Como um ego inflado levou à destruição de uma das 7 maravilhas do mundo
Dalia Ventura
O templo de Ártemis era o orgulho dos moradores de Éfeso.
A polis, ou cidade-Estado independente da Grécia antiga, ficava perto de onde hoje é a cidade portuária de Esmirna, na Turquia. E a patrona de Éfeso era Ártemis, a deusa da caça, dos animais selvagens, das terras virgens, dos nascimentos, das donzelas e da virgindade.
Segundo o historiador grego Heródoto, o templo havia sido erguido com recursos do extraordinariamente rico rei Creso de Lídia e, segundo o romano Plínio, tinha 127 colunas, 36 das quais finamente talhadas com com desenhos em relevo.
No centro do que foi um dos maiores templos gregos da história e o primeiro construído quase completamente em mármore, estava a colossal figura de Ártemis, feita em madeira enegrecida.
Era uma maravilha… Uma das sete do mundo antigo, que deixou sem alento até a Antípatro de Sídon, o autor da famosa lista: “Pousei meus olhos sobre a muralha da doce Babilônia, que é uma calçada para carruagens, e a estátua de Zeus do Alfeu, e os jardins suspensos, e o Colosso do Sol, e a enorme obra das altas Pirâmides, e a vasta tumba de Mausolo; mas quando eu vi a casa de Ártemis, ali entre as nuvens, aquelas outras maravilhas perderam seu brilho, e eu disse: ‘além do Olimpo, o Sol nunca viu nada tão grandioso”.
Além dos seus propósitos religiosos, a construção era um ímã que atraia turistas, comerciantes e até reis que faziam homenagens oferecendo diversas joias e outros tesouros. Servia também de proteção aos perseguidos, porque ninguém se atreveria a fazer algo que pudesse profanar o templo.
Mas em 21 de julho de 356 a.C. ocorreu uma catástrofe.
Segundo o historiador grego Plutarco, enquanto a deusa Ártemis estava ausente do santuário, ajudando no nascimento de Alexandre Magno, também conhecido como Alexandre, o Grande, um homem chamado Heróstrato queimou deliberadamente o templo que havia levado um século para ser construído.
Mas por quê?
Foi uma tragédia. Em uma noite, tudo o que existia de madeira— o teto, as escadas, as portas, os móveis e a adorada imagem de Ártemis— ardeu nas chamas e apareceu reduzido a cinzas na manhã seguinte.
Tudo o que restou do templo que havia sido o mais magnífico da Grécia foram colunas esfumaçadas, enegrecidas e arruinadas. Heróstrato foi rapidamente preso e confessou que havia incendiado o santuário para que, “por meio da destruição dessa construção tão bela, seu nome fosse difundido por todo o mundo”, segundo relato de Valerio Máximo, autor da coleção Factorum et dictorum memorabilium (Feitos e ditos memoráveis).
Por causa do ato infame, além de ser torturado e executado, Heróstrato foi castigado com o esquecimento por meio do que mais tarde passou a ser chamado de damnatio memoriae — literalmente “condenação da memória”.
Qualquer registro de sua existência foi eliminada e a mera menção ao seu nome foi proibida sob pena de morte.
Por um tempo, a medida foi acatada, mas eventualmente Heróstrato alcançou seu objetivo.
Apesar da damnatio memoriae decretada, o historiador contemporâneo Teopompo mencionou o nome do incendiário em uma obra escrita naquele mesmo século. Portanto, apesar de sabermos pouco sobre Heróstrato, ele nunca foi esquecido.
Mais que lembrado
Na verdade, mais que lembrado pelo que fez, Heróstrato pulou dos livros de história para outras esferas. Na literatura, vários grandes nomes como Victor Hugo, Anton Tchekhov, Jean-Paul Sarte, Miguel de Unamuno e até o engenhoso Dom Quixote de La Mancha, personagem de Miguel de Cervantes, violaram a “condenação da memória”.
No poema onírico inacabado “A casa da fama”, de Chaucer, do século 14, Heróstrato aparece apresentando seu caso à musa Calíope, que escuta suas súplicas no tribunal da fama.
Quando a musa da poesia pergunta por que ele destruiu o templo, Heróstrato responde que queria ser famoso como eram outras pessoas cuja fama se devia a virtudes e força.
Nesse sentido, ocorreu-lhe que as pessoas más eram tão famosas por sua maldade ou sagacidade quanto as boas por sua bondade. Por isso, para garantir que tivesse algum tipo de fama, decidiu queimar o templo.
Quando ele pede que sua fama seja proclamada aos quatro ventos, a musa responde: “com prazer.”
E Heróstrato não segue vivo apenas apenas no mundo da ficção, mas também no da ciência. O “complexo de Heróstrato” é um termo utilizado na psiquiatria moderna para pessoas que sofrem de sentimento de inferioridade, mas que desejam se sobressair a qualquer custo.
Para alcançar esse fim, recorrem a ações agressivas, como destruir objetos de arte, patrimônios públicos, objetos socialmente úteis e torturam ou matam animais ou pessoas.
Reconstrução
Os moradores de Éfeso iniciaram a longa tarefa de reerguer o templo sobre o cimento original pouco depois da tragédia. Anos depois, receberam calidamente aquele que havia nascido das cinzas do santuário da deusa, Alexandre o Grande.
Ele entrou triunfante em Éfeso após derrotar as forças persas na batalha de Granicus, em 334 a.C., liberando as cidades gregas da Ásia Menor.
Mas quando o heroico conquistador se ofereceu para pagar todos os gastos da reconstrução do santuário, os habitantes de Éfeso se viram diante de um dilema: não queriam ficar em dívida com o macedônio, mas como recusar a ajuda de alguém tão poderoso?
Eles se saíram dessa com uma frase diplomática que se tornou uma das mais famosas da história: “É inapropriado que um deus dedique oferendas a outros deuses.”