Livro ‘O Porão’ retrata golpes contra a democracia brasileira pela classe jurídica
O romance de estreia de Luiza Berthoud mistura ficção e a história da política pelos bastidores da Faculdade de Direito da USP
Muitos não sabem, mas a história política do Brasil perpassa em sua grande parte pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Os juristas, filhos da instituição, são protagonistas de muitos acontecimentos envolvendo grandes nomes da política brasileira, e isso não é ficção.
‘O Porão’, romance de estreia da escritora Luiza Berthoud, que começou sua vida acadêmica na Faculdade de Direito da USP, retrata essa atmosfera da Velha Academia. Em 2010, decepcionada com o que não encontrou na universidade, deu uma guinada em seus projetos e mudou-se para a Califórnia. Formada com bacharelado e mestrado em História da Arte (San Francisco State University e University of California), retomou a escrita inspirada no que viu e viveu e começou a escrever “O Porão”.
“Eu quis ir para o mundo mais idealista, mas também mais honesto das artes. Engraçado como no Direito eu vi mais artifícios do que nas artes”, conta Luiza. Lançado pela NumaEditora e Produções Artísticas, o livro conta a história de Zula Alvarenga personagem da ficção, que é eleita ao Centro Acadêmico XI de Agosto, o berço de dezenas de políticos brasileiros.
Com seu poderio, ela escreve para grandes jornais, vence debates, organiza protestos, é ouvida por senadores e ministros. Seu futuro está prometido, mas a cada glória,ela narra a demolição de si mesma. ‘O Porão’ delibera a irracionalidade inerente nas afeições políticas, a ambição feminina e o uso de drogas por jovens protegidos.
As circunstâncias políticas que Zula relata serão familiares aos ouvidos contemporâneos e fazem um presságio aos golpes que a democracia brasileira vem sofrendo desde 2014: o discurso “apartidário”, o teatro moralizante das promessas de “especialistas”, os juristas que burlam a democracia em nome do “Estado de Direito”.
“Acho que esse meu primeiro romance será entendido como auto-ficção, o que não me incomoda, mas espero que também reflita o meu gosto pessoal de não querer ser tão contemporânea e auto defensiva”, revela Luiza. Com uma prosa lírica e ágil, Berthoud relata as antecâmaras de um momento histórico agonizante, gamificado e antidemocrático, no qual não é mais possível fazer uma política humana. “Na política, a falsidade geralmente vence, mas na literatura nem tanto”, conclui a autora.