Ano começa com temporada eclética nos palcos

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Estufa solar do lado de fora, frio — às vezes polar — na sala escura. É em meio a esse jogo de opostos que a cena teatral dá a partida e as boas-vindas em todo início de ano. Desafiando os encantos da cidade, janeiro abre os panos renovando o cardápio das principais salas do Rio. Além da profusão de novas peças, vez por outra é possível identificar tendências — em 2013, por exemplo, superproduções musicais aterrissavam em sequência; já em 2012, havia uma leva de textos inéditos de jovens autores —, mas 2014 aposta naquilo que as artes cênicas têm de melhor: o fato de que o palco, antes de tudo, é um espaço vazio e aberto às mais variadas possibilidades de criação, gêneros e estilos.

Tem de tudo entre as melhores pedidas: o teatro gestual da Companhia Dos à Deux, que celebra 15 anos com “Irmãos de sangue”, encenado por André Curti e Artur Ribeiro (no dia 8, no CCBB); o iluminador da Dos à Deux, Francisco Alves, estreando como dramaturgo em “Casarão ao vento” (no dia 4, no CCBB); o autor-sensação britânico Nick Payne tendo sua “Wanderlust” vertida para “Preciso andar”, com direção de Ivan Sugahara (no dia 8, na Caixa); Charles Möeller e Claudio Botelho encenando “Todos os musicais de Chico Buarque em 90 minutos” (no dia 9, no Teatro Clara Nunes); André Paes Leme dirige “Amigo Cyro, muito te admiro!” (dia 3, no CCBB), o autor Pedro Kosovski misturando tragédia grega, psicanálise e John Lennon no musical “Edypop” (no dia 11, no Espaço Sesc); o ator Gustavo Gasparani encarando “Ricardo III”, de Shakespeare, em versão solo (no dia 11, no Espaço Sesc); o Nobel Mario Vargas Llosa levado ao palco com “Fonchito e a lua”, com direção de Daniel Herz, música do Uakti e direção de arte do estilista Ronaldo Fraga (no dia 25, no CCBB), e muito mais.

Uma boa coincidência é a presença simultânea de alguns dos mais experientes nomes da cena do país, como Ednei Giovenazzi, Eva Wilma e Marília Pêra. E, entre seus novos trabalhos, outro aspecto em comum: obras que evidenciam protagonistas-artistas e que tematizam as agruras e delícias da construção de uma longa trajetória artística.

Efemérides

Responsável por abrir as cortinas, Giovenazzi celebra 60 anos de carreira e 80 de vida estrelando “O canto do cisne”, de Anton Tchekhov, que estreia amanhã no Espaço Sesc. Em cena, ele encarna Vassíli Vassílitch Svetlovíd, um ator que, aos 78 anos, inicia um balanço dos últimos 55 dedicados à cena. Entre a nostalgia e o lirismo eufórico do prazer de atuar, o personagem desfia lembranças e revive importantes passagens da sua carreira.

— É um ator em fim de carreira, com suas mágoas, alegrias, aspirações e desencantos — diz Giovenazzi.

Em alguns momentos, a vida de Vassíli se une à de Giovenazzi, já que o personagem reinterpreta peças como “O mercador de Veneza”, de Shakespeare, ou “Mozart e Salieri”, de Alexander Pushkin, textos que também fazem parte do currículo de Giovenazzi, que computa com esta montagem o segundo Tchekhov de sua carreira — após atuar em “O jardim das cerejeiras” ao lado de Cleyde Yáconis e Walderez de Barros, ele agora divide a cena com outro veterano, Pietro Mário.

Também completando 60 anos de carreira e 80 de idade, Eva Wilma protagoniza “Azul esplendor” no próximo dia 9, no Sesc Ginástico. Em cena, ela é Blanca Estela, uma grande dama do teatro afastada dos palcos há 30 anos. Escrita pelo peruano Eduardo Adrianzén e dirigida por Renato Borghi e Elcio Nogueira Seixas, a peça é uma investigação do ofício do ator. Numa espécie de cena-coxia, o espetáculo revela os bastidores do universo teatral: os jogos de poder, as ambições e frustrações de uma série de personagens arquetípicos, como a célebre atriz aposentada precocemente, o coadjuvante recalcado, o encenador prepotente, os jovens atores em busca de fama a qualquer preço.

— O que me atrai no texto é a abordagem crítica e bem-humorada da vida de todos os que ousam viver exclusivamente das artes cênicas — diz a atriz. — Mesmo com esse humor crítico, ele trata, com muita sutileza, da finitude da vida.

Já Marília Pêra revisita a própria carreira e a trajetória da cantora lírica Maria Callas. Após viver a diva Callas 18 anos atrás, em “Master class”, Marília agora assina a direção de “Callas”, que estreia no dia 11, no Teatro do Leblon. Em cena, Cássio Reis contracena com Silvia Pfeifer, que revive o último dia de vida da cantora, em 15 de setembro de 1977, quando Callas acertava os detalhes de uma exposição sobre sua vida e carreira.

— É uma alegria mergulhar de novo no universo de Callas, agora dirigindo — diz a atriz e diretora.

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