Em praça pública: O Terceiro Reich promoveu a cruel queima de livros
Com a subida de Adolf Hitler ao poder, campanhas para “purificação da cultura alemã” se fortaleceram e conseguiram ganhar espaço
Joseane Pereira
Era 30 de janeiro de 1933, quando Adolf Hitler subiu ao poder. Alguns meses depois, integrantes do Partido Nazista protagonizaram a primeira queima de livros escritos por intelectuais não alemães, judeus e pessoas contrárias às medidas de extrema direita a irromper no horizonte.
Seriam algumas das práticas comuns no regime liderado por Hitler, que se iniciou com a queima de livros considerados “impuros” e “nocivos” e, já em fins da Segunda Guerra Mundial, queimou pessoas sob a mesma condição.
A queima de livros em praça pública fazia parte dos planos do Ministério da Propaganda, Joseph Goebbels. A equipe de Goebbels, com cartazes, filmes, agitações nas ruas e exposições de “arte degenerada”, procurava convencer a população sobre a necessidade de extermínio de movimentos culturais contrários às concepções dos nacional-socialistas. Essas ações propagandísticas foram organizadas de 10 de maio a 21 de junho de 1933.
A noite da grande fogueira
Na noite de 10 de maio, inúmeros livros foram queimados no mesmo dia em vários pontos da Alemanha, mas o episódio na praça central de Berlim deixou maiores registros. A ação orquestrada por Goebbels contou com a presença de policiais, bombeiros, autoridades públicas e professores universitários. Curiosamente, a queima foi protagonizada por estudantes universitários, integrantes da Liga dos Estudantes Alemães Nacional-Socialistas criada em 1926.
Trajando os notórios uniformes marrons com emblema da suástica, os estudantes invadiram a biblioteca, onde hoje fica a Faculdade de Direito da Universidade de Humboldt, e roubaram mais de 20 mil livros escritos por “degenerados” e levando-os à praça pública de Opernplatz (hoje Bebelplatz), no centro de Berlim.
Milhares de pessoas assistiram o evento com inegável aprovação, enquanto Goebbels discursava ao lado da fogueira sobre a pretensa “reeducação” da Alemanha. Em meio às cinzas de obras queimadas que voavam pelo ar, uma multidão se aglomerava encantada com a possibilidade de purificar sua nação.
Os autores degenerados
Entre os livros queimados naquela noite, estavam obras dos judeus Sigmund Freud, Karl Marx, Albert Einstein e Walter Benjamin, do filósofo Friedrich Nietszche, do romancista Thomas Mann e do dramaturgo Bertolt Brecht, assim como livros escritos por intelectuais da República de Weimar.
Tais livros seriam contrários aos ideais do “espírito germânico”, pregando a decadência moral e cultural e “falsificando a História”. A maior parte da lista negra era composta por obras de Ciências Humanas.
Deveriam ser banidos principalmente livros de história, filosofia, sociologia e ciências políticas que desafiassem a ideologia do regime ou abrissem espaço para um debate, assim como obras de literatura que promovessem reflexões sobre o sistema.
Embora o episódio tenha marcado o auge da perseguição aos intelectuais, a opinião pública ofereceu pouca resistência. Editoras reagiram com oportunismo, universidades não se manifestaram e países estrangeiros acompanharam o ocorrido de forma distanciada. A responsabilidade pelo ocorrido foi passada aos “estudantes fanáticos”, em uma tentativa de minimizar a situação.
Entre os poucos intelectuais que reconheceram o perigo da situação estavam Thomas Mann, Nobel de Literatura de 1929, e Ricarda Huch, da Academia Prussiana de Artes. Em abril de 1933, após retirar-se da Academia, Huch criticou os atos do regime nazista: “A centralização, a opressão, os métodos brutais, a difamação dos que pensam diferente, os autoelogios, tudo isso não combina com meu modo de pensar”, justificou.
Praça atual: o memorial da queima
Quem visita a praça de Bebelplatz hoje em dia, encontra uma lembrança do ato perpetrado contra a diversidade. No chão da praça, é possível entrever por um painel de vidro uma sala branca subterrânea contendo prateleiras vazias com espaço para 20 mil livros.
Também compõe o memorial uma frase do poeta judeu Heinrich Heine, escrita mais de cem anos antes do nazismo: “Aquilo foi somente um prelúdio; onde se queimam livros, ao final queimam-se também pessoas”.