As milhões de pessoas que descendem da realeza e não sabem
Sean Coughlan
Pode parecer uma conexão rara e improvável. Como um comediante dos dias atuais poderia ser descendente de um rei dos tempos medievais?
Em um episódio recente do programa de TV da BBC Who Do You Think you Are? (“Quem você pensa que é?” em tradução livre), focado em genealogia e histórias familiares, o comediante britânico Josh Widdicombe descobriu que tinha como antepassado o rei Eduardo 1°, que morreu há mais de 700 anos.
E não é um caso isolado. O ator de novelas britânico Danny Dyer soube, no mesmo programa, de seu parentesco com Eduardo 3°; o comediante Alexander Armstrong descobriu ser descendente de Guilherme, o Conquistador (rei da Inglaterra entre 1066 e 1087) e o atleta Matthew Pinsent também teve identificado seu parentesco com Eduardo 1°.
Será que os genes de antigas realezas “produziram” celebridades britânicas atuais? Ou será que são apenas coincidências incomuns?
O que as descobertas mostram, na verdade, segundo especialistas em genealogia, é que um surpreendente número de pessoas vai encontrar ancestrais reais — desde que sejam capazes de voltar bastante no tempo e investigar sua árvore genealógica.
Dá para provar a ancestralidade real?
“Não é algo tão incomum”, diz Graham Holton, tutor no curso de pós-graduação em genealogia da Universidade de Strathclyde, na Escócia.
“Uma das questões é o quanto você realmente consegue provar isso. Provavelmente muita gente que é (descendente) não será capaz de prová-lo com evidências documentais”, agrega.
Usando modelos prévios de números de descendentes ao longo de gerações, ele estima que possa haver 2 milhões de pessoas vivas que têm algum grau de parentesco com Eduardo 1°. Como a maioria dos registros familiares não tem registros tão antigos, a maioria das pessoas não sabe que descende do rei inglês que governou entre 1272 e 1307.
Mas isso significa que em uma rua ou ônibus qualquer do país pode haver algum parente distante desse monarca medieval.
Nem todas as pessoas ficam superentusiasmadas quando descobrem seus elos com a realeza. Foi o caso do próprio Graham Holton ao descobrir seu parentesco com Eduardo 1°, que reinou com a ambição de dominar a Escócia. “Sou escocês, e Eduardo 1° era conhecido como ‘Martelo dos Escoceses’, não fiquei exatamente pulando de felicidade”, conta.
Milhões de parentes de Ricardo 3°
Segundo Turi King, professora de genética da Universidade de Leicester, a partir de suas pesquisas sobre Ricardo 3° (rei da Inglaterra entre 1483 e 1485, no final da Idade Média), é possível dizer que há “literalmente milhões” de pessoas vivas com parentesco com a família imediata do monarca.
A partir da amostra de DNA de parentes de uma das irmãs de Ricardo 3°, foi possível identificar a ossada do rei, na área de Leicester.
King, que é apresentadora de outro programa da BBC, Family Secrets (“Segredos de Família”, em tradução livre), diz que muitas pessoas não sabem que árvores genealógicas se sobrepõem umas às outras, quando você investiga suas origens.
“Sempre digo às pessoas que somos todos parentes uns dos outros. É só uma questão de grau (de parentesco).”
Dessa forma, diz ela, árvores genealógicas separadas acabam parecendo um grande matagal entrelaçado.
O conceito de realeza é envolto na ideia de pessoas “especiais” e distintas, mas King afirma que a realidade genética é diferente: somos resultado de séculos de miscigenações e fusões, migrações, ascensões e quedas sociais, tudo isso interconectado.
Muitos de nós temos ancestrais compartilhados. E pessoas com ancestralidade que alcança os tempos medievais no Reino Unido têm mais chances de serem parentes de grupos da realeza do que de não serem.
Mas quando um programa televisivo foca no elo com um determinado monarca, ela diz que tenta “não se irritar com a TV” por conta do grande número de outros ancestrais menos glamourosos que acabam sendo ignorados no processo.
E se voltarmos ainda mais no tempo — alguns milhares de anos, por exemplo —, vamos descobrir padrões ainda maiores de ancestralidade comum, diz King. E não apenas no Reino Unido, mas compartilhados por pessoas que moram em diferentes países e continentes.
“Somos todos parte de uma família gigante”, ela argumenta.
Para identificar um parente medieval geralmente é preciso encontrar um “ancestral que seja porta de entrada”, explica Else Churchill, da Sociedade de Genealogistas de Londres.
Pode ser alguém rico e famoso ou mesmo infame o suficiente para ser bem documentado e oferecer uma trilha a um historiador de genealogia. Com essa trilha, diz Churchill, aumenta-se a probabilidade de se encontrar algum parente na realeza.
A especialista em genealogia sugere que uma criança nascida na Inglaterra em meados do século 20 cuja ancestralidade possa remontar ao período inglês do início do século 13 teria 80% da população da época em sua árvore genealógica.
“Dependemos da sobrevivência dos registros oficiais”, ela aponta. Muitas pessoas também serão descendentes de “uma linhagem de camponeses”.
Resultado inesperado de DNA
Para identificar seus antepassados, muita gente tem recorrido a análises de DNA. A própria Else Churchill ficou surpresa com seu histórico — embora ela não tenha nenhuma relação com reis ingleses da Era Medieval.
“Pelo DNA, descobri que meu pai não é meu pai”, ela conta. “Venho pesquisando os Churchills há 40 anos, então a descoberta foi um choque, eu não tinha ideia. Conheço (mais) pessoas que ficaram abaladas por descobertas como essa. Não foi o meu caso, mas foi algo que me fez pensar.”
Churchill, cujos pais já faleceram, ressalta que a descoberta inesperada não a fez perder seu senso de identidade ao descobrir que não tinha laços genéticos com seu pai ou mesmo com os ancestrais que ela vinha pesquisando havia tanto tempo.
Isso tampouco diminuiu seu entusiasmo pelo trabalho de detetive envolvido na genealogia.
“Não formo minha identidade pensando que lá em 1630 havia um cara chamado Thomas Churchill, que é meu ancestral. (…) A família não é necessariamente os genes, e família não é necessariamente ancestralidade”, diz.