a aquisição resta comprovada. Os autos evidenciam,assim, a prática dos crimes de falsidade ideológica (art. 299 do CPB), peculato (art.312do CPB) e inobservância das formalidades previstas em dispensas de licitação (art. 89,caput, da Lei nº 8.666/93).(…)”

“Cumpre registrar, ainda, que FELIPE SOARES BITTENCOURT, na elaboração do empenho nº 2020.01765, de 24/3/20, no valor de R$ 3.594.625,00, referente a 1.437.850 máscaras cirúrgicas, diferentemente dos anteriores que indicavam a fonte 244 (SUS), fez constar a fonte do recurso nº 114, no intuito de ocultar, segundo o MPF e a Autoridade Policial, a aplicação de recursos do SUS e afastar a atribuição dos órgãos de fiscalização federais.(…)’Relativamente ao pagamento de mercadorias sem o devido recebimento, gerando o suposto prejuízo ao erário de R$ 7.333.018,00 (sete milhões, trezentos e trinta e três mil e dezoito reais), destacou-se na decisão:'(…)”.

A juíza lembrou, ainda, que Felipe Bittencourt “é investigado em outros procedimentos de Dispensa, para os quais há Inquéritos Policiais em aberto”.

A juíza destaca que “ELIANE GERMANO e FELIPE BITTENCOURT autorizaram, ainda, em 19/03/2020, 24/03/2020 e 01/04/2020, o pagamento do valor total das notas fiscais apresentadas pela DELTA MED que, como visto, não corresponderia à exata quantidade do material efetivamente entregue. Como demonstrado acima, até a data de22/05/2020, dia em que as Notas Fiscais foram apresentadas por JONES MARCO aos agentes policiais, a Secretaria Municipal do Recife havia atestado o recebimento de 116.320 (cento e dezesseis mil, trezentos e vinte) aventais, ao passo que a DELTAMED só tinha adquirido 110.168 (cento e dez mil, cento e sessenta e oito) itens. A despeito disso, a SMS, por autorização da servidora ELIANE GERMANO, já havia pago, desde 19/03/2020, R$ 4.048.155,00, pelo fornecimento de 449.795 aventais. Relativamente às máscaras, observa-se que o município, desde ao menos 24/03/2020, já havia pago pela aquisição de 2.875.700 (dois milhões, oitocentos e setenta e cinco mil e setecentas) unidades, por autorização de ELIANE GERMANO e FELIPE BITTENCOURT. No entanto, até 22/05/2020, a DELTA MED teria entregue, no máximo, 1.165.150 (um milhão, cento e sessenta e cinco mil, cento e cinquenta) unidades desse EPI. Cabe frisar que o Termo de Dispensa nº 13/2010, em suas cláusulas 7.1, 7.2 e 7.4, estabelecia que os pagamentos só poderiam acontecer após o atesto de recebimento das mercadorias, o que impediria o desembolso antecipado por parte da Secretaria de Saúde. (…)’Como se observa, a decisão pautou-se em elementos concretos e indicativos da prática delitiva, demonstrando de forma clara e objetiva o do periculum in libertatis investigado FELIPE BITTENCOURT, a justificar a aplicação das medidas cautelares, que não se restringem à extemporaneidade do Relatório Descritivo e à mudança da fonte do recurso. Verifica-se que o Relatório contém informações de comparações de preços que não estão no processo de dispensa, bem como não houve apresentação escorreita das certidões negativas, apurando-se, ademais, pagamentos sem comprovação da entrega.”

E finaliza: “As alegações apresentadas pelo réu na petição de Id. 4058300.15405060, embora relevantes para a futura análise acerca da responsabilidade criminal do mencionado investigado, não refutam de modo absoluto, a ponto de descaracterizar por completo, as conclusões da Polícia Federal e do MPF a respeito dos elementos investigativos até então colhidos. É preciso melhor apuração, sobretudo a respeito dos “Vales de Entrega”, juntados aos ids. 4058300.15405073, 4058300.15405077,4058300.15405078, 4058300.15405083 e 4058300.15405087, alguns com carimbos ilegíveis e sem identificação do recebedor, sem qualquer referência a notas fiscais ou qualquer meio de identificação dos produtos, como número de estoque, códigos de barras etc. Persiste coerente e respaldada em indícios concretos a linha adotada pela Acusação, acolhida por este Juízo quando da fixação das medidas cautelares, não sendo o caso, portanto, de revogá-las por enquanto. Subsistem as irregularidades apontadas a respeito do procedimento licitatório, do qual se extrai participação ativa do investigado FELIPE BITTENCOURT, que, como visto, também foi o responsável pela autorização de pagamentos supostamente irregulares à empresa contratada. Ademais, devem ser devidamente analisadas as condições do alegado recebimento integral do material contratado, para fins de afastar qualquer tentativa de regularização da situação com vistas a evitar a responsabilização criminal.”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *