Construtoras da lista da propina bancaram campanhas
Empresas constituídas por construtoras que integram a “lista da propina” da máfia do Imposto Sobre Serviços (ISS) na cidade de São Paulo destinaram pelo menos 1,6 milhão de reais para campanhas nas duas últimas eleições. Levantamento do site de VEJA mostra que oito Sociedades de Propósito Específico (SPEs) apontadas pelos auditores fiscais da prefeitura de São Paulo como pagadoras de propina doaram para dezenove candidatos de diferentes partidos – PSDB, DEM, PT, PDT, PPS e PR. Todas as doações foram declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2010 e 2012.
Uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) é um mecanismo no meio imobiliário utilizado por empresas com a finalidade de erguer um único empreendimento – cada empresa possui determinada cota nessa sociedade, que corresponderá ao tamanho de sua parte quando a construção estiver concluída. Em geral, essa figura jurídica tem prazo determinado para encerrar a atividade: ou seja, quando o empreendimento é entregue aos compradores.
As SPEs abasteceram campanhas ao Legislativo e ao Executivo nas três esferas de governo: federal, estadual e municipal. A maior parte das doações foi direcionada a candidatos a deputado federal e estadual em São Paulo. Mas até os comitês das campanhas presidenciais da então candidata Dilma Rousseff (PT) e do seu adversário José Serra (PSDB) também receberam – respectivamente, 83.333 reais e 150.000 reais cada.
“Podemos interpretar isso como sociedades ‘laranjas’, que entraram para fazer doações das empresas que as constituem e dos sócios, para encobrir o nome do real doador”, disse a subprocuradora-geral da República Sandra Cureau, ex-vice-procuradora-geral eleitoral. “Elas também podem estar funcionando para que o real doador não estoure o limite legal de doações. Isso também torna eventual punição mais difícil, porque as sociedades são encerradas, aí são os sócios que têm de ser responsabilizados.”
Não é novidade que empreiteiras apareçam como um dos principais financiadores de campanhas eleitorais. Mas o uso de uma SPE, constituída para atuar em um empreendimento determinado, chamou a atenção do Ministério Público (MP) Estadual. A suspeita é que as construtoras usaram o mecanismo para ocultar o real doador/interessado na eleição de determinado político. Os promotores também avaliam quebrar os sigilos bancários das empresas citadas na “lista da propina” – foram 410 empreendimentos.
As oito SPEs identificadas pela reportagem são controladas por quatro construtoras: PDG/Goldfarb, Lucio Engenharia, Trisul e Brookfield. No caso da PDG/Goldfarb, as sociedades Gold Beige, Gold Marília, Gold Marrocos e Gold Mônaco distribuíram 1.030.333,34 de reais para nove candidatos, em 2010, e para o Diretório Nacional do PSDB, em 2012. É a maior parcela do total de 1.688.333,34 reais pagos pelas SPEs.
De acordo com as investigações do MP, a Gold Marília, por exemplo, pagou 12.358,77 reais de ISS à prefeitura de São Paulo em novembro de 2010. Porém, a empresa devia 704.717,54 reais de imposto. A suposta propina paga à quadrilha de fiscais para obter o desconto, conforme a planilha obtida pelos promotores, foi de 247.000 reais.
Na última segunda-feira, o TSE negou um recurso da Gold Mônaco, que foi multada em 500.000 reais pela Justiça Eleitoral paulista, por ter doado em 2010 acima do limite legal fixado. “Não há como afastar a condenação da sociedade empresarial recorrente ao pagamento de multa no presente caso, pois, conforme consignado no acórdão regional, ela realizou doação na importância de 376.000 reais, e seu faturamento bruto declarado à Receita Federal no ano anterior à doação foi de 2.291.713,09 reais, tendo sido ultrapassado o limite [de 2% do faturamento]”, escreveu o ministro relator do TSE, Henrique Neves da Silva.
A Gold Mônaco alegou que o tribunal deveria considerar o faturamento global de todo o grupo empresarial do qual faz parte (superior a 700 milhões de reais, em 2009), mas o TSE não acatou a tese. Os defensores da SPE chegaram a argumentar que o teto estipulado para contribuições de campanha “viola o direito à igualdade na luta por representação política”. Outras SPEs da PDG/Goldfarb, como a Gold Marrocos e a Gold Marília, também foram autuadas por abuso de poder econômico.
Um dos parlamentares apoiados pela PDG/Goldfarb foi o deputado estadual Antônio de Sousa Ramalho (PSDB), líder sindical que atua politicamente no setor da construção civil. Ele recebeu 48.000 reais, sendo 30.000 reais da Gold Marília e mais 18.000 reais da Topázio Brasil – que pertence à Lúcio Engenharia. “Houve solicitações pelos meus assessores de doações para campanha e, nesse caso, foram atendidas. Tudo feito dentro das formalidades legais”, disse Ramalho.
Empresas – A Lúcio Engenharia, dona da Topázio Brasil, disse que a doação a Ramalho foi “perfeitamente legal e contabilizada”. A empresa afirmou também que sua SPE, citada na “lista da propina”, “cumpre com as obrigações fiscais e legais”. A assessoria de imprensa da PDG/Goldfarb não respondeu aos questionamentos do site de VEJA.
A Brookfied, que admitiu em depoimento ao Ministério Público de São Paulo ter pagado pelo menos 4 milhões de reais em propina aos auditores fiscais da prefeitura, doou 630.000 reais a políticos por meios de duas SPEs: a Rubi e a Aquamarine. As doações foram destinadas a políticos de São Paulo, Goiás, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina. Procurada, a Brookfiled não respondeu.
O ex-senador Adelmir Santana, que disputou a eleição de 2010 para deputado pelo DEM do Distrito Federal, disse que desconhecia a Rubi e que acertou a colaboração com a Brookfiled: “Nunca vi essa empresa. Na verdade, quando eu saí candidato, eu busquei alguns contatos e uma das empresas que doaram foi a Brookfield. E ela o fez através dessa Rubi – que eu não sei de onde é porque nunca tive nenhum contato com ela”.
A Trisul, controladora da SPE Sugaya, disse que “em relação às eleições de 2010, a situação encontra-se resolvida e encerrada junto ao Tribunal Regional Eleitoral [TRE]”. A Sugaya também foi questionada por doação acima do limite pelo Ministério Público Eleitoral e punida pelo TRE-SP. A Trisul assegurou que as doações “não tem qualquer relação” com o fato de a empresa estar envolvida com os auditores fiscais investigados. (VEJA)
Os deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Theodorico Ferraço (DEM-ES), presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, e o secretário do Governo de São Paulo Ricardo Salles, que concorreu a uma cadeira de deputado estadual pelo DEM-SP, afirmaram apenas que as doações foram legais e estão registradas na Justiça Eleitoral.