Como narcisistas sobem mais rapidamente na carreira
David Robson
Muito já foi escrito sobre os perigos dos presidentes de empresa narcisistas.
Eles tendem a incutir uma cultura individualista em toda a empresa, o que reduz a colaboração e a integridade das pessoas.
Eles são conhecidos por tomar decisões precipitadas e arriscadas que podem enfraquecer a resiliência de longo prazo de uma empresa, e são mais propensos a se envolver em casos de evasão fiscal agressiva ou cometer fraude administrativa.
Alguns especialistas de gestão até especularam que o narcisismo pode derrubar empresas inteiras, como teria sido o caso da Enron em 2001 (companhia de energia americana que decretou falência por fraudes contábeis e fiscais).
Apesar dessas sérias preocupações sobre líderes narcisistas, surpreendentemente pouco se sabe sobre como essas pessoas egocêntricas e superconfiantes conseguiram suas posições de poder.
Será que a ambição e a arrogância do narcisismo ajudam alguém a ser promovido, sendo mais provável que ela chegue ao topo em relação à média das pessoas? Ou seriam os líderes narcisistas um fenômeno tóxico, mas raro, no local de trabalho médio?
Um novo artigo de pesquisadoras italianas tenta preencher essa lacuna em nosso conhecimento — e indica algumas implicações sérias nas maneiras como as empresas selecionam e recompensam seus funcionários.
Como as ‘estrelas’ nascem
Existem muitas boas razões para se suspeitar que os narcisistas progridem mais rapidamente do que seus colegas.
Sem a humildade que impede os demais de se gabar, os narcisistas podem ser especialmente bons em autopromoção e em garantir que suas contribuições sejam reconhecidas — mesmo que não mereçam ser enaltecidos.
Um estudo de 2017 descobriu que a autoavaliação positiva que os narcisistas fazem de seu próprio desempenho não corresponde às suas realizações reais — que suas realizações não são mais notáveis do que as das pessoas ao seu redor.
Graças à visão exagerada de si mesmos, os narcisistas também conseguem apresentar planos mais ambiciosos para o futuro, o que pode impressionar seus chefes ou painéis de recrutamento até que finalmente cheguem ao cargo mais alto da empresa.
No entanto, nenhum desses pontos é inevitável. Você poderia facilmente argumentar que a disputa constante de um narcisista por atenção tem potencial para alienar as pessoas ao seu redor.
Em um mundo justo, sua arrogância infundada se tornaria aparente, enquanto colegas mais modestos seriam reconhecidos por seu genuíno trabalho árduo. (Na fábula de Esopo, afinal, é a tartaruga lenta e firme que consegue vencer a lebre orgulhosa, mas preguiçosa.)
Até agora, não estava claro qual desses dois cenários é mais comum — o que inspirou Paola Rovelli, professora-assistente da Universidade Livre de Bozen-Bolzano, e Camilla Curnis, uma aluna de doutorado da Universidade Politécnica de Milão, a investigar o assunto com uma ampla pesquisa junto a empresários de alto escalão da Itália.
“Quando começamos a nos interessar pelo narcisismo do presidente de empresa, percebemos que a literatura se concentrava principalmente nas consequências desse traço para a empresa”, disse a dupla de pesquisadoras à BBC por e-mail.
O estudo é baseado em dados de uma pesquisa anterior com cerca de 200 presidentes de empresa italianos, que já haviam respondido a perguntas aprofundadas sobre a gestão de suas empresas. Como acompanhamento, Rovelli e Curnis pediram que eles completassem o Inventário de Personalidade Narcisista (NPI, na sigla em inglês), no qual eles deveriam escolher entre 40 pares de afirmações, tais como:
1:
a) Tenho um talento natural para influenciar pessoas
b) Não sou bom em influenciar pessoas
2:
a) Quando as pessoas me elogiam, às vezes fico envergonhado
b) Sei que sou bom porque todo mundo vive me dizendo isso
3:
a) A ideia de governar o mundo me assusta muito
b) Se governasse o mundo, ele seria um lugar melhor
4:
a) Insisto em obter o respeito que me é devido
b) Geralmente recebo o respeito que mereço
Em cada caso, uma opção é considerada mais autoengrandecedora do que a outra. (Nesse exemplo, seriam as respostas 1a, 2b, 3b, 4a.) Ao contar quantas vezes uma pessoa escolhe a alternativa narcísica, é possível estabelecer a pontuação NPI do participante, que parece prever muitos comportamentos da vida real associados ao traço.
Rovelli e Curnis compararam essas pontuações com os dados dos currículos dos presidentes, incluindo informações sobre sua educação e experiência profissional, e seus cargos e promoções dentro de suas organizações.
No geral, elas descobriram que alguém com alto grau de narcisismo era cerca de 29% mais rápido em sua progressão de carreira até a posição de presidente, em comparação com o candidato médio com qualificações semelhantes.
Infelizmente, para todos os que trabalham duro, mas permanecem humildes, parece que a autopromoção constante dos narcisistas realmente compensa a longo prazo.
Curiosamente, isso acontece tanto em empresas familiares como em não-familiares. Como os espectadores de programas de TV como Succession, da HBO, já suspeitam, a lealdade aos parentes não é suficiente para deter um conspirador egoísta que está determinado a progredir.
É importante notar que os efeitos do narcisismo na trajetória de carreira de alguém podem depender de seu gênero.
Graças ao machismo implícito ou explícito, os recrutadores geralmente perdoam mais a ambição dos homens do que das mulheres, por exemplo.
Rovelli e Curnis observaram que as mulheres tendem a ter pontuações ligeiramente mais baixas de narcisismo, mas, como o número de presidentes de empresa do sexo feminino em sua amostra era pequeno, elas não foram capazes de chegar a quaisquer conclusões mais consistentes.
Apesar disso, esperam investigar a questão no futuro.
Achando o narcisista
Rovelli e Curnis acreditam que seus resultados têm sérias implicações para o ambiente de trabalho, pois mostram que os narcisistas continuam sendo favorecidos, apesar dos notórios problemas que eles trazem às suas empresas.
“Nossos resultados são um tanto preocupantes”, afirmam Rovelli e Curnis. Elas ressaltam que a rápida promoção dos narcisistas pode significar que eles não têm a experiência necessária para cumprir suas responsabilidades — o que pode exacerbar os efeitos de sua tomada de decisão precipitada e desonesta.
Felizmente, existem algumas medidas práticas que qualquer empresa pode tomar para minimizar o impacto dos narcisistas no local de trabalho.
Idealmente, isso deve começar com um recrutamento mais inteligente — para identificar pessoas com tendências problemáticas muito antes de elas chegarem a uma posição em que possam causar prejuízos.
E simplesmente praticar o devido cuidado com referências e verificações de antecedentes já é um excelente começo, diz Ian MacRae, psicólogo e autor do livro Dark Social: Understanding the Dark Side of Work, Personality and Social Media (“Social Sombrio: Compreendendo o lado negro do trabalho, da personalidade e das mídias sociais”, em tradução livre), que ainda não foi lançado.
“Ainda estou surpreso com a frequência com que as pessoas pulam essas etapas para seleção para altos cargos — especialmente quando o candidato é muito carismático.”
A segunda sugestão de MacRae é usar um painel de contratação diversificado e observar como o candidato responde a pessoas de diferentes status dentro da organização.
“Os narcisistas são muito bons em ‘administrar’, mas tendem a tratar as pessoas que consideram de status inferior de maneira muito diferente. Se você não tem nenhuma diversidade entre os avaliadores no processo de contratação, é improvável que você perceba isso.”
De forma mais ampla, MacRae argumenta que as organizações podem conter as tendências dos narcisistas ao recompensar o comportamento ético, criando um sistema que apela ao senso competitivo dos narcisistas.
“Se o sistema recompensar o comportamento pró-social e não tolerar comportamento antisocial, como bullying ou fofoca maliciosa, os narcisistas usarão as estratégias que consideram eficazes para subir na carreira.”
Se essas descobertas o levaram a reconhecer tendências narcisistas em seu próprio chefe ou colegas, pode haver pouco que você possa fazer para mudar o comportamento deles. Mas você pode tentar usar sua compreensão da personalidade deles para limitar os efeitos disso na sua própria carreira.
Os narcisistas tendem a reagir mal a críticas diretas à sua autoridade, por exemplo. Portanto, se você realmente precisa questionar suas ações ou sugerir uma nova estratégia, tente enquadrá-la de uma forma que possa apelar para o ego deles.
Depois de deixar claro como seus planos podem beneficiá-los e à reputação deles, assim como a você mesmo, é muito mais provável que eles concordem com a sua sugestão.
Você também deve tentar se certificar de que seus próprios talentos estão claramente visíveis para outros membros da chefia — caso contrário, há o risco de o narcisista simplesmente pegar carona em suas realizações para promover sua própria carreira. Quando você está enfrentando um narcisista, você acaba precisando sacrificar um pouco de sua modéstia.
Lidar com o narcisismo dos outros pode ser um problema na vida profissional — mas com uma maior consciência dos comportamentos e dos riscos, todos nós podemos tentar garantir que narcisistas não sejam recompensados injustamente por sua arrogância.
*David Robson é o autor de Por que pessoas inteligentes cometem erros idiotas? Seu próximo livro —The Expectation Effect: How Your Mindset Can Change Your World (“O efeito da expectativa: como sua mentalidade pode mudar seu mundo”, em tradução livre) — será publicado no início de 2022.