O multimilionário que cresceu em cortiço e fez fortuna com apostas

Dougal Shaw

Peter Done
Peter Done deixou escola aos 15 anos para empreender e hoje é dono de uma empresa que terceiriza Recursos Humanos com mais de 3 mil funcionários

O bilionário britânico Peter Done nunca se esquece de seu irmão mais velho, Fred, pressionando um travesseiro contra o seu rosto durante uma briga quando eram crianças.

Os dois dividiam a mesma cama. E foi assim até completarem 15 anos. Suas duas outras irmãs também dormiam no mesmo quarto.

A família Done vivia em uma pequena casa em Ordsall, conhecida como a “favela de Salford”, na área metropolitana de Manchester, no norte da Inglaterra.

“Até hoje tenho claustrofobia por causa do travesseiro”, ri Done Júnior. “Provavelmente fui um pouco atrevido e ele era maior do que eu.”

Mas foi o relacionamento bem-sucedido com seu irmão que seria a chave para o seu sucesso profissional. Os irmãos encontraram um caminho para sair da pobreza ao construir um império de casas de apostas, acumulando uma fortuna familiar de bilhões de libras e tornando-se uma presença regular na lista dos mais ricos do jornal inglês Sunday Times.

Foto de Peter Done na escola
Peter Done (primeiro à direita) na escola — ele só conhecia uma pessoa que foi para a universidade

Os irmãos Done deixaram a escola aos 15 anos.

No entanto, eles encontraram emprego em uma rede de lojas de apostas em Manchester. Como pubs, esses estabelecimentos prosperavam em áreas pobres. Eles só foram legalizados no Reino Unido em 1961. Havia preocupações com seu impacto social, bem como com a própria moralidade do jogo.

Aos 17 anos, Peter já estava gerenciando uma casa de apostas, embora legalmente não pudesse entrar em suas instalações.

O proprietário do estabelecimento o valorizou por sua habilidade em matemática. Ele cuidava da contabilidade, mentalmente analisando os números, lucros e prejuízos.

Casa de apostas
Casas de apostas só foram legalizadas no início dos anos 1960

No fim dos anos 60, esses locais eram intimidadores para se trabalhar — mesmo para um adolescente. Eles eram dominados por homens e a decoração muitas vezes lembrava a de uma prisão. O ambiente podia se tornar violento a qualquer momento, mas especialmente depois das 15h de um sábado, quando as pessoas saíam dos pubs, lembra Peter.

“Você não podia mostrar fraqueza”, diz ele, “porque então esses caras durões perceberiam que você era muito dócil.”

Tanto Peter quanto Fred mostraram talento para administrar esses lugares e, quando Peter fez 21 anos em 1967, os dois abriram sua própria casa de apostas. Eles a compraram por 4 mil libras — sendo 1 mil libras o dinheiro do depósito que Peter havia economizado para comprar uma casa com sua mulher. Chamaram-na de Betfred.

Ele diz que não ficou com medo de correr esse risco porque já tinha seis anos de experiência na área e sempre acreditou que poderia administrar uma casa de apostas melhor do que seus patrões, se tivesse oportunidade.

Casa de apostas
Casas de apostas nas décadas de 1960 e 1970 tinham decoração escassa

Atenção ao cliente

Foi nessa época que Peter diz ter aprendido lições que valoriza até hoje.

A principal, diz, é sempre o atendimento ao cliente, porque é isso que traz as pessoas de volta.

“Chamamos nossos clientes de ‘senhor’ e naquela época isso não acontecia”.

“Se um apostador tivesse uma grande vitória, o bookmaker costumava jogar o dinheiro nele e dizer, ‘não volte mais!’ enquanto nós diríamos: ‘aqui está o seu dinheiro, aproveite!’

“Eles ficaram surpresos. Mas sabíamos que eles voltariam e, com o tempo, o bookmaker sempre ganha.”

Os irmãos também não gostavam da decoração de muitas casas de apostas naquela época. Pareciam “casebres”, lembra Peter.

“Elevamos o nível, tínhamos tapetes”, conta.

A fórmula deu certo e os irmãos compraram gradualmente mais lojas, sendo as primeiras administradas por suas irmãs, consolidando o negócio da família. Em meados da década de 1980, eles tinham mais de 70 lojas.

Loja Betfred
Loja Betfred no centro de Manchester

Mas foi um incidente durante essa expansão constante que levou Peter a deixar o mundo das apostas para trás. Os irmãos tiveram que resolver extra-judicialmente um lítigio com um funcionário de uma nova loja que estavam assumindo.

O processo deixou feridas que demoraram para cicatrizar. Isso os levou a investir em um novo negócio que terceirizava serviços de Recursos Humanos.

A empresa ganharia o nome de Peninsula, da qual Peter é CEO há 35 anos. Sua sede recém-construída é um arranha-céu de vidro brilhante e domina o horizonte de Manchester, ao norte da estação Victoria.

Do escritório de Peter, é possível avistar Ordsall, onde ele cresceu. A Peninsula se expandiu ao longo dos anos e agora tem mais de 3 mil funcionários, atendendo a mais de 100 mil empresas em todo o mundo, 40 mil delas no Reino Unido.

Grupo Peninsula tem seu próprio escritório, ao norte da estação Victoria

Recentemente, durante a pandemia, a base de clientes da empresa cresceu mais de 12%, à medida que empresas em todo o mundo tiveram que atualizar suas políticas de RH e segurança, seja sobre trabalho em casa, distanciamento social ou regras de vacinação. Com o tempo, sua aposta nesse setor parece ter valido a pena.

No entanto, em meados da década de 1980, embora o futuro da empresa mostrasse sinais promissores, as oportunidades de sucesso não eram claras e os irmãos tiveram que fazer uma escolha. Quem a administraria?

A decisão sobre quem deveria deixar a Betfred foi decidida como uma verdadeira aposta.

“Fred disse ‘vamos decidir no cara ou coroa’. Ele ganhou e disse ‘vai embora’, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa”, diz Peter, rindo.

Assim, ele deixou a administração da Betfred para seu irmão mais velho, embora continue sendo seu principal acionista.

Fred Done, irmão mais velho de Peter, com Alex Ferguson
Fred Done, irmão mais velho de Peter, com Alex Ferguson

Mas sua partida significou sair da sombra de seu irmão mais velho? Era, afinal, uma aposta em si mesmo?

“Em primeiro lugar, desde quando éramos crianças, quando pressionava o travesseiro contra o meu rosto, queria me dominar, mas eu não deixava”, diz Peter sem rodeios.

Tratava-se então de um desejo de deixar para trás o estigma do jogo, que assola muitas comunidades e, principalmente, como os estudos têm mostrado, as áreas carentes onde ele cresceu?

Peter diz que não foi o caso. “As apostas têm fama ruim, mas a grande maioria das pessoas que vai a uma casa de apostas o faz por diversão e não gasta mais do que pode.”

A explicação de Peter para deixar o setor em que iniciou sua carreira no mundo dos negócios é mais simples.

Ele diz que preferia as possibilidades que se abriam no universo dos Recursos Humanos e se entusiasmava com o desafio de expandir um novo negócio.

No entanto, Peter ainda usa as lições que aprendeu na adolescência nas casas de apostas, embora seu local de trabalho hoje em dia seja totalmente diferente.

A configuração da Peninsula mais se assemelha a um típico call-center, com fileiras de pessoas lado a lado conversando em fones de ouvido. Tudo é claro e brilhante e as paredes estão cobertas de slogans motivacionais. E há tapetes.

“É tudo uma questão de se atualizar e gerar receita constante”, explica Peter, quando fala sobre as chances de sucesso do negócio. Os clientes da Peninsula não são diferentes dos apostadores de uma casa de apostas dos anos 60, nesse sentido. A qualidade do serviço determina se alguém volta. E é mais barato reter um cliente antigo do que conseguir um novo.

Um conselho de negócios que Done aprendeu nos últimos anos, no entanto, é que você só consegue um bom serviço em escala se tratar bem seus funcionários e os incentivar — por isso, ele busca uma alta retenção de pessoal e adota uma política de recompensa ostensiva àqueles que prestam um bom serviço.

Sede da empresa Peninsula
Peter na empresa que comanda, a Peninsula

Uma das recompensas pelo sucesso nos negócios é poder conviver com pessoas do clube de futebol Manchester United, time para o qual ele torce desde a infância. Peter é frequentador assíduo do estádio Old Trafford, junto com seu irmão, misturando-se com figuras importantes do clube, do passado e do presente.

Um amigo próximo é o lendário treinador Sir Alex Ferguson, que lhe deu alguns conselhos memoráveis ​​quando passaram férias juntos há alguns anos. Ferguson disse: “Mantenha o controle e tome decisões, mesmo que sejam erradas. O pior é não tomar uma decisão.”

Peter diz que seguiu à risca esses conselhos, até porque sua família manteve o controle — de todos os negócios que criaram. E quanto à tomada de decisão, argumenta que sempre escolheu o futuro que queria seguir, embora parte dele tenha sido decidido no cara ou coroa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *