Julinho da Adelaide: A icônica tática de Chico Buarque para tapear a censura da ditadura 

 

No dia 7 de setembro de 1974, uma icônica entrevista do compositor ‘Julinho da Adelaide’ foi publicada pelo jornal Última Hora

Giovanna Gomes
Chico Buarque durante apresentação de 1970
Chico Buarque durante apresentação de 1970 – Wikimedia Commons, via Arquivo Nacional

Durante a ditadura, ser um compositor que criticava o regime era tarefa difícil. Toda produção cultural deveria passar por um censor, que diria quais poderiam ser lançadas ao público e quais não poderiam. Chico Buarque, renomado músico brasileiro, estava entre os mais famosos artistas, com obras que costumavam ser censuradas pelo governo. Cansado, ele buscou uma forma de driblar o insistente obstáculo.

“Suas músicas eram proibidas somente porque levavam sua assinatura. A saída para burlar a censura foi a criação de um heterônimo. E deu certo”, explica o site Chico Buarque.

A solução

Julinho da Adelaide era a resposta para o problema. Assim como Chico, o compositorJulinho, assim que surgiu, se mostrou excelente no que fazia. Era capaz de conquistar grandes multidões com suas letras únicas e inteligentes.

O que logo se tornou claro para os admiradores do artista, mas não para os censores, era que Chico e Julinho eram, na verdade, a mesma pessoa.

A ideia era perfeita, já que, assinando com outro nome, o músico tinha muito mais chances de ter suas canções aprovadas. Seus grandes sucessos JorgeMaravilha (“Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”) e Acorda Amor foram assinados como sendo de autoria de Julinho.

De acordo com a descrição que Buarque fazia de seu “colega”, Julinhoda Adelaide era um “compositor de morro carioca que vivia mais nas páginas policiais e que de repente passou para as páginas de crônica musical.”

Nada disso

A história era uma tática, mas isso não impediu que o famoso Julinho fosse entrevistado na época. Era 1974, quando Mario Prata, amigo de Chico, teve a ideia de entrevistar o novo grande nome da música popular. De acordo com o Estadão, o resultado icônico foi publicado no jornal Última Hora, no dia 7 de setembro daquele ano.

A entrevista, que ocorreu na casa do pai do artista, o grande historiador Sérgio Buarque de Holanda, foi um verdadeiro sucesso, já que Chico era muito criativo em suas respostas. Logo de início ele deu uma explicação aceitável para o fato de ter recusado tirar fotos para a publicação.

Chico Buarque – Crédito: Wikimedia Commons

 

O motivo era que, sete anos antes, enquanto se encontrava em uma apresentação de Sérgio Ricardo, teria sido atingido por um violão jogado pelo músico na plateia. O mais engraçado é que a história do instrumento de fato ocorreu, mas a presença de Julinho (que nunca existiu) e as supostas cicatrizes que ficaram em seu rosto não passavam de lenda.

“Foi neste momento aí que eu despertei pra música popular”, disse Julinho ao contar sobre o episódio do violão. “Pegou assim: o cabo aqui e a caixa desse outro lado.”

Quase quatro décadas depois, Prata declarou em entrevista ao Estadão que “antes de começar, Chico pediu um tempo e subiu para o seu antigo quarto. Ficou uma hora lá e quando desceu e pediu para ligar o gravador já não era ele, mas o Julinho.” Era como se Buarque tivesse realmente incorporado seu pseudônimo.

Ernesto Geisel era o presidente do país à época da entrevista – Crédito: Wikimedia Commons

 

O artista tratou sobre diversos temas, dando, por exemplo, sua opinião sobre o que achava de determinados músicos da MPB, bem como sobre os diversos acontecimentos do cenário musical da época.

Não tardou muito para que a tática fosse descoberta, mas aquele cômico episódio jamais foi esquecido pelos admiradores de Chico Buarque, afinal, o músico conseguiu de fato, driblar a censura.

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