A reforma em um dos prédios mais antigos do Rio de Janeiro revelou tesouros arqueológicos da época da chegada da família real portuguesa ao Brasil. O Convento do Carmo vai virar um centro cultural.
A cidade que os frades viam mudou bastante nestes últimos 400 anos. Na Praça XV, o Convento do Carmo viu o Rio de Janeiro nascer. Foi a primeira construção, concluída em 1620.
A última reforma deixou registros arqueológicos: portais que nos levam ao passado, mostram paredes de pedras coladas com óleo de baleia, grades antigas do convento e a estrutura reforçada por vigas de madeira, prova do medo que os colonizadores tinham de viver no Brasil a tragédia dos terremotos que sacudiram Portugal.
Também revelam as decorações nas paredes e a pintura imitando madeira. Mudanças feitas no início do século XIX, quando a corte veio para o Rio.
Os frades deixaram o convento para uma moradora ilustre: Dona Maria, a primeira mulher a governar o império português. Vítima de depressão profunda, após várias perdas na família em uma epidemia de varíola, a rainha tinha acessos de loucura.
Vivia entre paredes, circulando apenas em passagens que não existem mais. Corredores registrados em fotos, ligando o convento ao Paço Imperial e à capela real. Mas o isolamento não evitou as histórias contadas até hoje.
Quem passava na rua ouvia os gritos de Dona Maria, segundo relatos da época. O único aposento de uma rainha europeia nas Américas foi restaurado, após um trabalho que buscou e recuperou o piso, a cor e as pinturas originais. No local, Dona Maria passou os últimos oito anos da sua existência até a morte, em março de 1816, aos 81 anos de idade.
Já o prédio renasceu, após décadas de abandono. Será um centro cultural, com restaurante, biblioteca e salas de aula. Um investimento de quase R$ 30 milhões.
“A Procuradoria-Geral do Estado no ano de 2017 teve a ideia de recuperar o imóvel com seus recursos próprios. E agora a gente está tendo este momento feliz de entregar e devolvê-lo à sociedade do Rio de Janeiro. Todo este custo foi efetivado pelo fundo próprio da Procuradoria-Geral do Estado. Nenhum centavo sequer do orçamento do poder Executivo foi destinado para esta obra”, diz Bruno Dubeux, procurador-geral do Estado.
A primeira exposição, no ano que vem, vai mostrar estes tesouros. Louças inglesas, francesas, garrafas de vinho, talheres de prata encontrados ao lado de cachimbos, búzios e fragmentos de cerâmica.
“E o que eu acho muito interessante nesse sítio é que ele te remete a esse universo diverso, não é um universo binário entre a realeza e os escravizados, você tem uma massa de pessoas de classes outras que estão convivendo nesse espaço e deixando igualmente seus remanescentes”, destaca Jeane Cordeiro, arqueóloga.