De Roma 1960 a Tóquio 2020 — seis décadas de Jogos Paralímpicos que transformaram vidas
Peter Ball e Pooja Chhabria
A cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020 nesta terça-feira (24/8) marcará 60 anos — na verdade, tecnicamente 61 devido à pandemia de Covid-19 — da estreia do evento esportivo que apresentou atletas de elite e ajudou a criar uma transformação real para pessoas com deficiência.
Enquanto os preparativos para os Jogos estavam em andamento, a BBC conversou com competidores de todo o mundo que representaram seu país no evento ao longo destas décadas.
Mudança de vida
“Acho que [os Jogos Paralímpicos] tiveram um grande impacto, eles reuniram pessoas de todo o mundo, onde não teriam (se reunido) antes”, diz a Baronesa Masham de Ilton, que competiu pelo Reino Unido na primeira edição dos Jogos Paralímpicos: Roma 1960.
“Acho que fizeram uma diferença tremenda.”
Após um acidente de equitação em 1958, que a deixou com a necessidade de usar cadeira de rodas, ela foi tratada pelo médico que ajudou a criar os Jogos Paralímpicos, Ludwig Guttmann.
“Uma vez que alguém estava em uma cadeira de rodas, o esporte fazia parte da reabilitação”, diz ela.
“Fazia parte da vida. Era parte do sistema dele.”
Guttmann deu início aos Jogos de Stoke Mandeville no Reino Unido (que recebeu este nome em homenagem ao hospital em que ele trabalhava tratando lesões na coluna), que mais tarde evoluíram para os Jogos Paralímpicos.
Para a Baronesa Masham, que era fã de esportes antes do acidente, a chance de competir na primeira edição dos Jogos era uma oportunidade emocionante.
“Participar foi muito bom, ser internacional foi ainda melhor”, afirma.
“Gostei de conhecer pessoas de todo o mundo.”
Medalha perdida
Sua participação nos Jogos Paralímpicos de Roma e nas edições seguintes de Tóquio e Tel Aviv foram muito bem-sucedidas — ela ganhou três medalhas na natação e no tênis de mesa, mas não conseguiu levar todas para casa.
“Fomos a um restaurante perto da Fontana di Trevi, em Roma”, relembra.
“Alguém pediu para ver minhas medalhas, e mostramos minhas medalhas, depois eu as coloquei na lateral da minha cadeira de rodas, e a de ouro escapuliu.”
A imprensa local ficou sabendo da história e publicou a versão mais instigante (embora imprecisa) dos fatos, que ela havia deliberadamente jogado a medalha na famosa fonte.
“O que eu não tinha feito, mas nunca consegui uma (medalha) sobressalente”, ela acrescenta.
“Foi irritante.”
Rompendo barreiras
Competir nos Jogos Paralímpicos também foi algo que teve um grande impacto na vida de Anne Wafula Strike.
“Para mim, encontrar o esporte me proporcionou uma nova vida.”
Ela precisa usar cadeira de rodas desde que contraiu poliomielite na infância, mas só conheceu as pistas de atletismo aos 30 anos.
“O esporte fez com que eu me reencontrasse — eu podia estar nas pistas, no ginásio, treinar ao lado de pessoas sem deficiência. Me sentia igual e minha autoestima começou a crescer.”
Anne competiu pelo Quênia nos Jogos de Atenas em 2004.
“Foi mágico, a euforia e a alegria que tomam conta, a satisfação é tão grande”.
Surpreendentemente, apesar do longo e bem-sucedido histórico de atletismo da região, ela foi a primeira atleta de corrida em cadeira de rodas do leste da África a competir nos Jogos Paralímpicos.
“Foi grandioso. Quando eu estava crescendo com minha deficiência, fui condenada ao ostracismo na minha aldeia.”
“De ser a marginalizada de uma comunidade a subir naquele palco e hastear a bandeira — este é o poder do esporte.”
Anne também competiu internacionalmente pelo Reino Unido, onde começou a praticar o esporte e para onde se mudou depois de se casar.
Mas lá também ficou desapontada com o ritmo das mudanças para pessoas com deficiência — ela recebeu uma indenização após processar uma companhia ferroviária do Reino Unido por falta de acesso a banheiros para deficientes nos trens.
“Fico frustrada quando uma nação desenvolvida não lidera o mundo de maneira adequada.”
Após deixar as pistas de atletismo, ela trabalhou como diretora do British Athletics e representante da secretaria-geral da Commonwealth pela igualdade no esporte, além de ter sido condecorada como Membro da Ordem do Império Britânico (MBE, na sigla em inglês).
“Sou a primeira pessoa negra em um conselho esportivo com financiamento nacional [no Reino Unido] e isso realmente mostra onde a sociedade está e como precisamos nos recompor.”
Da guerra ao esporte
Murlikant Petkar foi um atleta pioneiro de outro país — a Índia.
“Receber a primeira medalha de ouro da nação nas Paralimpíadas foi o momento mais feliz e inesquecível da minha vida”, afirma.
Murlikant foi gravemente ferido por um ataque aéreo durante a guerra entre a Índia e o Paquistão de 1965 — e começar a nadar fez uma grande diferença em sua recuperação.
“Sim, inicialmente, ser uma pessoa com deficiência foi uma parte muito desanimadora e triste da minha vida, que escolhi deixar para trás no momento em que compreendi meu lugar como atleta, para mim e para minha nação.”
“Se eu não tivesse participado dos Jogos Paralímpicos, estaria me afogando na minha própria tristeza de não poder fazer nada.”
Por suas conquistas, que também incluíram competir nos Jogos de 1968, Murlikant recebeu o prêmio Padma Shri da Índia — uma das maiores honrarias do país.
Ele acredita que muitos outros atletas indianos serão bem-sucedidos em Tóquio.
“Sinto que nossos atletas paralímpicos atuais e futuros se sairão com louvor e conquistarão muito mais medalhas de ouro para a Índia e proporcionarão mais momentos de orgulho para todos nós.”
Fazendo a diferença
Todos os atletas paralímpicos estão ansiosos pelos Jogos de Tóquio, que foram adiados por um ano devido à Covid-19.
“Estou feliz por terem levado adiante, por causa de todo o treinamento que foi feito — espero que se saiam muito bem”, diz a Baronesa Masham.
Anne também está aliviada porque, depois de tantas incertezas, os Jogos Paralímpicos finalmente terão início nesta terça-feira.
“Estou muito feliz com a realização dos Jogos. Você pode imaginar os atletas que treinaram durante anos?”
“Pensar em ir, em começar famílias ou mudar de carreira — tudo isso foi adiado por causa da pandemia.”
Mas ela acredita que os atletas estarão mais do que à altura do desafio.
“Quando todos estão sendo testados, a coisa boa em relação às pessoas com deficiência é que somos resilientes, e somos assim porque há muitas barreiras colocadas diante de nós.”
“Cada dia que você acorda, há um novo desafio com o qual você precisa lidar ou superar.”
E isso, Anne acredita, pode fazer uma grande diferença.
“O esporte simplesmente não quebra barreiras — o esporte fortalece, o esporte motiva. Espero que eles usem essas grandes estrelas quando voltarem para casa, que usem esses astros como catalisadores para a mudança.”