A experiência que pôs à prova técnica do sono de Salvador Dalí para aumentar criatividade
O artista catalão Salvador Dalí (1904-1989) se esforçou ao máximo para ser excêntrico… até na hora de dormir.
E ele garantiu que o mundo soubesse disso.
É por isso que sabemos, por exemplo, que “seu método de trabalho não é o de um mortal comum”, como explicado na legenda original da imagem acima, de 1942:
“Ele está deitado em um sofá perfumado em seu escritório com um punhado de lápis nas mãos. Em seguida, o perfume é derramado em suas pálpebras para influenciar seus sonhos, porque os sonhos são a matéria de que o surrealismo é feito.”
Embora às vezes não fossem os sonhos, mas a interrupção do próprio sonho que eram a chave para ele.
Em seu livro 50 Segredos Mágicos Para Pintar (1951), ele recomendou pequenas sestas como um ponto de partida para a criatividade.
Seu método, que ele chamou de “dormir com uma chave”, consistia em 5 etapas:
1. Sente-se ereto em uma poltrona com braços.
2. Segure uma chave de metal pesada em sua mão.
3. Coloque um prato de metal de cabeça para baixo sob a mão que segura a chave.
4. Permita-se dormir. Quando isso acontecer, você soltará as chaves, que baterão no prato e produzirão um grande barulho.
5. Acorde e parabenize-se por ter conseguido uma microssesta.
Ele garantiu que, dessa forma, o artista se sentiria física e psiquicamente revitalizado.
A fórmula não era totalmente original.
Braços de Morfeu
Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) foi um dos primeiros a exaltar as virtudes desse tipo de cochilo, denominado hipnagógico, o período de sonolência que antecede o sono verdadeiro.
O filósofo grego acreditava que isso tinha o poder de despertar a inspiração e a criatividade.
Por sua vez, Thomas Edison (1847-1931), que mudou para sempre a maneira como dormimos ao inventar a lâmpada elétrica, achava que o sono era o inimigo da produtividade, uma perda de tempo e “um legado de nossos dias de caverna”.
No entanto, ele secretamente fazia microssestas, como várias fotos atestam, e também apontava que nesse estado de semilucidez sua mente estava inundada de imagens.
E vários grandes pensadores praticaram cochilos hipnagógicos, incluindo Albert Einstein (1879-1955) que, apesar de dormir pelo menos dez horas à noite, também cochilava durante o dia.
Algumas eram microssestas e, para ter certeza de que sim, várias fontes afirmam que ele usou o mesmo truque que Dalí usaria mais tarde — só que em vez de uma chave, segurava um lápis ou uma colher para produzir o barulho da queda que o obrigava a sair abruptamente dos braços de Morfeu.
Mas essa técnica produz o resultado que promete?
Foi isso que intrigou uma equipe de pesquisadores do Instituto do Cérebro de Paris, na França, que idealizou um experimento para testar as microssestas.
Eles recrutaram 103 participantes saudáveis, capazes de adormecer facilmente, e pediram que evitassem estimulantes e dormissem um pouco menos na noite anterior ao experimento.
Naquele dia, eles enfrentaram dez problemas matemáticos: eram sequências de caracteres de oito dígitos, mas faltava o último dígito. Para descobrir qual era, eles receberam duas regras que deveriam aplicar em duas etapas.
O que não foi dito a eles foi que havia uma terceira regra oculta; se descobrissem, poderiam resolver os problemas com muito mais rapidez.
O segredo era que o oitavo dígito que faltava era sempre igual ao resultado da segunda etapa.
Uma vez que criatividade implica originalidade e utilidade em um dado contexto, se eles descobrissem essa regra oculta, eles estavam sendo criativos porque, sem receber instruções para resolver o problema dessa forma, teriam encontrado uma estratégia nova e útil.
Mas o que realmente interessou aos pesquisadores foi o que aconteceria após um intervalo de 20 minutos em que fossem solicitados a relaxar ou até mesmo dormir.
Eles estavam sentados em confortáveis poltronas semi-reclináveis, com os olhos fechados, em uma sala escura.
Para isolar o estado de hipnagogia, que dura apenas alguns minutos antes de a pessoa adormecer mais profundamente, eles tiveram de segurar um copo na mão — e se ele caísse, diriam em voz alta qual haviam sido seus pensamentos logo antes de o deixarem cair.
Além disso, os pesquisadores monitoraram as ondas cerebrais para distinguir os diferentes estágios do sono com base em padrões.
Depois do descanso
Quando os participantes voltaram do descanso, mais problemas matemáticos do mesmo tipo os aguardavam.
Foi então que os cientistas puderam verificar se tinha havido um aumento da “percepção” ou um aumento na velocidade de resolução dos problemas com as duas regras ou na descoberta da regra escondida.
Acontece que, entre os participantes que passaram pelo menos 15 segundos no estágio hipnogógico, quase triplicaram as chances de eles descobrirem a regra oculta (83% contra 30% quando os participantes permaneceram acordados), e esse efeito desapareceu entre os indivíduos que conseguiram atingir um sono mais profundo.
“Provamos que existe um momento fugaz e propício para pensamentos perspicazes dentro do período de início do sono”, diz o estudo publicado na revista científica Science Advances.
“Mostramos que a atividade cerebral comum à zona crepuscular entre o sono e o adormecimento cria faíscas criativas.”
Só o começo
Embora esta pesquisa acrescente evidências sobre a importância de um estágio do sono que não foi amplamente estudado, várias questões ainda precisam ser resolvidas.
Entre elas, por que entrar e sair desse estado semilúcido desbloqueia rapidamente os pensamentos criativos?
Ou existe uma ligação entre os pensamentos pouco antes de recuperar a consciência e uma maior percepção?
Embora os pesquisadores tenham coletado os relatos fornecidos pelos participantes sobre o que se passava por suas cabeças antes de derrubarem o copo, eles não conseguiram fazer conexões entre esses elementos — mas isso não significa que não existam.
Na verdade, isso mostra a necessidade de mais estudos e muitos mais microssestas para obter uma boa compreensão daquele mundo vago no limiar dos sonhos.